Congresso do MST pautou modelos de reforma e biocombustíveis

A principal organização camponesa do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, pautou principalmente dois temas em seu 5º Congresso. O primeiro diz respeito a modelos de reforma agrária e a paralisação da reforma agrária que está s

Segundo o líder campones, existe “o da classe dominante, dos grandes capitalistas que construíram uma aliança. É integrada, por um lado, por empresas multinacionais e, por outro, por grandes latifundiários brasileiros”. O MST defende outro modelo, “voltado para as necessidades do povo, baseado no assentamento dos camponeses no meio rural, no desenvolvimento dos policultivos e na produção prioritária de alimentos, sem uso de agrotóxicos”, afirmou Stédile. A “aliança” entre as grandes empresas e os grandes proprietários – acrescentou – se baseia na produção em grandes extensões, com uso de agrotóxicos que degradam o meio ambiente e voltada fundamentalmente aos mercados externos.


 


O MST propõe impulsionar o modelo alternativo, ao qual se opõem “a sociedade brasileira e todo o mundo”, afirmou o dirigente. O 5º Congresso Nacional do movimento, que encerrou com uma marcha com 18 mil delegados nesta sexta-feira em Brasília, foi cenário deste debate. Stédile disse que na visão do MST, que tradicionalmente usa o método de ocupação ilegal de terras como meio de pressionar o governo para que acelere a reforma agrária, existe uma preocupação adicional a respeito do modelo de posse da terra.



 


Biocombustíveis


 


O MST se preocupa com o auge dos biocombustíveis e o impacto que o “agronegócio” tem sobre a distribuição da terra. “Para fazer a reforma agrária é necessário democratizar o acesso à propriedade, dividir os latifúndios e estimular o policultivo no mercado interno”, afirmou. Porém, o modelo do “agronegócio necessita maior produção em grande escala e concentra a propriedade da terra”. Stédile disse que a produção de etanol, biocombustível obtido a partir da cana-de-açúcar, entre outros cultivos, fomenta a concentração e encarece a terra.


 


“O que nos chama a atenção e nos preocupa é que vemos uma ofensiva de capitalistas norte-americanos. Em função da produção de etanol, estão fazendo fortes investimentos para comprar terras e usinas no Brasil”, afirmou o dirigente. Stédile se refere à aquisição de 13 usinas para a produção desse combustível, nas quais o capital majoritário veio dos Estados Unidos. O caso emblemático, – acrescentou – foi a compra pela multinacional Cargill da maior usina de etanol em Ribeirão Preto, no interior do Estado de São Paulo, que conta com 356 mil hectares dedicados ao cultivo da cana-de-açúcar.


 


O financista húngaro-norte-americano George Soros, que se gabou de forçar a Grã-Bretanha a desvalorizar a libra esterlina com suas manobras especulativas nos mercados de divisas, investirá US$ 900 milhões na construção de três usinas de etanol no Mato Grosso do Sul e mais US$ 1 bilhão, através de um fundo de investimento, na aquisição de terras. “Isto é patético”, afirmou Stédile. O aumento no preço da terra devido ao auge dos biocombustíveis foi confirmado por um estudo do Instituto FNP, organização sem fins lucrativos dedicada a analisar as variáveis econômicas agrárias patrocinadas, entre outras instituições, pela consultora privada AgraFNP.



 


Valor da terra



 


O informe, coordenado pela engenheira agrônoma Jacqueline Dettman, ressalta que em Estados como São Paulo os canaviais avançam sobre outros cultivos, como laranja ou pasto para o gado, o que, por sua vez, disparou um aumento no preço da terra de 70% no último ano. Em áreas do nordeste do Brasil, aptas para o cultivo de cana-de-açúcar, o preço da terra alcançou um recorde histórico, com aumentos de até 84%, diz o estudo. O ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, em conversa com IPS reconheceu que “deve haver algum tipo de regulamentação para garantir que a produção de etanol não se baseie na ampliação do latifúndio e na devastação do meio ambiente”.


 


Cassel informou que está produção não deve ser obstáculo ao desenvolvimento da agricultura familiar nem à reforma agrária. “Creio que a produção de biocombustíveis e a de alimentos são compatíveis quando planejadas e regulamentadas, por exemplo, evitando a compra de terras por investidores estrangeiros, o que, inclusive, é um problema de soberania nacional”, afirmou. Entretanto, o ministro disse ter “um pequeno desacordo e um acordo de fundo” com a posição do MST, segundo a qual no Brasil se impôs o agronegócio sobre um modelo agrícola social.



 


Modelo de Lula



 


“No Brasil temos dois modelos, um do agronegócio, empresarial e patronal, assentado em grandes extensões de terra e baseado na monocultura, e o modelo de agricultura familiar, dos assentamentos da reforma agrária, baseado na diversificação e na proteção do meio ambiente”, explicou o ministro. Cassel destacou que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva “apoiou os dois modelos e ambos responderam com muita efetividade. Atualmente, o Brasil já não tem que se comprometer com a monocultura para gerar excedentes monetários. Ao mesmo tempo, apoiamos a reforma agrária e a agricultura familiar”, acrescentou. Nos últimos quatro anos, o governo aumentou o crédito para a agricultura familiar de US$ 1,145 milhão para cerca de US$ 6,25 milhões.


 


Cassel disse concordar com o MST que entre os dois modelos “o melhor para o meio rural brasileiro é um com pequenas propriedades agrícolas, com muita gente trabalhando, criando muito emprego e muita renda, com um produto diversificado e com proteção do meio ambiente”. Esta visão, admitiu, se opõe ao modelo “que já concentrou terras, causou desemprego, exclusão da gente do campo, desmatamento, trabalho escravo e violência”. O governo, disse o ministro, está dando prioridade à produção de biodiesel, obtido a partir de óleos vegetais, como um motor de desenvolvimento para o campo. Segundo Cassel, “é uma política revolucionária” que beneficiou 200 mil agricultores pobres no nordeste do País, conforme dados do governo.


 


Reforma Agrária


 


No que ministro e Stédile concordam é sobre os avanços da reforma agrária. Para o dirigente do MST “está praticamente paralisada” desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Stédile disse que 65% dos assentamentos foram feitos em áreas públicas da região amazônica e que, portanto, “não devem ser chamados de assentamentos, mas de colonização”. Os restantes 35% – diz o MST – são assentamentos nos quais não existe uma verdadeira política de reforma agrária, no sentido de “tomar medidas para distribuir a propriedade da terra ou democratizá-la”.


 


“Dizemos que essas políticas de assentamento não constituem uma reforma agrária, mas que são medidas de contensão social para resolver problemas conjunturais” e que fazem parte de um “projeto econômico neoliberal” que deixou para trás um de “desenvolvimento nacional e industrial”, disse o dirigente do MST. “Não concordo com o balanço de Stédile”, afirmou Cassel. “O governo brasileiro pode dizer com todas as letras que nunca assentou tanta gente em tão pouco tempo neste País”. Segundo o ministro, nos últimos quatro anos foram assentadas 371 mil famílias no campo, às quais foram destinados32 milhões de hectares, uma área “superior às de Bélgica, Dinamarca, Holanda e Suíça juntas”, ressaltou.