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Parada Gay de SP: a viadagem encampando a pobrefobia

Leia abaixo parte do artigo de Paulo Nascimento, publicado na Revista Caros Amigos de julho, sobre os fetichismo ao consumismo e o horror a pobres que tomou conta de parcelas do público gay que frequenta a Parada do Orgulho Gay em São Paulo, a ma

“‘A calça é Calvin Klein, a camisa é Calvin Klein e a cueca também é Calvin Klein’, descreve-se o geofísico Leandro, 24, sobrenome não revelado, que veio de Brasília especialmente para participar hoje da 11ª Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Louco por moda e por grifes, ele aproveita a viagem para mergulhar nas compras nos Jardins.”


 


“‘Os gays malham a semana inteira, juntam dinheiro para vir à balada e idealizam esse dia como se fosse o último da vida deles’, diz o produtor Beto Matte, 35, por volta das 5 h. De acordo com Matte, ninguém quer realmente nada com ninguém, apenas exibir o corpo esculpido, caçar quem tem droga e, aí sim, beijar vários.”


(“Parada Gay aquece mercado de luxo”, Daniel Bergamasco, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 10 de junho de 2007)


 


“‘Só uso tênis Puma, tenho sete pares’, contabiliza o publicitário Thiago Guez, 23, 1,95 m, 95 kg. São 3h25 quando ele entra na boate vestindo um casaco debruado de pele ‘comprado em Paris’, jeans Diesel e uma camisa Zara. Usa perfume Jean Paul Gaultier, mas seu preferido é o 212, de Carolina Herrera.”


 


“O engenheiro Augusto, 35, acredita que ‘os gays não gostam de bichas’. ‘Eles ficam com vários aqui na boate porque está tudo escuro, o som é muito alto e não é preciso ouvir a voz (fina) de ninguém. No dia-a-dia, sem nada na cabeça, a música é outra.’”


(“Teste comparativo avalia pagode lésbico e frenesi gay”,Paulo Sampaio, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 10 de junho de 2007)


 


“‘Nunca vi tanta gente feia!’, diz o estudante bombado, descamisado e depilado Victor Prado, 19, saindo da Parada Gay. A frase foi ouvida muitas vezes pela reportagem, em diferentes grupos do evento. A maioria dos queixosos é representante da ala masculina. De acordo com os correligionários de Prado, desde a primeira edição, onze anos atrás, a Parada do Orgulho GLTB se popularizou demais e ‘hoje é freqüentada por pessoas que nem são gays’ (…) ‘Isso aqui está irreconhecível, olha só quanto mano’, aponta para um grupo de jovens de bermudão e skates o administrador Ricardo Sá, 29. Apesar de manter o fundamento militante, o movimento agora recebe a adesão de pessoas que, para Sá e os cinco amigos que o acompanham, o descaracterizaram. ‘Acontece que isso aqui é um evento aberto, não precisa pagar nada. Então, não dá para controlar a freqüência’, diz o professor Emanuel Via. O preconceito parece contagioso. Esquecido da essência suprapartidária da parada, o fotógrafo carioca Mauro Scur, 32, diz: ‘Como vocês dizem aqui em SP, só tem periferia. Lá no Rio, a gente diria suburbano’.”


(Paulo Sampaio, “‘Nunca vi tanta gente feia’, dizem habitués”, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 11 de junho de 2007)


 


São muitos os ensaios que trataram de analisar a formação da civilização brasileira e que se consagraram na história do pensamento nacional por sua excelência ao tratarem das peculiaridades que caracterizam o povo brasileiro.


 


De Sérgio Buarque a Roberto DaMatta, de Euclides da Cunha a Antônio Cândido, de Caio Prado a Alfredo Bosi, nenhum passa batido pela questão da heterogeneidade presente em nossa formação. De tudo: das relações humanas, da estrutura social, familiar, dos ritos, da visão de mundo. Estamos no país em que o católico conversa com pai-de-santo, o milico transmite informação para o preso político, a mulher que criminaliza o aborto é a mesma que já passou por uma fazedora de anjos, o diretor de campanha do PSDB vota no Lula, e por aí vai.


 


Só mesmo num país cuja desigualdade social é atroz e reverbera para todos os lados essas escancaradas contradições podem ser mantidas; pior, não raro atingem dimensões catastróficas (o nepotismo, o comercial de cerveja no canal do bispo, o banco público que tem lucro gordo que não volta para o público…) e são minimizadas, passam quase que despercebidas, para serem, enfim, aceitas.


 


Eu me pergunto: como um evento que, a princípio, tem como razão de ser a defesa da abolição da desigualdade jurídica, do preconceito social, da violência civil dos quais é vítima categórica um nicho social tradicionalmente depreciado na história de nosso país é capaz de atrair gente que vê problema em estar ao lado de alguém que, ou por escolha ou por uma simples questão de impossibilidade (a segunda é, claro, pior, mas até aí, dane-se), não se aparamenta com roupas, calçados, acessórios e artefatos que aumentam cada vez mais os lucros dos donos de butique?


 


Pois aqui do lado de baixo do equador, vítima de preconceito é o primeiro a externar os seus, assim, dessa forma assaz inconseqüente como se lê na epígrafe de excertos do jornal. Como se hierarquizar pessoas, sentimentos e valores a partir de um viés estritamente consumista, com julgamentos precipitados, fosse “natural”. Isso ocorre simplesmente porque a balela de “guerra ao preconceito” não passa disso: balela.


 


A Parada Gay de São Paulo é um evento nazista, segregacionista e vulgar, cria de uma sociedade consumista fetichista e mesquinha. Basta ir lá e conferir: homens infantilizados, sem a menor percepção do ridículo que é ser um moleque de 50 anos, um drogado escapista ou ficar desfilando com o sexo pra fora, para retificar sua existência estúpida e sua massa muscular exagerada, inversamente proporcional à sua massa encefálica.


 


Paulo Nascimento, 21, é viado, assim como é alto, negro, de cabelos crespos, dedos finos e olhos castanhos. É bem resolvido com todas essas características supracitadas que tem, mas gosta mesmo é de ser lembrado por sua vontade de viver, sua perspicácia, a dedicação que investe nos estudos e sua habilidade como mestre-cuca de república estudantil. Escreveu este texto como simples exercício de desabafo, pois sabe que não vai mudar o mundo – mas tem ciência que ser crítico em relação ao mesmo é sempre melhor.Pro