Traumas da ocupação: reitora da USP leva a culpa na rede Globo

A ocupação dos estudantes na reitoria da USP terminou há apenas 7 dias. Os traumas que aparecerão, no entanto, já podem ser sentidos. Na última quarta-feira (27), a reitora Suely Vilela veio a público se explicar e jogou a culpa pra cima do Governador.

 



Reação aos ataques de Serra


 


 


 A ocupação dos estudantes da USP, bem como uma série de manifestações, atos, e até outras ocupações ocorreram em São Paulo por um único motivo: o governador José Serra (PSDB) iniciou seu mandato com duros ataques ao ensino público paulista. A partir do primeiro dia de governo ele emitiu uma série de decretos. Proibiu as universidades de contratar professores e funcionários, contingenciou inexplicavelmente os recursos, criou uma Secretaria de Ensino Superior sem nenhum debate prévio, interviu no CRUESP (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) e alterou a autonomia financeira das universidades após mais de 20 anos desta conquista. Uma avalanche de medidas conservadoras.


 



 Desde então, a reação foi crescente. Num primeiro momento inclusive os reitores se pronunciaram, bem com a UNE e a UEE-SP, a SBPC e uma série de entidades, intelectuais e professores. A polêmica ocupou pequenas notas nos jornais. Até que a ocupação dos estudantes tomou proporções nacionais.


 



O bate-boca público, que começa ao fim da ocupação, tenta encontrar culpados para uma reação justa dos estudantes. Trata-se de uma grosseira tentativa de esconder que foi José Serra e suas medidas que desencadearam o que se sucedeu na Universidade de São Paulo. Representa, também, o fim de um casamento entre os Governos de São Paulo e as Reitorias das nossas universidades que históricamente jogam no mesmo time.


 


O verdadeiro trapalhão!


 


 Trapalhadas aconteceram! O time do governo de São Paulo foi incrivelmente inabilidoso para tratar da situação. Ainda antes da ocupação, diariamente publicavam-se declarações contraditórias do Secretário Pinotti, da Casa Civil de Aloysio Nunes e até do próprio governador. O principal erro da equipe se Serra, no entanto, ainda estava por vir.


 


A reitoria da USP foi ocupada no dia 3 de maio por um grupo pequeno de estudantes. A razão era justa, mas tinha pouco apelo no conjunto da universidade. Poderia ter sido uma atitude voluntarista de um pequeno grupo que se veria obrigado a desistir de suas pretenções. Mas então, o verdadeiro trapalhão entrou em cena.
Na segunda-feira dia 14 de maio, onze dias após a ocupação, a Folha de São Paulo publicou entrevista com o Secretário Pinotti. Provavelmente ele foi procurado pra dar uma declaração qualquer a respeito da ocupação. Nestas horas de crise, estamos acostumados a ver “o político” evitar muitas palavras. Mas não com Pinotti! Ele “cordialmente” convidou os repórteres da Folha e entrarem no Gabinete, fez pose pra uma foto, e concedeu uma página inteira de entrevista. Uma bomba: “Certos remanejamentos, que mudem dinheiro de um item econômico para outro… precisam da autorização do governador…”; “—Mas antes as universidades não precisavam de decretos? – Não, mas isso não é ruim… Suponha que haja um remanejamento maluco. Cabe ao Governador dizer não.” Suas declarações foram conclusivas. Naquele momento, ele dava a munição que a ocupação precisava e reforçava que, de fato, o Governo havia agredido a autonomia universitária. Um categórico equivoco para José Serra!


 



Dali em diante a história seria outra. No dia seguinte, 2000 estudantes reunidos em Assembléia votaram, unanimes, greve estudantil e continuidade da ocupação. O Governo jamais conseguiria retomar o controle da situação. Ameaçou invadir a reitoria com a tropa de choque num primeiro momento. Negociou com os estudantes ocupados através do Secretário de Justiça, no outro. Foi lento ao aguardar quase 30 dias para publicar seu ato declaratório que justificava sua defesa. Uma sequência de inábeis medidas e declarações que municiou os estudantes e expôs seus escusos interesses de ataque ao ensino público.


 


Bode expiatório!


 



Encerrada a ocupação, o Governo, com ajuda da imprensa, tenta encontrar os culpados. O Secretário Chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes, veio a público e disparou em rede nacional: “A Reitora da USP tenta atribuir ao Governo do Estado as responsabilidades dela… não tomou as medidas que deveria ter tomado…”. Como diz o ditado popular, “a corda sempre estoura do lado mais fraco”. Dianta da necessidade de se justificar à opinião pública tentam insinuar que a responsabilidade pelo ocorrido teria sido da reitora, o famoso bode expiatório.


 



Reacionarismo nas palavras de Nunes



 
O Secretário de Serra não se contentou em culpar Suely Vilela. Suas palavras trazem elevado grau de reacionarismo. Dialoga com uma parcela da sociedade que, influenciada pela pouca informação, pede sangue: “demorou demais para pedir a reintegração de posse… não tomou as medidas que deveria ter tomado… negociou o tempo todo com os invasores… abriu mão de aplicar as penalidades…”.
 Suas declarações têm duplo aspecto e intenção: de um lado, se justifica com a opinião pública e isenta o Governo do Estado caracterizando a reitora como culpada por sua falta de autoridade; de outro, investe na campanha para desmoralizar os estudantes tratando-os como criminosos que mereceriam punições e ação policial.


 



O debate continua


 


O debate, com certeza, não está encerrado. A ocupação da reitoria por parte dos estudantes da USP tomou impressionantes dimensões. Colocou o Governo de José Serra, que iniciava-se com enorme autoridade, em saia justa. Obrigou-o a recuar de algumas pretenções. Expôs a todo o Brasil indesejadas inabilidades na condução de uma crise como essa. Publicisa, de pronto, seu projeto conservador para a educação de São Paulo. 



 A roupa suja será lavada nas próximas semanas. O papel dos estudantes, após a vitória da ocupação, é o de desmascarar as grotescas justificativas e, mais do que isso, de se preparar para os próximos ataques. Para que, em breve, possamos avançar na busca de um novo projeto para o Ensino Superior de São Paulo que seja marcado pela ampliação das verbas públicas para a educação e por um amplo processo de multiplicação de matrículas. Muita luta vem pela frente.


 


*Presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo – UEE-SP