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José L. Fiori polemiza sobre o declínio do império americano

Leia artigo “O poder Global”, do professor titular do Instituto de Economia da UFRJ, José Luís Fiori, que polemiza com a afirmação de intelectuais e economistas de que o hegemonismo norte-americano está chegando ao seu fim. Para Fiori, as afirmaçõ

O poder global


 


Por José Luís Fiori*


 



''A esperança e a previsão, embora inseparáveis, não são a mesma coisa, e toda previsão sobre o mundo real tem que repousar em algum tipo de inferência sobre o futuro, a partir daquilo que aconteceu no passado, ou seja, a partir da história.'' Eric Hobsbawm, em ''Sobre a História'', Companhia das Letras, p. 67


 


Na década de 70 do século 20, discutiu-se muito sobre a ''crise da hegemonia americana''. Foi no tempo da derrota dos EUA no Vietnã, da crise do ''padrão dólar'', da subida do preço do petróleo e do fim do crescimento econômico acelerado do pós-guerra. E foi também no tempo da Revolução Sandinista da Nicarágua, da revolução islâmica do Irã e da invasão soviética ao Afeganistão, consideradas, na época, grandes derrotas da política externa americana.


 


Hoje, quase 40 anos depois, volta-se a falar com insistência do declínio do poder mundial dos Estados Unidos. O historiador inglês Eric Hobsbawm afirmou, numa entrevista recente, que o ''projeto americano está falindo'', e que a ''superioridade dos Estados Unidos é um fenômeno temporário'' (entrevista à Folha de São Paulo, dia 30 de setembro de 2007). Quase na mesma linha, o economista italiano, Giovanni Arrighi, defendeu a tese que a ''hegemonia americana'' está vivendo uma ''crise terminal'', depois do ''fracasso do projeto neoconservador no Iraque'', e depois que ''os Estados Unidos deixaram de ser um Estado hegemônico que criava ordem, para se tornarem uma força do caos e da desordem'' (entrevista para a Folha de São Paulo, do dia 2 de setembro de 2007) .


 


No caso do sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein, a previsão é ainda mais radical: o que está em crise e deve acabar até a metade do Século 21 não é apenas a hegemonia americana, é o próprio ''sistema mundial moderno'' que se formou a partir da Europa depois do século 16 (Entrevista para o jornal O Globo, do dia 18 de agosto de 2007).


 


Mas nenhum destes autores consegue definir com precisão o que seja uma ''crise terminal'' do poder e da superioridade americana ou do próprio ''sistema mundial moderno'' de que fala Wallerstein. Por que se trataria de uma ''crise terminal'' e não apenas de uma crise cíclica ou passageira? E, além disto, mesmo que fosse ''terminal'', qual seria a sua duração e o seu desfecho? E o que é mais importante, o que se passaria no mundo durante este período de transição e de espera do ''juízo final''?


 


Pontos fracos


 


Na verdade, o ponto fraco de todas estas previsões não está na suas análises da conjuntura internacional, mas na teoria em que apóiam suas projeções de longo prazo: a hipótese de que o ''sistema mundial moderno'' requer a existência de ''potências hegemônicas'' sucessivas para manter a sua ordem política e o bom funcionamento da sua economia internacional.


 


Na teoria das ''sucessões hegemônicas'', o ''líder'' ou ''hegemon'' aparece na história como uma espécie de ''resposta funcional'' ao problema da ''ingovernabilidade'' de um sistema que é anárquico porque é formado por Estados nacionais soberanos. Por isto, em geral, esta teoria destaca as contribuições positivas do ''hegemon'' para o bom funcionamento e para ''governança global'' do sistema, sem dar maior atenção à dinâmica contraditória das relações existentes entre o ''hegemon'' e os demais Estados que participam do sistema mundial. Por isto também esta teoria funcional e evolucionista da ''hegemonia'' não consegue dar conta do movimento contínuo de competição, luta e expansão dos Estados e economias nacionais que já conquistaram a condição de ''grandes potências'', e fazem parte do ''núcleo central'' de todo o sistema, mas seguem competindo entre si, mesmo nos períodos que aparentam uma alta ''tranqüilidade hegemônica''.


 


Daí sua dificuldade para compreender situações de conflito e de ruptura, e a pressa com que estas análises e previsões, anunciam ''crises terminais'' a cada nova turbulência econômica, guerra ou derrota do ''hegemon'', sem considerar a possibilidade que estas crises e guerras possam fazer parte do processo de reprodução e expansão do poder e riqueza do próprio ''hegemon'', que não foi eleito para ser representante, nem para cuidar dos interesses gerais da humanidade.


 


Poder global


 


A crítica desta teoria da ''hegemonia mundial'' e das previsões baseadas na hipótese dos ''ciclos hegemônicos'' está na origem do conceito e da pesquisa sobre o ''poder global'' (Fiori, J. L. (2007), O poder global e a nova geopolítica das Nações, Editora Boitempo, São Paulo): um modo de olhar e analisar o sistema político mundial e suas relações com a internacionalização capitalista que privilegia o conflito e as contradições do sistema mais do que suas relações funcionais.


 


Da perspectiva do ''poder global'', o sistema mundial é uma ''máquina de acumulação de poder e riqueza'', e seu motor é a competição e a guerra entre seus Estados e economias nacionais. Dentro deste ''sistema mundial'' não existem países satisfeitos: todos estão sempre se propondo aumentar seu poder e sua riqueza e, neste sentido, todos são expansivos, em particular as ''grandes potências'' que já ocupam o topo da hierarquia do poder e da riqueza mundiais.


 


Por isto, este sistema pode ser comparado com um ''universo'' em expansão contínua onde todas as potências que lutam pelo poder global estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E, como conseqüência, pode-se afirmar com toda certeza que dentro deste universo, ou seja, dentro do ''sistema mundial moderno'', nunca houve nem haverá ''paz perpétua'', nem hegemonia estável.


 


Erro histórico


 


Pelo contrário, do nosso ponto de vista o que ordena e ''estabiliza'' as relações hierárquicas internas do sistema mundial, paradoxalmente, é a existência de ''eixos conflitivos crônicos'', junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra entre as grandes potências. Por isto, do ponto de vista do ''poder global'', desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anúncio do ''fim'', são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. E, deste mesmo ponto de vista, falar de uma ''crise terminal'' com data marcada de um poder hegemônico, ou do próprio ''sistema mundial moderno'', é um absurdo teórico e histórico.


 


Até porque no tempo de espera da ''hora final'' o mais provável é que o sistema siga enfrentando e superando crises econômicas, como em toda a história da internacionalização capitalista, e situações de guerra, como em toda a história geopolítica das nações inaugurada pela Paz de Westfália, em 1648. E, portanto, com relação a este tempo de espera, todas estas previsões ''terminais'' são absolutamente inúteis.


 


* José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e editor do livro O Poder Americano (Editora Petrópolis). Escreve mensalmente às quartas-feiras.


 


** Intertítulos do Vermelho.