Liduíno Pitombeira pela Osesp
Uma peça inédita do compositor cearense Liduíno Pitombeira será executada em julho pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp)
Publicado 27/06/2007 09:46 | Editado 04/03/2020 16:37
Mariinha, peça de aproximadamente 12 minutos escrita para orquestra e coro, foi composta por Liduíno a partir de poemas de Alan Mendonça, jovem dramaturgo, poeta e compositor popular de Fortaleza. A peça será apresentada nos dias 5 e 6 de julho, na Sala São Paulo, espaço oficial da Osesp na capital paulista, e em 7 de julho na programação do Festival de Música de Campos do Jordão. É a celebração de um trabalho iniciado no ano passado, quando Liduíno, de volta a Fortaleza após oito anos vivendo nos Estados Unidos, recebeu uma encomenda da orquestra internacionalmente reconhecida.
´Como toda orquestra sinfônica, uma das atividades da Osesp é divulgar música nova, feita especialmente pra ela. Porque a gente não tem aqui uma orquestra, a gente não tá acostumado a isso. Mas uma orquestra todo mês faz obras novas, encomendadas. Com uma orquestra importante como a Osesp, não é diferente´, contextualiza Liduíno, compositor premiado em diversos festivais, ressaltando que a regência ficará por conta de John Neschling, diretor da Osesp e em grande parte responsável pela ´nova fase´ de desenvolvimento e força – política e econômica – da orquestra.
´Esse convite é mais do que ganhar um prêmio de composição´, avalia Liduíno. ´Todos os compositores do mundo lutam para que orquestras toquem suas peças, porque é um custo muito alto, os ensaios são caros, o processo é muito disputado. Acaba tendo uma seleção muito difícil… Acho que com a Osesp, nessa área de músico de concerto, é a primeira vez que um compositor cearense tem essa chance´.
O músico conta que o trabalho inicialmente escrito para essa encomenda teve de ser refeito, atendendo a uma proposta da orquestra. ´O Alan já tinha feito um poema, sobre os sons, e eles ligaram passando um direcionamento, pedindo que a peça fosse ligada à temática da mulher. Ele acabou fazendo outro poema´. Assim nasceu ´Mariinha´, primeiro dos frutos que a parceria vem rendendo. ´Temos feito diversos outros projetos. Pra mim, que já tive duas peças sem poder publicar, por conta de direitos do Manuel Bandeira, é muito bom trabalhar com um poeta do mesmo nível, mas que está aqui, disponível para trabalhar junto´.
O tempo do tamarineiro
A parceria entre Liduíno Pitombeira e Alan Mendonça teve início quando o compositor erudito foi homenageado em Russas, cidade-natal de ambos. ´O Alan veio falar comigo, me deu os dois livros dele, eu gostei. E, quando recebi essa encomenda da Osesp, achei que podia trabalhar com ele nessa peça´, conta Liduíno. ´Eu já conhecia o Liduíno de nome há muito tempo, já tinha desejo de conhecê-lo pessoalmente. Acabou que aconteceu nessa volta dele ao Ceará. Criamos uma amizade e a coincidência de alguns parceiros musicais em comum, como Tarcísio José de Lima e Ronaldo Lopes, contribuiu para que surgisse a parceria´, revela Alan Mendonça, citando que o convite para trabalhar na peça que viria a ser ´Mariinha´ se deu em novembro do ano passado. ´A gente sentou e discutiu o que era. O tema parte de um sertão e de uma mulher nesse sertão. Tínhamos decidido que seria uma coisa de sertão, porque ele faz uma música contemporânea, mas sempre usa elementos de raiz. Depois que veio a proposta da orquestra, de uma temática feminina, eu, que tinha feito um poema sobre os sons do sertão, acabei fazendo outro, já com esse elemento feminino´, detalha.
´A gente pôs o nome de Mariinha, em homenagem à minha avó. Porque a letra, o espaço dela se passa na fazenda em que mamãe nasceu´, acrescenta o poeta, citando que a imagem do tamarineiro na fazenda serviu de referencial a partir do qual a personagem feminina constrói, com a passagem do tempo, diferentes olhares para si e para o mundo. ´Tanto que o poema inicial se chamou ´Tempo tamarineiro´, para depois ser ´Mariinha´. De todo modo, é a história dela que é contada, em cinco momentos, desde menina no pé de tamarino, até quando ela brinca, se casa, vive a imagem da tarde e, finalmente, na velhice, vê pelo tamarineiro as veredas dos que se foram´, resume Alan, contando que Liduíno trabalhou a música a partir dos versos.
´É uma diferença na minha forma habitual de trabalhar letra de música. Esse trabalho foi muito dialogado entre nós dois, não só a música pra orquestra, mas o poema que ele queria, um poema sem métrica, sem rima, uma coisa diferente do que eu faço de ouvido, naturalmente. Foi um desafio trabalhar a partir do que ele queria de poema. Mas o resultado ficou maravilhoso´, avalia o artista, que este sábado, às 18h, mostra sua obra e lança seu CD ´Enquanto a cidade dorme´, em evento lítero-dramatúrgico-musical no auditório do Centro Cultural Banco do Nordeste (R. Floriano Peixoto, 941, Centro, entrada franca).
Outros projetos
Segundo Liduíno Pitombeira, antes mesmo da estréia de ´Mariinha´ a dupla já vem trabalhando em outros projetos. De uma nova peça para seu ´Ciclo de Serestas´, a ´Seresta No. 16´, até uma ópera, passando por uma peça para o violoncelista brasileiro Antônio Menezes, radicado na Suíça e pela idéia de um espetáculo de dança a partir de obras eletroacústicas do compositor.
´Temos diversos projetos, o texto dele dá muito certo com o tipo de música que eu faço. Você ter acesso ao poeta e poder mexer, alterar, é importante. O maior problema, quando se trabalho com um poeta, é a questão do direito autoral, como nesse caso do Manuel Bandeira, que o editor não faz acordo. Então decidi não mais trabalhar com esses caras, e o Alan foi um grande achado nisso´, enfatiza Liduíno, frisando que, apesar de estar tendo condições para seguir compondo com freqüência, se ressente de alguns aspectos em seu retorno ao Ceará. ´Tem quase um ano que eu voltei, e vejo que a estrutura da cidade ainda é muito precária, o trânsito é um problema, a burocracia… Vim com uma idéia de ajudar as coisas, mas a burocracia é tão grande que você desanima um pouco. Pra compor dá, mas, se você sai do estúdio, a vida é um turbilhão´.
De Fortaleza, Dalwton Moura