Veja o prefácio do comandante do Araguaia ao livro do Che
O Vermelho publica aqui, após 45 anos de esquecimento, o prefácio de Maurício Grabóis ao livro Guerra de Guerrilhas de Ernesto Che Guevara. Esta foi a primeira obra de Che publicada no Brasil e também a primeira iniciativa edi
Publicado 05/10/2007 13:55
Guerra de guerrilhas foi publicado em novembro de 1961, antes da cisão no Partido Comunista, que se consumaria em fevereiro do ano seguinte.
Os antecedentes da reorganização de 1962
Em agosto de 1961 a direção do PCB registrou novos estatuto e programa. Entre as mudanças apresentadas estavam a alteração do nome da organização – de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro – e a retirada de toda referência ao marxismo-leninismo e ao internacionalismo proletário. Medidas que, acreditava, ajudariam a legalizar o Partido.
Diante disso, um grupo de 100 comunistas enviou uma carta ao Comitê Central do PCB exigindo a retirada daqueles documentos e a convocação de um congresso extraordinário para discutir as divergências políticas e ideológicas existentes. A resposta da direção foi punir os signatários e iniciar o processo de expulsão dos seus principais organizadores: João Amazonas, Maurício Grabóis, Pedro Pomar, Lincoln Oest, Carlos Danielli e Kalil Chad.
Uma das primeiras medidas deste pequeno grupo de revolucionários foi organizar uma editora para publicação de obras que ajudassem na luta ideológica que se travava no interior do Partido, contra aquilo que eles definiam como reformismo. No final daquele ano nasceu a Edições Futuro e, em novembro, foi lançado o seu primeiro título: Guerra de Guerrilhas de Che Guevara. O prefácio era assinado pelo seu tradutor, e futuro comandante da Guerrilha do Araguaia, Maurício Grabóis.
Mais de 10 mil exemplares vendidos
Logo em seguida o livro foi proibido pelo ministro da justiça do governo Jango, ainda quando vigorava o parlamentarismo. No então estado da Guanabara, a polícia do governador Carlos Lacerda ocupou e depredou a sede das Edições Futuro. Esforço inútil. O livro de Guevara foi um sucesso editorial e vendeu mais de dez mil exemplares.
O texto de Grabóis, escrito poucos dias antes da sua expulsão do PC Brasileiro, refletia a acirrada luta de idéias que se travava naquela época entre aqueles que defendiam a “via pacífica” e os que defendiam a luta armada para a conquista de um novo regime social. O livro de Guevara e o exemplo cubano jogavam a favor do segundo grupo. Não sem razão o livro seguinte lançado pelas Edições Futuro foi, justamente, De Moncada à ONU – coletânea de discursos de Fidel Castro e o texto integral da 2ª Declaração de Havana. Neste caso também a pequena editora do pequeno PCdoB foi pioneira.
No seu prefácio à Guerra de guerrilhas, Grabóis afirmava que a revolução cubana havia contrariado “teses muito difundidas em nosso país e bastante arraigadas entre as forças revolucionárias que dizem que os povos dos países latino-americanos não poderiam realizar com êxito a revolução por se encontraram demasiadamente próximos do mais poderoso baluarte da reação mundial, o imperialismo ianque; que não poderia vencer um exército profissional adestrado e bem organizado e que sem seu apoio, ou pelo menos parte dele, as massas populares não alcançariam a vitória; que para começar a luta armada era indispensável que amadurecessem todas as condições revolucionárias; que esta luta se processaria fundamentalmente nas cidades”. Como Che Guevara, Maurício Grabóis também tombaria em combate contra as forças de repressão. Assim, um fio de sangue une a vida, desses dois revolucionários latino-americanos.
“Exemplo de revolução autenticamente popular”
Veja a íntegra do prefácio de Grabois ao livro de Che:
“Sem receio de incidir em erro, podemos afirmar que a Revolução Cubana constitui para os povos latino-americanos um dos acontecimentos mais importantes do século em que vivemos. Pela primeira vez em terras da América Latina, tão pródiga em golpes e pronunciamentos militares de cunho reacionário, foi levada a cabo uma revolução que aniquilou com o domínio dos latifundiários e dos capitalistas, conduziu ao poder os trabalhadores e acabou para sempre em Cuba com a submissão aos monopólios norte-americanos.
A Revolução Cubana destaca-se como exemplo de revolução autenticamente popular e avançada que vem tendo – e continuará a ter cada vez mais – profunda repercussão na luta emancipadora dos povos oprimidos do Continente. Sua vitória marca o início de uma nova fase do movimento de libertação nacional da América Latina. Ao contrario das numerosas “revoluções” latino-americanas, que jamais tocaram no latifúndio ou na dominação imperialista, o triunfo do movimento revolucionário dirigido pelo herói nacional de Cuba, Fidel Castro, criou condições para eliminar os fatores da miséria e do atraso em que vegetava o povo cubano. Somente a revolução tornou possível a reforma agrária radical, a verdadeira nacionalização das empresas imperialistas e a ampla reforma urbana, assegurando a independência política e econômica da pátria de José Marti.
Por isso, a Revolução Cubana é uma fonte inesgotável de ensinamentos para todos os que desejam que nosso país se liberte dos entraves ao seu desenvolvimento, ponha fim a uma estrutura econômica retrógrada e construa uma nova sociedade que não conheça a fome, a ignorância e a exploração.
