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A linha do PCdoB, versão e realidade

Por Renato Rabelo*
Algumas versões acerca da orientação política e tática do Partido Comunista do Brasil, divulgadas nas últimas semanas pela mídia e até por setores do PT, não condizem com a verdadeira posição do Partido. Este artigo procura esclarece

Sobre o Bloco de Esquerda



O PCdoB sempre se pautou por respeitar opiniões e posições de todas as organizações políticas e sociais, sobretudo aquelas que compõem o campo de luta progressista e avançado.  Mas, não podemos calar quando essas idéias manifestam juízo de valor e de conduta a respeito do Partido que não expressa a sua real posição, ou mesmo quando procuram deturpá-la em proveito de interesses muitas vezes inconfessáveis.



O PCdoB tem procurado reorientar a sua tática em proveito das forças populares e de uma maior afirmação da nossa corrente de pensamento. Este movimento é conseqüência de uma realidade mais favorável às forças democráticas e de esquerda no âmbito do continente latino-americano. É resultado, também, da segunda vitória eleitoral expressiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e da expansão das fileiras partidárias e da influência do PCdoB.



O esforço para a construção de uma frente de esquerda – o Bloco de Esquerda – é resultado dessa reorientação. O Bloco surgiu num momento em que a realidade reclamava a existência política dessa frente, quando o maior partido da aliança – o Partido dos Trabalhadores – por mero pragmatismo não via necessidade deste meio, provocando assim um novo realinhamento político. Quem se afastou do PCdoB foi o PT, e não o contrário.



Entretanto, o Partido não considera que em função deste fato tenha havido um rompimento do PCdoB com o PT, por este partido ter investido em um novo realinhamento político e por ter se colocado à margem da criação do Bloco de Esquerda. É preciso insistir nesta questão reiteradamente. A relação frentista do PCdoB com o PT é histórica e não tem sentido apenas conjuntural. O PCdoB – junto com o PT – apoiou Lula em todas as campanhas presidenciais desde 1989.
O programa de governo apresentado na campanha da reeleição de Lula em 2006 teve como protagonistas principais o PT e o PCdoB. E recentemente os dois partidos – PT e PCdoB – foram defensores de uma mesma posição sobre a reforma política, questão essencial para os comunistas.



A importância do ''núcleo de esquerda''



Hoje, na realidade, a existência do Bloco de Esquerda questiona o PT a se definir, na prática, se é verdadeiro o que propala: a necessidade de um “núcleo de esquerda” no bojo de uma ampla coalizão de apoio ao Governo Lula. Por isso mesmo, está consagrado no Manifesto do Bloco de Esquerda, recém-lançado em Brasília, o convite a todos os que queiram participar desse Bloco. Ademais, é o próprio PCdoB, antes do PT, que defendia a necessidade de uma ampla frente de centro-esquerda para alcançar a vitória de Lula à Presidência da República e para garantir a governabilidade.



Do ponto de vista do PCdoB é correta a iniciativa da formação de uma ampla coalizão com a participação necessária do PMDB. Defendemos esse curso político. Mas, a questão é: como contar na prática com um núcleo de esquerda, definido e atuante, no seio de uma ampla coalizão – e não um núcleo de posição centrista – que foi o que acabou prevalecendo? Por sinal, quanto mais ampla a frente, mais é premente um eixo de esquerda. Este é o instrumento que pode permitir a concretização plena do programa de sentido democrático, patriótico e de progresso social.



Sobre a sucessão presidencial



A partir da criação do Bloco de Esquerda, por estar aí o PSB e o deputado federal Ciro Gomes, tem sido veiculado por alguns órgãos de imprensa que este Bloco estaria comprometido de antemão com a candidatura de Ciro à Presidência da República em 2010. Esta não é a compreensão do PCdoB. E muito menos há compromisso do Partido com a mencionada candidatura, na fase política atual.



Quem insiste nessa tecla, do compromisso com a candidatura Ciro, tenta eleitorializar artificialmente o Bloco de Esquerda, reduzindo sua dimensão política mais ampla, buscando afastá-lo de outros setores do campo de apoio ao governo ou procurando justificar de forma oblíqua que cabe ao PT a primazia da candidatura presidencial pós-Lula. Nas condições atuais não cabe necessariamente ao PT ter essa primazia.



A opinião do PCdoB é de que o candidato presidencial pode ser uma liderança do campo progressista que melhor exprima o espírito da época e do atual momento histórico e se torne um pólo centrípeto de amplas forças políticas democráticas e de esquerda.



