Como um secretário de Serra-Kassab virou carrasco da cultura

De um lado, problemas com vazamentos na “torneira” do incentivo cultural. É o caso da Lei Rouanet. De outro, total indisposição para com o mecanismo. É o caso da Prefeitura de São Paulo. Desde que assumiu a Secretaria Municipal de Cultura, o cineasta Carl

Calil foi nomeado em 2005 pelo então prefeito José Serra (PSDB) e mantido no cargo pelo sucessor do tucano, Gilberto Kassab (DEM, ex-PFL). Símbolo do descaso com que partidos conservadoras tratam a área cultural, ele não esconde que não gosta das leis – mas também não dispõe de nenhum mecanismo que as substituam.


 


O novo secretário, de ano em ano, foi dilapidando um das poucas garantias à produção cultural em São Paulo. Em 2003, quando a petista Mata Suplicy era prefeita da capital paulista, cerca de R$ 36 milhões foram investidos por meio da legislação. Já com PSDB-DEM à frente da prefeitura, o valor destinado para o apoio incentivado a projetos caiu para R$ 8.669.623,73 em 2004 e R$ 4.789.047,55 no ano passado. Em 2005, não houve nem sequer dotação.


 


“Indeferido”


 


As alegações de Calil se baseiam, na verdade, em antiexemplos da Lei Rouanet: “Em contraponto à crescente limitação de recursos orçamentários, consagrou-se uma enorme liberalidade com o uso do dinheiro público pela iniciativa privada”, diz o secretário. Ele enumera “incontáveis” exemplos de distorções, embora não afirme se tais casos são majoritários ou mínimos.


 


O que ele cita? “Empresas que se valiam da renúncia fiscal para financiar seus próprios institutos culturais; shows em hotéis de luxo com ingressos a preços proibitivos, pagos com incentivo; filmes realizados com recursos públicos municipais, mas rodados em outros estados.”


 


Um rápido exame nas propostas à Lei Mendonça, no site da prefeitura, mostra que a palavra mais utilizada nas planilhas é “indeferido”. Segundo Calil, sua preocupação tem sido barrar “projetos irrelevantes” para a cidade. O secretário diz que vai passar a contar com um novo sistema, o Fundo de Especial de Promoção de Atividades Culturais (Fepac), que deverá tornar-se um braço do incentivo fiscal, reunindo os editais de fomentos e apoio a atividades artísticas. Quando? Não se sabe.


 


Reações à altura


 


O dramaturgo e produtor Paulo Pélico, secretário-executivo da Associação dos Produtores Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp), escreveu artigo no qual rebate vigorosamente os argumentos de  Calil. Pélico diz que o secretário primeiro encolheu as verbas, depois formulou o discurso.


 


“O secretário Calil submeteu-se humildemente a condições rejeitadas pelo seu antecessor, o escultor Emanuel Araújo, que no início do ano passado deixou a pasta ruidosamente apontando para o descaso de José Serra para com a sua pasta e as condições precárias sob as quais se via obrigado a trabalhar com sua equipe”, diz o artigo.


 


Luiz Carlos Moreira, diretor teatral, lembra que, além de tudo, a Secretaria Municipal de Cultura, ao reduzir drasticamente os recursos para a Lei Mendonça, está descumprindo a lei. “A legislação determina que seja destinado no mínimo 2% do ISS para o incentivo”, pondera. “O que está acontecendo é uma barbaridade: o Executivo legisla, à revelia das leis.”


 


Aperfeiçoamento


 


Curiosamente Moreira é contra as leis de incentivo. Acha que, se for para ter o mercado e o marketing como atravessadores das políticas culturais, é melhor criar logo fundos para fomento à cultura. “Para que o empresário vai pôr dinheiro do bolso dele quando pode pôr dinheiro público? Então, para que serve o empresário? As leis de incentivo acabam sendo leis de incentivo ao mercado.”


 


Calil defendeu mecanismos de aperfeiçoamento do incentivo fiscal. “Trata-se de buscar, a exemplo do que ocorre em diversos países, uma conciliação de interesses públicos e privados.” Ele julga “indispensável” que o Estado resguarde para si “a formulação de prioridades, a indução de investimentos e a iniciativa de parcerias (matched funds)“.


 


Pélico concorda com a necessidade de aperfeiçoamento da legislação, mas lembra que, em 17 anos de existência, a Lei Mendonça viabilizou milhares de projetos culturais de grande importância para a cidade e o País. “O secretário Calil recusa-se sistematicamente a receber os representantes das entidades culturais que o procuram para discutir este e outros temas de relevo”, acusa.


 


Da Redação, com informações da Agência Estado