Lutar contra a violência contra a mulher

Por Enilton Gril
O Martim César, poeta amigo meu, um dia poetou: “Hoje todos somos mudos, cúmplices do mundo que fizemos, do monstro que criamos”. E dia desses vi na página policial de um jornal da capital uma notícia animal. Era uma violência contr

Nunca houve uma iniciativa semelhante, de construção de uma grande teia de organizações surgidas do seio da sociedade civil, diferentes entre si, mas coincidentes no anseio de abrir caminhos. Caminhos para um mundo que retome o compromisso com o ser humano. Ser humano como bússola de toda a ação política. Quem lá esteve acredita em um outro mundo possível. Acredita no processo de gestação de uma nova forma de organização da humanidade.


 



Eu estava lá como correspondente da revista Cadernos do Terceiro Mundo. E lá estando, pesquisando e entrevistando tive acesso a alguns dados. Uma mulher é assassinada a cada hora no mundo. Uma em cada dez mulheres sofre ao menos um estupro na vida, na maioria dos casos por homens conhecidos. Cerca de 40 milhões de mulheres são exploradas pela indústria da prostituição. Tailândia, Filipinas, Indonésia e Brasil estão entre os maiores fornecedores de prostitutas. México, Bangladesh, Filipinas e Brasil estão entre os que mais exploram o trabalho feminino em fábricas.


 



Essas agressões compuseram um amplo diagnóstico da violência contra as mulheres apresentado na conferência ‘Cultura da Violência, Violência Doméstica’, durante o II Fórum Social Mundial, realizado no início de fevereiro de 2002 em Porto Alegre. As militantes feministas apresentaram propostas contidas no documento ‘A violência contra as mulheres: aí onde o outro mundo deve agir’. As raízes da violência contra a mulher, sua relação com a globalização neoliberal e a identificação de alguns elementos para a construção de alternativas foram o foco desse rico debate.


 



As painelistas mostraram que as mulheres são vítimas da violência em todas as classes sociais, culturas, religiões e situações geopolíticas, ainda que esta violência assuma diferentes formas segundo as distintas sociedades. Ela ocorre tanto na esfera pública como na privada, e é com freqüência exercida tanto por indivíduos, como também de forma organizada por grupos de homens e por Estados. Sashi Sail, da Índia, disse que as mulheres estão submetidas a uma opressão ‘ancestral, múltipla e crescente’.


 


 


O século XX testemunhou o avanço das mulheres, mas não reduziu a violência,  disse a ativista indiana.  O deslocamento de empresa do Norte para o Sul em busca de mão-de-obra barata resulta em uma ampla  absorção da força de trabalho feminina  em condições dramaticamente precárias, com a freqüente exigência de testes de gravidez para contratação, assédio sexual e situações de risco para a saúde no ambiente de trabalho. E acrescente-se a isso, a proibição de sindicalização e os salários aviltados, quase sempre inferiores aos dos homens, para exercer as mesmas funções.


 


 


Já, Suzy Roitman, da França, advertiu que a globalização acrescentou novas formas de discriminação e de violência contra as mulheres. Entre elas, a articulação de máfias dos países, dando dimensão planetária à prostituição. Também a globalização é responsável pela crescente feminização das migrações, sobretudo em direção aos países industrializados. E as mulheres da América Latina e do Terceiro Mundo em geral reforçam os movimentos migratórios em busca de trabalho ou são exploradas por máfias internacionais.


 


 


Chegou-se à conclusão de que a responsabilidade de erradicação da violência contra as mulheres é individual e coletiva. É dos homens e das mulheres. A violência acontece no interior das famílias e das organizações. Na Índia e no Iraque e no Haiti que é aqui. Dia desses vi na página policial de um jornal da capital uma notícia animal. Era uma violência contra um ser vital. E as coisas não são diferentes na nossa cidade natal.


 



Enilton Grill
Radialista e ativista cultural