Zhang: um escultor sondando a consciência social da China

Exposição na China traz artista que produz esculturas de mineiros para promover a crítica da sociedade. Apesar de Zhang, 35 anos, ter um retrospecto impecável como estudante da Academia Central de Belas Artes e receber elogios da crítica há anos, nenhu

 


 


Não é fácil esquecer um encontro com as esculturas de mineiros de carvão chineses de autoria de Zhang Jianhua, isto é se a pessoa tiver sorte suficiente para vê-las.


 


Muitas das obras em tamanho natural retratam mineiros sentados no chão, vestindo suas botas pretas de borracha e com aspecto de fadiga. Alguns olham de forma distante e sem expressão ou apóiam a cabeça com ambas as mãos, seus rostos exibindo uma agonia inominável.


 


Mas algumas de suas esculturas mais notáveis são fáceis de serem ignoradas inicialmente. À beira de uma área distante em Pequim, em uma recém-criada zona de arte que é freqüentada por estrangeiros – mas por poucos chineses – se encontram seis figuras envoltas em cobertores verdes. Silenciosamente, elas simbolizam as vítimas praticamente anônimas da tragédia do trabalhador de mina da China.


 


Apesar de Zhang, 35 anos, ter um retrospecto impecável como estudante da Academia Central de Belas Artes e receber elogios da crítica há anos, nenhum museu chinês ou galeria estabelecida se dispõe a exibir seu trabalho de mineiros na íntegra, como ele insiste que deve ser. Quando uma exposição foi organizada em abril no Espaço de Arte 798, um dos principais de Pequim para artistas contemporâneos, os censores exigiram que ele deixasse os seis trabalhadores mortos fora da exposição.


 


Oficialmente, 4.794 mineiros de carvão morreram em acidentes de trabalho na China no ano passado – mais de 13 por dia, em média, apesar de muitos acreditarem que os números oficiais estão abaixo do número real. Mas a temeridade de Zhang de representar as vítimas lhe valeu o que poderia ser chamado de proibição branda.


 


''A cada ano, ocorrem inúmeros acidentes de carvão'', ele disse. ''A imprensa coloca o número de mortos entre seis e sete mil, mas eu sei que os números não param aí. Há entre 20 e 30 mil mortes por ano, mas aqueles que morrem nas muitas minas ilegais não são contados e tais mortes não podem ser informadas.''


 


Atualmente, uma grande parte da arte contemporânea chinesa se inclina para a abstração, ou para jogos visuais espertos, freqüentemente explorando o passado revolucionário do país ou a nova prosperidade que muitos encontraram. Mas o caminho de Zhang para a proeminência tem sido mais à moda antiga. Ele abraça o realismo e o utiliza em uma tradição honrada pelo tempo, como um cutucão na consciência social de uma sociedade que ele considera carente em tal departamento.


 


O primeiro sabor de realismo chocante bem-sucedido do artista veio com outra série de esculturas há quatro anos, nas quais descrevia as vidas de camponeses de sua província de origem, Henan. As 12 figuras daquela série incluíam uma idosa sentada sozinha, trabalhadores migrantes maltrapilhos e professores primários rurais.


 


O trabalho obteve elogios da crítica quando foi apresentado em uma galeria em Pequim. Mas quando a exposição começou a percorrer outros espaços na capital naquele ano, exibida em duas áreas residenciais de classe média e na Universidade Agrícola da China, ela provocou fortes protestos, com moradores e estudantes a atacando como vulgar, agredindo o artista e derrubando algumas das figuras. A exposição na universidade teve que ser cancelada após apenas duas horas. ''Estes são mendigos'', disse um comentarista em um jornal universitário. ''É doente.'' Outro reclamou: ''As áreas rurais também exibem progresso, por que não mostrar isso?''


 


A resposta de Zhang é que a China atualmente está envolta no que ele chama de ''bolha de realidade''. Eufemismo e sentimentalismo têm raízes profundas na arte chinesa, mas acima disto veio um tipo de autocensura idealizadora reforçada pelo sistema de propaganda do Estado e alimentada ainda mais por anos de forte crescimento.


 


Na China atual, os noticiários estão cheios de problemas sendo resolvidos. As ondas de rádio estão cheias de odes ao amor perfeito e as galerias de arte estão cheias de quadros bonitos. ''Muito poucos trabalhos falam de problemas sociais'', disse Zhang. ''A arte contemporânea chinesa não faz conscientizar as pessoas. Ela perdeu sua função e suas muito importantes características social, de vanguarda e revolucionária.''


 


''Os artistas de hoje não criam nem dor nem ânsia e não permanecem na lembrança das pessoas. Muitos deles têm medo.''


 


Os temas escolhidos por Zhang não são a única coisa que o separa de muitos de seus contemporâneos. Ele disse que para preparar sua série sobre mineiros, ele fez várias viagens às regiões de carvão nas províncias de Shanxi e Henan, às vezes vivendo com os mineiros por semanas, absorvendo a cultura deles enquanto observava as vidas dos proprietários de minas ilegais, com sua riqueza repentina ostentosa.


 


O artista ficou particularmente animado ao descrever as cenas de casamentos opulentos organizados para as filhas dos proprietários de minas em Datong, uma das cidades de mineração mais famosas da China, das carreatas de Cadillacs, Hummers e Mercedes, buzinando festivamente. ''Este é o tipo de ostentação que querem'', ele disse. ''Mas por baixo das rodas há pilhas de ossos e poças de sangue fresco.''


 


Para seu próximo projeto, claramente outro esforço para expor um problema social ubíquo mas oficialmente invisível, Zhang disse que planeja retratar o grande número de prostitutas do país. ''Não as prostitutas dos ricos, mas as comuns, prostitutas da classe operária, que vivem em condições muito difíceis.''


 


Há algum prazer em tal provocação? ''Eu não estou tentando criticar meu país apenas por criticar'', disse Zhang. ''Eu quero que meu país seja melhor. Eu quero que seja mais democrático. Eu quero que tenha um desenvolvimento melhor.''


 


Apesar de ser um habitué da capital, de muitas formas o retrato feito por Zhang dos mineiros de carvão representou um retorno às suas raízes. Ele nasceu em uma pequena aldeia na província de Henan. Seu pai era um funcionário de expansão agrícola e sua mãe era uma agricultora. Na infância, ele cortava feno para complementar a renda da família e fugiu de casa para Pequim após concluir o colégio, para escapar da pressão dos pais para que se conformasse.


 


O interesse de Zhang pela arte nasceu do elogio de um professor primário à sua caligrafia. Ele trabalhou em uma série de pequenos empregos, que pagaram sua ida à escola de arte, e no final seus pais entenderam que seu amor pela pintura era uma forma de assegurar seu futuro.


 


Uma fonte inicial de rebeldia foi provocada pelo ressentimento em relação ao chefe dominador de sua aldeia, que costumava abusar dos mais fracos e forçar as pessoas a bajulá-lo. ''Desde a infância eu sempre fui muito sensível'', ele disse. ''Eu não sei por que, mas devido à minha sensibilidade, eu fiz coisas que outras pessoas ignoravam.''


 


Fonte: The New York Times


Tradução: George El Khouri Andolfato / UOL Mídia Global