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Haroldo Lima: uma homenagem a Joaquim Celso

“Sabíamos que o carro era conduzido por alguém de grande confiança do partido e isto nos fazia próximos do motorista, confiantes na sua seriedade política e habilidade profissional. Ele falava raramente, pois não havia necessidade de fazê-lo”. O depoim

Por Haroldo Lima*


Morreu Joaquim Celso de Lima, um dos seis companheiros do PCdoB presos na Chacina da Lapa. É o terceiro do grupo que desaparece, depois de Maria Trindade e Elza de Lima Monnerat.


 


Operário, militante comunista desde o início da década de 50, Joaquim ingressou no Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul, onde trabalhou em minas de carvão, construção civil, siderurgia, indústria de óleo e outros setores, algumas vezes por orientação política, para viabilizar a construção de bases comunistas em fábricas.


 


Conheci Joaquim como motorista do Comitê Central do partido, aí nos primeiros anos da década de 70 do século passado. Na mais completa clandestinidade, esse “conhecimento” era muito contingenciado. Por ele era conduzido aos locais secretos das reuniões, mas os que assim eram levados não o viam, pois entravam no carro e faziam as viagens com os olhos fechados. Sabíamos que o carro era conduzido por alguém de grande confiança do partido e isto nos fazia próximos do motorista, confiantes na sua seriedade política e habilidade profissional. Ele falava raramente, pois não havia necessidade de fazê-lo. E ouvia, sem comentários, as conversas laterais e genéricas que tínhamos com a passageira que ia ao seu lado, Maria, Elza Monnerat.


 


Já ia chegando ao fim sua missão de retirar espaçadamente dois camaradas por vez da reunião do Comitê Central daquele dezembro de 1979 quando percebeu que seu carro estava sendo seguido. Deu o alarme, acelerou, tentou curvas bruscas para safar-se da perseguição e, quando parecia ter escapado, mandou logo ir embora os que estavam no carro. Este, pouco depois, foi abalroado, Elza e Joaquim presos.


 


Fui vê-lo, conhecê-lo fisionomicamente, semanas depois, quando as torturas terminaram e fomos postos no Presídio do Hipódromo, mais adiante no Presídio do Barro Branco, o PPSP, Presídio Político de São Paulo.


 


Joaquim era um  companheiro simples, que se integrava com facilidade com os demais presos políticos. Em primeiro lugar integrava-se na vida partidária que dentro das prisões se fazia. Relacionava-se bem com todos, a todos respeitava e era por todos respeitado. Fazia o que os presos bem integrados faziam, trabalhava em artesanato para fazer finanças, jogava futebol na pequena quadra ao ar livre, participava de alguns dos variados seminários e cursos que fazíamos de marxismo, história do Brasil, história geral, inglês, eletricidade. Nos momentos de tensão e quando o recurso à forma superior de luta em presídio se impunha nunca tergiversou, foi sempre conosco para as greves de fome. 


 


Sobretudo Joaquim nunca se deixou abater, dava sempre demonstração de confiança e otimismo ante o processo social e libertário que sabia fadado ao sucesso.


 


Joaquim Celso de Lima desaparece aos 82 anos de idade. Seus camaradas de partido e seus companheiros de prisão homenageiam os bons momentos que passaram militando.


 


 


*Haroldo Lima é membro do Comitê Central do PCdoB e um dos sobreviventes da Chacina da Lapa