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Mídia enaltece livro que destila preconceito contra pobres

Em seu livro ''A Cabeça do Brasileiro'', e nas várias entrevistas que vem concedendo nos largos espaços que a grande mídia lhe oferece, o ''sociólogo'' Alberto Carlos Almeida sustenta a tese de que as pessoas com ''nível superior'' têm uma contribuição

A penúltima edição da revista Veja, que chegou às bancas no dia 19 de agosto, descatou na capa uma matéria que enaltece um livro recentemente publicado pelo ''sociólogo'' Alberto Carlos Almeida. A publicação, intitulada ''A Cabeça do Brasileiro'' (Editora Record, 2007), traz dados estatísticos e considerações sobre uma pesquisa a respeito do ''perfil do brasileiro''. A Pesquisa Social Brasileira foi realizada pelo instituto DataUff (Universidade Federal Fluminense) e financiada pela Fundação Ford. Foram ouvidas 2.363 pessoas, em 102 municípios.


 


Almeida é professor da Universidade Federal Fluminense; colunista do jornal Valor Econômico; e diretor de planejamento da Ipsos Public Affairs, responsável pelo Pulso Brasil, uma pesquisa mensal sobre consumo, economia e política. Ele é autor  ainda dos livros ''Por que Lula?'' (Editora Record, 2006); ''Como são Feitas as Pesquisas Eleitorais e de Opinião'' (Editora FGV, 2002); e ''Presidencialismo, Parlamentarismo e Crise Política no Brasil'' (Eduff, 1998). Alberto Carlos Almeida possui ainda doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ; foi pesquisador visitante na The London School of Economics; e coordenou as pesquisas eleitorais e de opinião do DataUff entre 1996 e 2002 e da Fundação Getúlio Vargas entre 2002 e 2005.


 


Neste seu último livro, ''A cabeça do brasileiro'', Almeida usa todo este currículo para interpretar com suas idéias elitistas os dados da pesquisa que coordenou e destilar um rozário de afirmações altamente preconceituosas contra aqueles que ele chama de ''iletrados'', ou seja, pessoas sem nível superior ou com menor escolaridade.


 


Em seu livro e nas várias entrevistas que vem concedendo nos largos espaços que a grande mídia lhe oferece, Almeida sustenta a tese de que as pessoas com ''nível superior'' têm uma contribuição maior e melhor a dar ao país do que aquelas que ''não têm nível superior''. Para ele, a parcela mais educada da população é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos.


 


Para bom entendedor, o dito ''sociólogo'' sustenta que somente a opinião e as realizações da elite merecem ser levadas em consideração sobre os mais diversos temas, especialmente em relação às questões éticas, culturais e morais. Nas entrelinhas, Almeida responsabiliza o ''povo'' por todas as mazelas nacionais.


 


A mais recente oportunidade que Almeida teve de destilar seu veneno ''anti-povo'' foi no programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido na última segunda-feira (27).


 



Poleiro de tucanos


 



Não causa surpresa nenhuma que a revista Veja tenha dado chamada de capa para um livro tão desprezível quanto a própria revista. Também não espanta que praticamente todos os telejornais e rádios do sistema Globo tenham aberto seus microfones para o professor Almeida. Já o espaço nobre de uma TV ''educativa'' ser ocupado para servir de amplificador a opiniões tão polêmicas deixou algumas pessoas admiradas. Mas quem conhece os bastidores da TV Cultura sabe bem que tal escolha não é tão estranha assim. 


 


O programa Roda Viva é apelidado nos meios políticos como ''poleiro de tucanos'' pois, estando a Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, sob o domínio do PSDB há quase 15 anos, os critérios para a escolha de quem serão os entrevistados e os entrevistadores no programa são estabelecidos a partir das preferências políticas do tucanato de São Paulo. De vez um quando um ou outro entrevistado ''de esquerda'' é convidado a participar do programa para disfarçar a hegemonia tucano-liberal. Sendo assim, não surpreende que Alberto Carlos Almeida tenha sido escolhido para proferir suas teses preconceituosas em rede nacional.


 



Pérolas aos porcos 


 



Entre as baboseiras de inspiração fascista que o dito ''sociólogo'' proferiu na entrevista estão a de que os valores éticos estão diretamente ligados ao nível de escolaridade e, por isso, ''nossa elite intelectual na média é a favor da liberdade de imprensa e os mais pobres são contrários…'' e ainda que ''…revoluções não acontecem em países com alto grau de escolaridade, pois quem tem maior nível intelectual tende a ser liberal e democrático''.


 


O pretenso sociólogo também afirma que todos os membros de corporações militares, como a PM, por exemplo, deveriam ter nível superior pois quem tem nível superior tende a respeitar mais os direitos humanos e quem não tem tende a ser mais violento e mais corrupto.


 


Ele diz textualmente que ''para 'aqueles que não têm nível superior' a corrupção não é um problema…''.


 


O esperto ''sociólogo'' busca ainda jogar a pecha de preconceituoso no próprio povo ao afirmar que ''aqueles que não têm nível superior 'são homófobicos', por isso a Globo não pode exibir nas novelas beijos entre homosexuais…''.


