José Mindlin revela cartas inéditas de D. Pedro II a amante

A biografia de d. Pedro II escrita pelo historiador e acadêmico José Murilo de Carvalho, D. Pedro II — Ser ou não Ser (Companhia das Letras), mal tinha chegado às livrarias em abril quando seu autor foi informado pelo bibliófilo José Mindlin que,

A reação do historiador mineiro não poderia ser outra: “Puxei os últimos fios de cabelo que me restavam”, diz Murilo de Carvalho, que, apesar disso, escreveu uma deliciosa e reveladora biografia. Nela, d. Pedro II é retratado como cidadão íntegro e governante austero, dedicado ao país, mas dividido entre a fria relação com uma imperatriz que aprendeu a amar e sua paixão pela condessa, preceptora de suas filhas Isabel e Leopoldina Augusta.


 


A condessa de Barral, Luísa Margarida de Barros Portugal (1818-1891), mulher culta e figura de proa na corte francesa, era amiga de Francisca de Bragança, princesa de Joinville e irmã de d. Pedro II. Foi justamente a princesa que a indicou para o cargo de preceptora das filhas do monarca, cargo aceito não sem uma difícil negociação, em que a condessa de Barral fez questão de se certificar de sua autonomia na educação das meninas.


 


Bem mais velha que o imperador, de idéias avançadas, amiga de intelectuais (Gobineau) e artistas (Liszt), a condessa manteve durante toda a vida correspondência regular com o imperador, provocando-o em questões políticas, como a abolição (ela foi uma das primeiras a libertar seus escravos) e sua indiferença pelas investidas dos republicanos.


 


Atenção e carinho


 


O imperador tinha um acordo com a condessa, de que ambos deveriam queimar as cartas recebidas um do outro imediatamente após a leitura. D. Pedro II seguiu as regras. Ela, por amor à história pessoal ou do País, guardou-as. Em 1940, o marquês de Barral e Montferrat, neto da condessa, doou quase cinco centenas delas ao Museu Imperial de Petrópolis.


 


Em 1970, Mindlin, que era amigo do embaixador brasileiro em Paris, João Hermes, ficou sabendo que um irmão do marquês queria vender parte da correspondência de sua avó e trouxe as 377 cartas para o Brasil, a mais antiga datada de 3 de setembro de 1868 e a última escrita em 31 de dezembro de 1883.


 


Não há, segundo Mindlin — que é membro da Academia Brasileira de Letras —, qualquer restrição de sua parte à publicação da correspondência. Mas ainda não se definiu o responsável por sua edição. A pesquisadora Nádia Gotlieb, assim como Murilo de Carvalho, teve acesso às cartas e pretende escrever uma biografia da condessa.


 


A indiferença que o d. Pedro II adolescente tinha pelas mulheres é compensada nessas cartas pela atenção e carinho dedicados à antiga companheira, morta em 1891. Foram 26 anos de intensa troca de cartas, de 1865 a 1890, nenhuma delas de paixão tórrida. Comparadas às cartas dirigidas a outras ex-amantes, mais soltas, as que o imperador escreveu à condessa de Barral são tímidas.


 


Quando a conheceu, ela tinha por volta de 40 anos, era uma mulher educada, espirituosa, presa às etiquetas, mas bastante hábil no trato social. D. Pedro II era um homem de 31 anos, tímido, carente e bem diferente do pai, mulherengo e algo vulgar. Barral, bem vestida e apesar do nariz um pouco comprido, ofuscou a imperatriz Teresa Cristina, baixinha, manca e de uma cultura capaz de rivalizar com a de seus lacaios. Foi antipatia imediata.


 


Para sorte da imperatriz, a vida da condessa sempre ficou dividida entre Brasil e França. O historiador Murilo de Carvalho, na biografia do imperador, menciona a falta da correspondência entre os dois trocada principalmente entre 1868 e 1876 — justamente as cartas que estavam com Mindlin.


 


Uma delas, datada de 1869, quando o imperador tinha 44 anos, dá conta dos problemas de visão que o imperador começava a enfrentar, ocasionados provavelmente pelo descontrole do diabetes. D. Pedro lamenta que o único divertimento que tem, a leitura, talvez venha a ficar comprometido.


 


Política


 


Algumas das cartas dessa época, marcada pela Guerra do Paraguai, contêm observações do imperador sobre o mais sangrento conflito de seu governo, ele que era um pacifista e teve de reagir à altura da ofensiva do líder paraguaio Solano López. Numa delas, datada de 8 de outubro de 1868, o imperador escreveu que “a guerra é um contínuo martírio” e “que só deseja a paz”.


 


Justifica o endurecimento de Caxias e a ofensiva que levaria ao êxito da “dezembrada” dois meses depois como um sacrifício pessoal em nome da nação. O imperador diz que a guerra é “pela honra do Brasil que está em jogo” e observa que colocou de lado suas convicções pacifistas: “A minha vida é de todos”, conclui.


 


Há cartas que parecem reclamações de amantes, observa o historiador, mas nenhuma exatamente indiscreta. A mais ousada é dirigida a ele pela condessa, que não faz parte do lote adquirido por Mindlin. Trata-se de uma crítica à sua atuação política. A amiga íntima do imperador, inconformada com sua indiferença ao “parlamentarismo exagerado”, condena ainda a excessiva liberdade de imprensa, que retrata o imperador dormindo nas sessões do Instituto Histórico e Geográfico.


 


O pasquim O Corsário chegou a publicar uma quadrinha que deixou a condessa possessa: “Não é por certo/ boa moral/ trair a esposa/ com a Barral.” Ela esbravejou, pediu punição ao libelista, mas o contido Pedro nunca abusou de sua posição de imperador regalista para deixar contente a ultramontava amante. Suas cartas ficam no limite da informalidade. Não são como as de seu pai às amantes, como lembra Murilo de Carvalho. O liberado d. Pedro I costumava assiná-las com um suspeito “seu demonão” antes de fechar o envelope. O filho preferia o discreto “seu, sempre seu, P.”


 


As cartas analisadas por Murilo de Carvalho, até o momento, não revelaram nenhum traço de d. Pedro II que o historiador desconheça, mas trazem observações interessantes sobre as relações do imperador com intelectuais europeus como Gobineau, o eugenista diplomata e filósofo francês que considerava o Brasil um país sem futuro por causa de sua mistura de raças.


 


Outra figura do panteão intelectual do imperador foi o compositor alemão Richard Wagner, cujas óperas (especialmente Parsifal) contêm altas doses de anti-semitismo. Mas nada indica, garante o historiador, que d. Pedro II fosse racista. Pedro foi, como se diz agora, um cara bacana.


 


Da Redação, com Agência Estado