Visões da Greve
Por Felipe Maia, estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo e vice-presidente do Comitê Municipal de São Paulo do PCdoB.
Publicado 11/06/2007 17:03 | Editado 04/03/2020 17:19
Já faz cinco semanas que a Reitoria da USP está ocupada pelos estudantes. O movimento que iniciou-se de forma despretensiosa, parece ter vivido seu auge com a publicação dos decretos declaratórios do governador José Serra, e agora vive o dilema: como prosseguir a luta? Desocupar a Reitoria ou manter a ocupação? Esse pequeno texto busca responder essa questão, na véspera de uma assembléia estudantil, e em diálogo com aqueles que lutam pela defesa desta universidade.
O movimento que ocupou a Reitoria começou mobilizando uma vanguarda de estudantes. É bem verdade, que o debate sobre os decretos anti-autonomia do Governador vinham sendo discutidos desde o início do ano por Centros Acadêmicos e pelo DCE. Entretanto, ainda não havia um acúmulo de debates no meio universitário que impulsionasse uma luta mais radicalizada. A ocupação foi então um fato surpreendente, talvez até mesmo para os ocupantes, devido ao total despreparo da Reitoria para evitá-la ou lidar com ela. O movimento não havia preparado minuciosamente uma ocupação, e até mesmo a pauta de reivindicação foi sendo elaborada durante o processo, ainda que o eixo central já estivesse sendo bem debatido.
A partir daí, as coisas mudaram, o movimento cresceu. Com erros e acertos, conseguiu liderar uma luta justa por uma causa justa: a autonomia das universidades paulistas ameaçada pelo decreto do Governador. A crítica maior feita ao movimento se deu mais pela sua forma que pelo seu conteúdo. De longe o movimento ganhou ascendentemente mais apoios do que críticas. Ganhou também representatividade de massa, as assembléias encheram, funcionários e professores das três universidades entraram em greve. As aulas foram paralisadas em muitas unidades.
Esse crescimento se deveu a justeza política da causa. A autonomia das universidades é bandeira política ampla, capaz de colocar em xeque a sanha privatista do governo tucano. A universidade é vacinada contra o projeto neoliberal. Serra avançou a linha em direção a algo que nenhum governo anterior do PSDB havia avançado. O movimento acertou também na construção simbólica. A tática da resistência passiva, com amplo apoio na comunidade universitária impediu a entrada da polícia no campus. As ações simbólicas de manutenção e conservação dos espaços públicos ocupados reduziram o impacto da crítica desqualificada da direita raivosa, de que os estudantes seriam baderneiros.
Dessa forma o movimento viveu seu auge, tendo conseguido um inédito recuo do governador. Os tais decretos declaratórios não são esclarecimentos de intenção original, são declarações de mudança de posição. Ou seja, são conquistas e vitórias do movimento, dos estudantes, dos professores, dos funcionários, de todos que defenderam a autonomia, não apenas dos ocupantes. Conquistada a vitória principal, o movimento pode contar ainda com inúmeros avanços em outros pontos da pauta já anunciados pela Reitoria, representando melhores condições de permanência dos estudantes mais pobres na universidade. Não é pouco, porém agora apresenta-se a questão: avançar ou recuar? Entender as conquistas, ainda que parciais, como caminho para uma luta maior, ou tentar avançar indefinidamente rumo ao desconhecido?
Creio que aqui é que mora o perigo. Adotar o caminho da política, da negociação, da busca de soluções pactuadas, não tem sido a opção preferencial de setores altamente influentes no movimento. Fazê-lo seria reconhecer a necessidade uma luta prolongada, condicionada por uma correlação de forças negativa para grandes transformações. Seria reconhecer a necessidade de apoio e de identificação com a grande maioria dos estudantes, que definitivamente não estão presentes em todas as atividades da greve, mas que apoiaram a ocupação nos seus momentos decisivos. Será a assembléia capaz de fazer essa opção?
Amanhã, terça-feira a assembléia deve decidir manter ou encerrar a ocupação. Hoje, segunda-feira, os professores já decidiram pelo encerramento de sua greve, diga-se de passagem, altamente vitoriosa. A questão que se colocará se dará nesses termos, qual o melhor caminho para prosseguir a luta? Manter a ocupação não é a única forma de lutar. A dinâmica do enfrentamento ao neoliberalismo exige formas de lutas variadas com o objetivo de angariar apoio e isolar o inimigo principal, e não o contrário, radicalizar, radicalizar e ao final acabar por isolando-se a si mesmo. Agora é o Governador quem aposta no impasse. Nós vencemos, seremos capazes de usar a vitória como um exemplo para a continuidade da luta?