A relação entre o PCdoB e o governo



Em função desses realinhamentos provocados pelo pragmatismo do PT e do fato de que este partido privilegiou a composição de um verdadeiro núcleo de centro no espectro político – com o conseqüente afastamento do PCdoB –, certas vozes procuram insinuar que o Partido estaria se afastando do governo Lula. Nada mais falso e fantasioso. Há o interesse aí de fixar um sinal de igualdade entre o presidente Lula e o PT, e turvar a tradicional relação do PCdoB com Lula. O Partido sempre defendeu de forma altiva o governo nos momentos mais difíceis, mobilizando sua militância e aliados. Temos insistido que esses últimos episódios, incluído aí a disputa pela presidência da Câmara, não abalaram a relação do PCdoB com o presidente, mas ao contrário, permitiram maior amadurecimento das relações do Partido com o Palácio do Planalto.



O PCdoB sempre colocou a política no comando na relação com o presidente Lula e nunca se guiou pela resultante de ter mais ou menos cargos no governo. Não fugimos ao critério, fruto de nossa experiência, de que nossa participação é função da correlação de forças que permite a formação do governo e onde podemos realmente contribuir para o êxito do projeto governamental. O mais, além disso, seria cair na vala comum da intriga. A prova é que o PCdoB, apesar de ser um Partido ainda em expansão, tem contribuído com quadros valorosos para o governo em momentos-chave e elevado em muito o nível governamental em um ministério que praticamente não existia e que conta com escassos recursos.



Na relação com o governo, o PCdoB parte de fundamentos que conformam nossa concepção: a relação com um governo plural é uma relação de frente política e, por isso mesmo convivem unidade e luta. Portanto, não é só unidade, apesar desta prevalecer sobre a luta. A unidade se baseia em um programa comum que define o caráter do governo, cabendo aos partidos que compõe essa aliança o compromisso com o programa comum. Isto, no entanto, não o impede de exercer sua independência em defesa de seu programa próprio, quando necessário. Do partido participante do governo – por assumir tal compromisso – não é exigido o abandono do seu programa.


 


Desse modo, do ponto de vista dos comunistas, não há contradição conceitual e mesmo política entre apoiar e participar do governo e defender opiniões distintas acerca da política macroeconômica, sobretudo neste tema polêmico que visa à busca da melhor saída para um objetivo comum de governo: desenvolvimento acelerado e sustentado com distribuição de renda. Por isso, nessa matéria, posições diferentes existem entre partidos, ministros e apoiadores no campo do governo.


Ainda mais. Pela visão do PCdoB os objetivos programáticos do Partido não se esgotam nos marcos do governo atual. Lutamos para ir adiante. Mantém-se no horizonte do PCdoB o caminho que leve a superação política, econômica e social do neoliberalismo e do próprio sistema capitalista.



A relação entre o PCdoB e os partidos aliados



Na relação com os partidos aliados, que compõem a coalizão de governo, seguimos os fundamentos do respeito mútuo, da não-ingerência em assuntos internos de cada um e do benefício recíproco. O PCdoB tem procurado levar à prática esses princípios e a prova disto é a convivência democrática e de respeito comum que o PCdoB tem com todos os partidos, inclusive os de oposição.


 


Demonstração desta prática são as realizações dos eventos próprios do PCdoB, onde temos contado sempre com a presença, sem constrangimentos, de praticamente todos os partidos do cenário nacional. De modo geral os alinhamentos e realinhamentos de forças no âmbito da coalizão são naturais dentro da evolução do curso político. Nesse sentido, não damos nota a nenhum partido, nem aceitamos que qualquer um queira se aproveitar, julgando em proveito próprio a orientação e conduta do PCdoB. 



Sobre a tática eleitoral do PCdoB



Trata-se de uma posição independente do PCdoB a definição de sua orientação política eleitoral há quase 20 anos – de participar praticamente apenas das eleições proporcionais, na maioria das vezes com número reduzido e concentrado de candidatos em coligação proporcional. Nesse largo tempo, o Partido apoiou candidaturas majoritárias – para presidente da República, para governador de Estado e para prefeito – de outros partidos, principalmente do PT, na maioria dos Estados, cedendo o tempo de televisão e rádio, divulgando a legenda do PT e seu número por uma militância abnegada, tendo em troca somente a participação de poucos candidatos do PCdoB na chapa proporcional e muitas vezes sendo difícil de concretizá-la.



O PCdoB deu, assim, sua contribuição para a divulgação e apoio amplo que a legenda petista tem hoje.  Portanto, é natural que o PCdoB tenha ainda limitada dimensão de votos, porque levou muito tempo sem ter candidaturas próprias majoritárias, deixando dessa maneira de formar lideranças com maior densidade eleitoral, sem ter chapas próprias nos pleitos proporcionais, não atingindo assim a população em seu conjunto. Nessas condições, o PCdoB e seus candidatos foram até que bem votados.



Recentemente, a partir das eleições de 2004, o PCdoB do mesmo modo, de forma independente, reorienta sua linha eleitoral, realizando a partir daí uma transição para participação plena nos pleitos, com sua identidade própria em muitos lugares, através de candidaturas majoritárias e chapas próprias. E no caso das candidaturas majoritárias o Partido tem procurado sempre buscar a construção de candidaturas comunistas que possam conformar uma aliança política ampla.



