O preconceito histórico e a educação voltada para a diversidade

Rakel Galdino*


O preconceito é uma manifestação atitudinal, terreno vasto onde o racismo se fortalece. Não temos raças superiores, mas devemos admitir as lamentáveis condições desiguais de oportunidades de alguns grupos étnicos em relação a out

Nos últimos anos vivenciamos um crescimento nas pesquisas a partir das temáticas relacionadas à escravidão. Tivemos no Brasil, durante muito tempo um processo de negação da negritude e sua emancipação em todos os sentidos, preconceitos manifestados nos veículos mais inocentes, nas brincadeiras infantis como chicote queimado, amarelinha entre tantas outras, nos livros didáticos que pouco abordava as desigualdades, inserindo uma imagem estereotipada de um negro marginalizado, pobre intelectualmente, a imposição estética de beleza, onde padrões de culto à magreza, cabelos lisos e loiros foram impostos como aceitação do belo. O próprio interesse pelo resgate, revisionismo da história africana e afrodescendente pelas universidades brasileiras começa tardio, apenas na década de 1980.


 



O Brasil é um país que não vive em um sistema de castas, mas ainda vemos a idéia da posição social inferior dos afrodescendentes como algo “natural”, enquanto isso se perpetua grande parcela de afrodescendentes analfabetos, sendo vítimas de intolerância religiosa, condições desiguais nos empregos, racismos, entre outras atitudes aviltantes. Temos muitos caminhos a percorrer quando se trata de promoção da igualdade para brancos pobres e negros neste país, sendo que para os segundos, esse desafio toma proporções bem maiores. A população negra universitária é apenas 2% de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais um comprovante das estatísticas de desigualdades. É lamentável, mas comum presenciarmos discursos contra as cotas e de desvalorização do peso que são as políticas públicas efetivamente ligadas às questões étnico-raciais.


 



Se em estados como Pernambuco, Minas Gerais, Rio de janeiro e Bahia, onde se desenvolveu a monocultura, exploração de minérios entre outras atividades com larga mão-de-obra escrava, no Ceará isso aconteceu de forma diferente, pois o processo de exploração aconteceu mais voltado para as charqueadas, que exigia homens relativamente livres para esse tipo de trabalho.  Durante muito tempo propagou-se a idéia de que não teria havido neste estado, escravidão negra e indígena, fato que vem sendo amplamente discutido, numa história que precisa ser reescrita de forma que contemple outros sujeitos e não apenas as elites. Sabemos que houve sim largo uso de trabalho cativo, principalmente na produção básica, quando não no acompanhamento do gado, mas no corte deste e na produção de gêneros alimentícios principalmente na região serrana, além do uso doméstico.


 



Tentamos desconstruir uma falsa imagem de que num lugar em que não houve escravidão também seria natural não haver racismo. No Ceará, assim como todo o Brasil temos uma grande parcela da população que graças à ideologia de branqueamento estabelecida após “libertação dos escravos”, ainda se envergonha de sua cultura, negritude.


 



Na cidade de Sobral, tivemos o maior registro de escravos em todo o estado do Ceará, portanto, a maior população de negros e negras, responsáveis pelos mais variados afazeres, desde o uso doméstico de seus ofícios aos trabalhos pesados na construção, no abate e corte desta que foi uma região tão importante no período das charqueadas. Os afrodescendentes foram importantes para a construção não somente econômica, mas cultural. Em contraponto a isso vivenciamos atualmente neste município e circunvizinhanças uma maioria que convive com o preconceito, dificuldades para manutenção de condições básicas de sobrevivência, por isso com menos condições de preparo para mercado de trabalho, de empregos iguais, com incentivos insuficientes no que diz respeito à elevação da auto-estima, permanência nos estudos, entre outras coisas. Como saber que há diferença quando não vemos nada mudar?!


 



Vivemos um momento de mudanças e debates o seio da sociedade, na universidade, principalmente nos cursos de História, Pedagogia, Letras e Ciências Sociais onde o desafio maior é levar o conhecimento que está se produzindo para a população, as discussões a reparação histórica. Restam muitas barreiras a serem transpostas como a emancipação do afrodescendente, seja na ditadura da moda, nos púlpitos das universidades, nos consultórios médicos, entre outros espaços, primando não a substituição, a imposição de uma raça sobre a outra, mas  reconhecimento histórico de  espaços iguais de acordo com capacidades e não haja distinção de cor.
Ações afirmativas voltadas para superação das desigualdades raciais estão em ascensão desde o início do governo Lula, principalmente após a implementação da Lei Federal 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Africana, um grande avanço nos debates sobre igualdade racial. Sabemos que a educação é promotora da superação de conceitos prejudiciais a diversidade, agindo de forma ideológica e emancipacionista sendo também veículo para construção do conhecimento e respeito à diversidade cultural.  Ensino é uma grande arma de combate, pois se o racismo é algo mental, ideológico, como diz sabiamente Mandela, quando resume que não se nasce, mas aprende ser racista, então podemos ensinar a tolerância, o respeito, valorização, exigindo preparo tanto da parte dos futuros produtores de conhecimento quanto os que irão repassá-lo, principalmente no ensino básico, quando se inicia a formação, as aceitações das idéias das crianças e adolescentes.


 



É nesse sentido que muitos se voltam na busca de alternativas para promoção da igualdade racial, no ensino, na valorização cultural. As conquistas alcançadas ainda não são ideais e sabemos que resta muito trabalho a ser desenvolvido, principalmente tornar permanentes as medidas de combate aos racismos e as desigualdades sociais, pois precisamos romper com o velho imposto pelas elites, impregnado no povo ao longo do tempo. Sabemos que essa luta é longa e cansativa, o que torna uma vitória muito mais festejada e gloriosa, construída por homens e mulheres em suas relações cotidianas, no trabalho, na escola, mostrando a garra do povo brasileiro miscigenado e por isso rico ainda mais em beleza, capacidade e riquezas culturais.


 


 


*Rakel Galdino, estudante do curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, em Sobral/Ce