 


Mas a cereja no bolo das baboseiras é a afirmação de que ''… se dependesse daqueles que não têm nível superior, ''a escravidão não teria acabado no Brasil, foi preciso os ingleses ( raça superior, protestante e nórdica) intervirem pra escravidão acabar no Brasil…''


 



Mino: elite perversa


 


O jornalista Mino Carta, editor da revista CartaCapital, teceu comentários sobre a matéria em que a revista Veja destaca o conteúdo do livro de Almeida. Em seu blog ( http://z001.ig.com.br/ig/61/51/937843/blig/blogdomino/ ) Mino Carta ironizou as opiniões do autor do livro afirmando: ''Entendi, o povo é o culpado pela situação em que o país se encontra, vítima de desequilíbrios sociais vertiginosos, e insuportáveis para um país que pretende ser democrático. E capitalista. O povo é responsável pela Idade Média em que vivemos. Ah, se não tivéssemos de padecer a companhia deste povo, que formidável país teríamos. Feliz, respeitado, poderoso. Teríamos acesso à beatitude da democracia sem povo. Nada disso, somos obrigados a carregar este fardo imponente. De quem a culpa pela colonização predadora? Do esboço de povo que não a impediu. De quem a culpa pela escravidão? Do povo, que se deixou escravizar. De quem a culpa pelos desmandos do poder? Do povo, que não sabe votar. Não gosto de fazer propaganda do concorrente, mas a Veja desta semana é pura diversão''.


 



Dias depois, quando Almeida foi entrevistado no Roda Viva, Mino Carta voltou ao assunto e comentou: ''Todos desancam o sociólogo (sociólogo?). Ele merece. Um internauta, Ricardo Lusíadas, sugere-me uma entrevista com Antonio Gramsci. Dele falei no meu editorial desta semana, em CartaCapital. Sustentei a seguinte tese: Marx pôs de ponta-cabeça Hegel, Gramsci pôs de ponta-cabeça Croce, Alberto Carlos Almeida acaba de pôr de ponta-cabeça Marx e Gramsci. De fato, sua pesquisa visa a demonstrar que a classe dominada de verdade domina a classe dominante. Coisas do arco-da-velha. A Cabeça do Brasileiro é um perfeito epitáfio de uma elite feroz, ignorante, inepta, vulgar, arrogante, prepotente, incompetente. Responsável pelo desastre que vivemos, a se considerar as incríveis potencialidades do Brasil, talvez únicas, atiradas ao lixo, por ela mesma, a elite. Sentaram-se sobre um tesouro e só cuidaram de predá-lo. E nem conseguem interpretar a contento o papel da aristocracia. Atentem. A cada quadra de nossa história, uma nova leva de senhores substitui a velha, sem mudar-lhe as características. Falta continuidade, como se deu séculos afora, com as famílias nobres da Europa, porque nem mesmo seu serviço sabem executar. Pois é, diria Maquiavel, falta-lhe a implacável competência do Príncipe.''


 


Outros blogs também manifestaram indignação com as teses de Alberto Carlos Alemida. O blog Espaço Dual ( http://augustoalves.blogspot.com/ ) afirma que ''a entrevista (no Roda Viva) foi um festival de disparates dos mais grotescos já vistos na televisão brasileira, e olhem que o pário é duríssimo, mas este foi o pico da gaussiana! As conclusões resultantes da pesquisa realizada por este professor são de escandalizar qualquer cientista social com o mínimo de seriedade. O que nos faz pensar e se indignar por exemplo com o silencio estarrecedor do professor Roberto DaMatta. Sujeito ativo da academia brasileira de renome nacional e internacional, não poderia se omitir sobre temas tão presentes em seus livros e ensaios como aconteceu na fatídica noite de ontem. Uma lástima!'' O mesmo blogueiro diz ainda que ao assistir a entrevista de Almeida assistiu a ''um debate rasteiro, norteado por inverdades, preconceitos e um facismo manifesto!''


 



O antropólogo Roberto DaMatta, a que o blog se refere, foi um dos entrevistadores convidados pelo Roda Viva para entrevistar Almeida. A bancada de entrevistadores foi formada, além de Damatta, por Cláudio Weber Abramo (Diretor Executivo da Transparência Brasil); Francisco Alambert (professor de história contemporânea da USP); Lobão (músico, compositor, idealizador da Revista Outracoisa e apresentador da MTV), Fred Melo Paiva (editor do caderno Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo) e Alon Feuerwerker (editor de política do jornal Correio Braziliense).


 


Problema 'lógico-metodológico'


 



Feuerwerker também comentou a entrevista de Almeida em seu blog (http://blogdoalon.blogspot.com/). Segundo ele, as opiniões do professor e sua pesquisa sofrem de um problema ''lógico-metodológico''. ''Eis o problema central da pesquisa do professor: ele adota a visão de mundo da elite escolarizada como referência de modernidade e a partir daí conclui que a elite escolarizada é moderna.''


 


Feuerwerker comenta ainda que a ética subjacente à obra do professor Alberto Carlos Almeida é a ética do grupo social a que pertence o professor. ''Segundo a plataforma ideológica exposta em sua obra, alcançaremos o paraíso quando todos pensarem como ele. Só que isso não chegará a acontecer. Pela mesma razão por que não é possível a parte pobre do mundo atingir os padrões de consumo da parte rica sem destruir o planeta. O sonho ideológico de um mundo homogeneamente desenvolvido com base numa cultura e numa economia fundadas no individualismo, no racionalismo, no consumismo, na recusa a Deus e às formas coletivas de convivência, na recusa ao reconhecimento dos limites do homem, tudo isso não passa de um sonho louco e irrealizável, uma caricatura pós-iluminista. Nesse sentido, professor, ao contrário do que o senhor afirma, talvez a consciência dos seus limites torne as pessoas menos escolarizadas mais modernas do que a arrogante, arcaica e prepotente elite que o capitalismo produz e reproduz diariamente''.