O trabalho de Ernesto ‘Che” Guevara, A guerra de guerrilhas, representa notável subsídio à analise e ao estudo da experiência cubana. Em seu manual, o destacado e lúcido comandante revolucionário generalista esta experiência para a América Latina, extrai conhecimentos, úteis a outros povos, da luta que o povo cubano travou com êxito contra uma ditadura desumana e terrorista. A generalização feita por “Che” Guevara em seu livro, tanto do ponto-de-vista da teoria como da prática, é de imenso valor para os patriotas que têm a nítida compreensão de ser uma necessidade imperiosa e urgente libertar a nação do monopólio da terra e da exploração dos trustes estrangeiros. Não se trata, porém, de uma orientação concreta ou de um regulamento militar. Sua aplicação, em qualquer circunstância, terá sempre que levar em contas as peculiaridades nacionais e o que há de específico no processo revolucionário de cada país.
O exemplo cubano evidenciou que para derrubar um regime, que usava as formas mais cruéis e sanguinárias de repressão como principal meio de realizar uma política anti popular, em favor dos milhardários dos Estados Unidos, e de ser manter no poder, não restava ao povo outro recurso senão a luta armada como principal instrumento para derrotar a tirania. Precisamente, o grande mérito de Fidel Castro reside em haver compreendido ser este o único caminho que levaria o povo à vitória e por ter, decididamente, Por ele enveredado.
No assalto ao Quartel Moncada, a 26 de julho de 1953, forjou-se o grupo revolucionário que, persistindo na ação pelas armas, seria o pólo de atração dos que se opunham à ditadura de batista e nuclearia todas as forças revolucionárias cubanas. Assim, a luta armada foi o fator primordial do êxito da Revolução Cubana. E nesta luta armada o papel de maior relevo coube à atitude desenvolvida pelas guerrilhas.
O aspecto da Revolução Cubana relacionado com a guerra de guerrilhas comprova mais uma vez a experiência de inúmeros povos na luta por sua libertação- a guerrilha ocupou lugar destacado, e em certos casos até decisivo, no combate para vencer o opressor. São exemplos vivos as lutas dos chineses contra o invasor japonês e os reacionários internos, dos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial contra o ocupante nazista, dos vietnamitas contra os imperialistas franceses, dos indonésios contra o dominador holandês e, ainda agora, dos argelinos contra os militaristas da França. Isto para não falar nas guerrilhas espanholas contra as tropas napoleônicas ou dos grandes guerrilheiros soviéticos da guerra civil como Tchapáiev, Lasso e Kotovski.
Todos estes exemplos revelam que o sucesso deste tipo de guerra reside no fato da guerrilha estar estreitamente vinculada ao povo, ser sua vanguarda armada. Um velho lema dos guerrilheiros chineses dizia “Nós somos o peixe e o povo é a água em que nos movimentamos”. Em outras palavras, analisando o caso cubano, Guevara exprime o mesmo pensamento: “… a luta de guerrilhas é uma luta de massa, é uma luta do povo”. E contra o povo decidido a lutar não há exército, por mais apetrechado que esteja capaz de alcançara vitória final. “Em Cuba, doze destemidos lutadores, remanescentes dos oitenta e dois bravos que desembarcaram do iate Granma, chegaram à Sierra Maestra, iniciaram a luta guerrilheira e, ao se ligarem indissoluvelmente aos camponeses, tornaram as guerrilhas cubanas invencíveis. Não houve força, por mais armada, treinada e financiada que estivesse pelos generais do Pentágono e pelos donos da Wall Street, que conseguisse cortar a cabeça da Revolução Cubana, impedir a vitória do povo.
Ao teorizar sobre a guerra de guerrilhas “ Che” assinala que foram refutadas em Cuba velhas concepções a respeito do curso revolucionário na América Latina. A Revolução Cubana contrastou teses muito difundidas em nosso país e bastante arraigadas entre forças revolucionárias – povos dos países latino-americanos não poderiam realizar com êxito a revolução por se encontrarem demasiadamente próximos do mais poderoso baluarte da reação mundial, o imperialismo ianque; que não se poderia vencer um exército profissional adestrado e bem organizado e que sem seu apoio ou pelo menos de parte dele, as massas populares não alcançariam a vitória: que para começar a luta armada era indispensável que amadurecessem todas as condições revolucionarias: que esta luta se processaria fundamentalmente nas cidades.
Mas, a experiência cubana enriqueceu a teoria da revolução. Unida, a luta pela emancipação nacional e pelo progresso social obteve um desfecho feliz, um exército fortemente destruído pelas forças populares, um foco insurrecional possibilitou o surgimento das condições para levar a cabo com sucesso a revolução e a luta armada se processou fundamentalmente no campo.
A Revolução Cubana constitui também um completo desmentido às teorias conformistas dos que, superestimando o poderio das forças reacionárias ou idealizando inexistentes possibilidades reais de caminhos pacíficos para a revolução, propugnam as soluções idílicas para resolver os problemas básicos dos países as América Latina. Os que não desejam permanecer nas posições passivas e que se preocupam com os destinos do Brasil terão no livro de “Che” Guevara uma importante contribuição para encontrar o verdadeiro caminho da luta para liquidar com os obstáculos que se antepõem ao desenvolvimento da nação, mantêm o país agrilhoado ao capital estrangeiro e impedem que o povo conquiste o bem-estar e uma vida livre da humilhação, do desemprego e do temor pelo dia de amanhã.
Mauricio Grabois.”
* Clique aqui para ver, também de Augusto Buonicore, o artigo Che, Cuba e a reorganização do PCdoB