Israel como laboratório de um mundo fortificado

Por Naomi Klein, no The Guardian*
Gaza nas mãos do Hamas, com militantes encapuçados na cadeira presidencial; a Cisjordânia por um fio; acampamentos do exército israelense levantados às pressas nas Colinas de Golã; uma guerra com o Hezbolá a p

Thomas Friedman expôs recentemente sua teoria no New  York Times: Israel ''alimenta e recompensa a imaginação individual'', de modo que sua gente sempre cria engenhosas empresas de alta tecnologia, quaisquer que sejam os desastres que seus políticos provoquem. Depois de ler atentamente trabalhos de estudantes de engenharia e ciência da computação da Universidade Ben Gurion, Friedman lançou uma de suas famosas falsidades: Israel teria ''descoberto petróleo''. O petróleo aparentemente estaria nas mentes dos ''jovens inovadores e empreendedores capitalistas'' de Israel, atarefados demais em seus supernegócios com o Google para se deixarem distrair pela política.



A volta por cima depois de 2000



Aqui vai uma teoria alternativa: a economia de Israel não é próspera apesar do caos político que ocupa as manchetes, mas precisamente por causa dele. Essa fase de desenvolvimentos data de meados dos anos 90, quando o país estava na vanguarda da revolução informacional – era a economia mais dependente da alta tecnologia no mundo. Depois que a bolha do ''ponto com'' estourou, em 2000, a economia israelense ficou devastada; foi seu pior ano desde 1953. Mas logo veio o 11 de Setembro e, subitamente, abriram-se novos e lucrativos horizontes para qualquer empresa que se declare capaz de detectar terroristas em massa, lacrar fronteiras face a qualquer ataque e arrancar confissões de prisioneiros mudos.



Em três anos, boa parte da economia tecnológica de Israel foi radicalmente reorientada. Para falar em termos friedmanianos, Israel deixou de inventar instrumentos reticulares para o ''mundo plano'' para passar a vender cercas em um planeta do apartheid.



Quarta potência em tráfico de armas



Muitos dos mais exitosos empresários do país utilizam o status de Israel como Estado-fortaleza, rodeado por furiosos inimigos, como uma espécie de showroom permanente, um exemplo vivo de que se pode desfrutar de relativa segurança em meio a uma guerra ininterrupta. E a razão para Israel experimentar hoje um supercrescimento é que essas companhias exportam freneticamente esse modelo. Isto faz de Israel a quarta potência do mundo em tráfico de armamentos, acima da Grã-Bretanha.



As discussões sobre o comércio militar de Israel normalmente se concentram no fluxo de armas que chega ao país: nos bulldozeres de esteira fabricados nos EUA e usados para demolir casas na Cisjordânia, ou nas empresas britânicas que fornecem peças para os jatos F16. O que se passa por alto é o gigantesco negócio israelense em expansão: Israel vende hoje US$ 1,2 bilhão de produtos de ''defesa'' aos EUA, um aumento espetacular quando comparado com os US$ 270 milhões de 1999.  Em 2006, o país exportou US$ 3,4 bilhões de produtos de defesa, um bilhão a mais do que recebeu de ajuda militar norte-americana.



Boa parte desse crescimento vem do chamado setor de ''segurança interna''. Antes do 11 de Setembro, a segurança interna mal existia como indústria. Até o fim deste ano, as exportações do setor chegarão a US$ 1,2 bilhão, um aumento de 20%. Os produtos e serviços-chave são cercas de alta tecnologia, ''zangões'' (aeronaves não tripuladas), procedimentos biométricos de identificação, equipamento audiovisual de vigilância, sistemas de detecção de passageiros aéreos, de interrogatório de presos: numa palavra, precisamente todos os instrumentos e tecnologias usadas por Israel para enclausurar os territórios ocupados.



Eis por que o caos em Gaza e no resto da região, longe de representar um sério problema para Tel Aviv, chega a induzir sua prosperidade. Israel aprendeu a fazer de uma guerra sem fim um recurso econômico com a marca da casa, convertendo sua atividade de desalojamento, ocupação e contenção do povo palestino em uma vantagem comparativa de seus cinquenta anos de ''guerra total ao terror''.



O Salão de Aeronáutica de Paris



Não é casual que os projetos dos estudantes da Ben Gurion, que tanto impressionaram Friedman, tenham nomes como ''Matriz de covariância inovadora para detecção de alvos em imagens hiperespectrais'', ou ''Algorítmos para detecção e elusão de obstáculos''. Só no semestre passado, foram criadas em Israel trinta empresas de segurança interna, graças em parte a esplêndidos subsídios governamentais que transformaram o exército e as universidades do país em incubadores de segurança e de pesquisa de armamentos (algo que devia ser levado em conta quando se discute o boicote acadêmico a Israel).



Na semana que vem, as mais consolidadas dessas empresas viajarão à Europa para O Salão de Aeronáutica de Paris, o equivalente da Fashion Week da indústria armamentista. Uma das firmas que participa da mostra é a Suspect Detections Systems (SDS, Sistemas de Detecção de Suspeitos), que exibirá o seu Cogito 1002: um quiosque branco com ar de ficção científica, que interroga os viajantes com uma série de perguntas geradas por computador, sobre seus países de origem, enquanto estuda sua mão com um sensor ''biofeedback''. O engenho ''lê'' as reações corporais às perguntas, e determinadas respostas marcam o passageiro como ''suspeito''.



Tal como centenas de outros centros israelenses de segurança, o SDS se vangloria de ter sido criado por veteranos da polícia secreta e testado na prática com os palestinos. A empresa não só instalou os terminais de ''biofeedback'' num posto de controle da Cisjordânia; afirma que ''a idéia está comprovada e foi reforçada com o conhecimento assimilado a partir da análises de milhares de estudos de caso de homens-bombas em Israel''.



Outra estrela do Salão de Aeronáutica de Paris será o gigante da defesa israelense, Elbit, aeronave não-tripulada que planeja substituir o Hermes 450 e 900. Conforme noticiou a imprensa, poucas semanas atrás, em maio, Israel usou esses ''zangões'' não tripulados em missões de bombardeio em Gasa. Uma vez testados, estão prontos para a exportação: o Hermes já foi usado na fronteira do Arizona com o México; terminais do Cogito 1002 estão em experiência num aeroporto estadunidense cujo nome se ignora; e a Elbit, uma das empresas que está por trás da ''barreira de segurança'' israelense, associou-se à Boeing para erguer uma cerca ''virtual'' em torno dos EUA, financiada pelo Departamento de Segurança Interna, com US$ 2,5 bilhões.



Cárceres ao ar livre



Como Israel começou sua política de lacrar os territórios ocupados com postos de controle e muros, os ativistas de direitos humanos comparam Gaza e a Cisjordânia a cárceres ao ar livre. Mas o que me chama a atenção, ao investigar o explosivo auge do setor de segurança no interior de Israel (assunto que examino em detalhe em meu próximo livro, The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism), é que eles também são outra coisa: laboratórios onde se testa os apavorantes dispositivos de segurança de nossos Estados. Os palestinos – sejam os da Cisjordânia ou do que os israelenses agora chamam hamaslândia – não são apenas alvos. São também cobaias.



De certo modo, portanto, Friedman tem razão: Israel descobriu petróleo. Mas o petróleo não está na imaginação de seus tecno-empresários. O petróleo está na guerra ao terror, no estado de medo constante que cria uma demanda sem limites de engenhos de vigilância, escuta, contenção e identificação de ''suspeitos''. E o medo, ao que parece, é a última palavra em recursos renováveis.



* Jornalista canadense; intertítulos do Vermelho