Em giro pelo interior, Chávez reforça contato com as massas

O Toyota 4Runner deteve-se numa estrada vicinal e baixou uma janela de vidro fumê. Os passantes ficaram boquiabertos, e logo começaram a gritar “presidente” quando se deram conta de que era Hugo Chávez ao volante. “Eu te amo”, disse uma mulher de meia-ida

O presidente deu a mão às pessoas e distribuiu beijos em bochechas, cabeças e mãos dos que dele se aproximaram, a expressão de um vínculo emocional que ele qualifica como a força motriz por trás da revolução socialista que o opôs aos EUA.



“O que mais me dói é a pobreza. E é o que fez de mim um rebelde”, disse Chávez em meio a seis horas de conversa com a Associated Press, no último sábado, durante viagem que durou um dia inteiro – por estradas cortando as planícies meridionais, num vôo em helicóptero e em visita a uma fazenda de gado.



Durante a viagem, enquanto bebericava café e cantava canções folclóricas, homens e mulheres pobres de todas as idades apinhavam-se à volta de seu carro. Muitos pediam a Chávez ajuda para construir uma casa, conseguir atendimento médico – e Chávez disparava instruções a seus assessores, que tudo anotavam.



Numa das paradas, um menino olhou para dentro do carro e pediu dinheiro a Chávez. “Não é bom você ficar pedindo esmolas”, disse o presidente. Ele comprou algumas frutas de outro garoto e fez perguntas sobre suas famílias e estudos. Eles vivem em barracos e não têm computador em suas escolas. Por isso, Chávez oferece casa e tecnologia – e outras coisas mais. “Vocês têm água? Têm livros? Esse é o tipo de ajuda que podemos dar a vocês, que a revolução dá. Chegará um dia em que os garotos não precisarão mais vender frutas.”



Novos tempos



As estatísticas governamentais mostram que a pobreza diminuiu durante os oito anos de Chávez na Presidência, e ele disparou listas de outras melhorias – de hospitais a novas estradas. Seus adversários o acusam de realizar pouco, considerando os bilhões de dólares em receitas petrolíferas do país. Chávez se diz satisfeito com o progresso, mas “ainda não estou cantando vitória. É um longo caminho”.



Percorrendo de carro planícies do sul da Venezuela, onde foi criado, Chávez diz que a amplidão da paisagem influenciou seu pensamento. “A gente não vê barreiras”, disse. “Podemos ver o horizonte, e isso penetra nosso coração.”



Momentos de lazer



A viagem com Chávez proporcionou um vislumbre incomum da vida de um homem que transformou a Venezuela e disseminou uma mensagem socialista e anti-americana em todo o mundo.



Chávez diz gostar de assistir filmes de Clint Eastwood e que gostou tanto do filme Gladiador que o assistiu três vezes. Ele às vezes disputa partidas de beisebol, tarde da noite, com ministros e outros convidados usando uma bola de borracha. Chávez gosta muito de entrar em contato com a população, lê vorazmente e faz discursos que duram horas.



Mas, no geral, ele tem pouca atividade fora da política, situação que atribui a tentativas de assassiná-lo; venezuelanos nos EUA defendem abertamente sua morte. “Sou um condenado à morte, assim como foi Fidel [Castro] por muito tempo, e por isso sou obrigado a tomar medidas de segurança tão extremas, que acabamos não tendo vida pessoal”, diz Chávez. “No plano pessoal, acabamos vivendo como um prisioneiro.”



Um dos cinco filhos de Chávez, Maria Gabriela, de 27 anos, acompanhou-o na viagem e, do banco traseiro, abastecia-o de biscoitos. Duas vezes divorciado, o ex-tenente-coronel fala com freqüência e com carinho de seus filhos. Chávez diz “não haver possibilidade” de casamento no horizonte.



“Não tenho uma vida para compartilhar com alguém”, diz ele. “Minha vida não pertence a mim.”



Respeito à oposição



Chávez defende-se de acusações da oposição de que pretende ser presidente vitalício, dizendo que só permanecerá na Presidência se reeleito. Ele formulou reformas constitucionais que, se aprovadas em um referendo, permitirão que concorra novamente em 2012.



Chávez diz estar transformando a Venezuela num Estado socialista, mas que respeitará a propriedade privada. “Permanecerão todos as liberdades individuais, coletivas e os direitos fundamentais”, disse. “Nós aceitamos o ensino privado. Aceitamos assistência médica privada, desde que regulamentada e respeitando as políticas do Estado. O mesmo vale para os bancos.”



Chávez defendeu sua decisão de não renovar a concessão da Rádio Caracas Televisión (RCTV), aliada à oposição, o que gerou duas semanas de protestos de estudantes universitários, para os quais a decisão afronta a liberdade de expressão. O presidente diz que a decisão já deveria ter sido tomada há muito tempo, acrescentando que, em 2002, a emissora apoiou um golpe de Estado contra ele e que descumpriu sistematicamente a legislação. A emissora tentou contestar a decisão na Suprema Corte.



“Queremos uma mídia crítica”, disse Chávez. Mas advertiu que, se outras emissoras privadas “fizerem apologia de golpe de Estado ou assassinato, suas concessões terão de ser revogadas”.



Chávez disse que não estão sendo planejadas novas estatizações de empresas – por enquanto – depois de uma série de estatizações nos setores petrolífero, de telecomunicações e de energia elétrica. Mas ele não descartou expropriações no futuro.



O governo chavista também apropriou-se do que considera propriedades agrícolas subutilizadas, inclusive a fazenda de criação de gado que visitou no sábado. Sobrevoando a área de helicóptero, Chávez falou de seus planos para construção moradias, aumento do rebanho e criação de cooperativas na gigantesca propriedade, e jurou acabar com a dependência venezuelana de produtos alimentícios importados. “A revolução agrária chegou”, afirmou.



Texto publicado no Valor Econômico