Já em 2006, o PCdoB experimentou pela primeira vez fazer um investimento para as eleições ao Senado Federal, quando estava em disputa apenas uma vaga de Senador por Estado. Conseguimos ser o 5º partido mais votado para o Senado, atrás somente dos quatro partidos considerados maiores, elegendo Inácio Arruda, pelo Ceará, e atingindo votações expressivas para nossos candidatos no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.



E agora, nas eleições de base – as eleições municipais de 2008 – o PCdoB reúne condições pela primeira vez de apresentar candidaturas próprias a prefeitos na maioria das capitais e em importantes cidades do país e de lançar um número significativo de chapas próprias as câmaras municipais.



 O PCdoB não é um partido que está condenado a ser força apenas auxiliar, dependente como alguns pretendem. Na verdade aqueles que criticam agora o PCdoB por procurar se apresentar plenamente com sua legenda para o eleitorado, são os mesmos que vaticinam para o PCdoB uma vocação de ser uma sublegenda, ou mais uma tendência do PT. O PCdoB não se fundirá a nenhum outro partido que tenha ideologia distinta, nem exigirá de outrem ter a mesma ideologia professada pelos comunistas. Esta é uma questão de princípio. Entretanto, o PCdoB é sim grande incentivador das alianças políticas, entre forças afins do nosso campo, sendo esse o meio que permite a unidade e a independência das diversas organizações partidárias.



A relação entre o PCdoB e a CUT



Também não condiz com nenhuma decisão do PCdoB romper com a CUT, ou formar nova central sindical. O PCdoB tem pregado a autonomia das organizações do movimento social e não cabe ao Partido montar uma central sindical, nem defender a existência de uma central apêndice de tal ou qual partido.


 


A CSC (Corrente Sindical Classista) – que tem maioria de comunistas e atua no âmbito da CUT – passa por uma fase de avaliação da sua convivência no interior dessa central, considerando que chegou a uma situação limite sua participação dentro da CUT, indicando que a luta pela unidade do movimento sindical, nas condições atuais, pode não ser mais em torno da CUT. 


 


A resolução da Direção Nacional do PCdoB considerou positivo o debate dessa questão pela CSC e chegamos a propor na presença do presidente da CUT uma repactuação visando tornar essa central de fato plural e unitária. Entretanto não se alcançou até hoje nenhum resultado prático. Não podemos impor à CSC que se mantenha no interior da CUT. A CSC tem autonomia para a construção de alternativas, juntamente com outros setores sindicais, na busca de efetiva alternativa de uma central plural, que lute pela unidade sindical com base no interesse dos trabalhadores.



Sobre a questão da dispersão da esquerda



Enfim, são muitos os fatores que podem operar no sentido da dispersão da esquerda, sobretudo considerando-se o término do segundo mandato de Lula em 2010. A direita e as forças conservadoras, mesmo na defensiva, nutrem grandes esperanças para 2010. E já vêm utilizando seus trunfos agressivamente – a mídia monopolizada e setores da máquina estatal sob sua influência – a fim de abalar e fender o governo Lula, que goza de amplo prestigio popular. Recomeça, como dantes, a campanha de incitação moralista e golpista contra o presidente da República, que hoje se expressa na forma de tratamento de episódios como o do caso Renan Calheiros, das vaias na abertura do Pan no Maracanã, da queda do avião da TAM, visando atingir principalmente camadas médias da população, criando um “caldo de cultura perigoso” no meio político brasileiro. Em situações como esta, a unidade das forças democráticas e populares é ainda mais candente e necessária.



 O PCdoB é ardoroso defensor da unidade da esquerda, dos movimentos populares e progressistas, considerando tais objetivos uma necessidade estratégica. Tudo que possa levar à dispersão das forças de esquerda tem merecido da parte do PCdoB uma posição contrária e uma atitude vigilante tanto contra as maquinações de direita ou as provocações de extrema esquerda.



O PCdoB tem plena consciência de que o ciclo político aberto pela eleição do presidente Lula em 2002 – que permitiu deslocar do centro do poder as forças conservadoras tradicionais e modernas – não pode ser truncado em 2010. Exige-se das forças de esquerda grande responsabilidade com base na construção do projeto nacional, voltado para a soberania nacional, a ampliação da democracia, o progresso social e a integração continental solidária.



Ter, na perspectiva pós-Lula, o interesse puramente partidário ou de grupo na tomada de decisões é que pode espargir esforços, impossibilitar a unidade e favorecer a vitória dos adversários do campo governista. Ao partido maior cabe a responsabilidade mais importante para a aglutinação de ampla frente política, nucleada por forças mais conseqüentes, afim de que o novo horizonte para o Brasil não seja apenas uma miragem. Da parte do PCdoB, a unidade é a bandeira da esperança e a sua trajetória demonstra essa assertiva.



* Presidente do PCdoB