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Cristina Kirchner dispensa a mídia para ter popularidade

A candidata à Presidência da Argentina, Cristina Kirchner, é favorita para vencer as eleições do próximo domingo, dia 28. Dez das onze pesquisas divulgadas no último domingo apontam vitória de Cristina Kirchner já no primeiro turno. A correspondente da BB

Leia abaixo a entrevista, publicada no sítio Conversa Afiada:



Eu vou conversar com Márcia Carmo, correspondente da BBC-Brasil em Buenos Aires. Como vai Márcia, tudo bem?
Tudo ótimo, Paulo Henrique.



Márcia, vamos falar, antes de mais nada, dessa inesperada e raríssima da senhora Cristina Kirchner à uma emissora de rádio aí em Buenos Aires, aparentemente essa é a única entrevista que ela deu ao longo de toda a campanha presidencial, não é isso?
É, exatamente Paulo Henrique. Ela e o marido, o atual presidente Nestor Kirchner, são publicamente avessos à imprensa. A Cristina Kirchner deu uma entrevista à uma rádio ontem de manhã e à noite, deu uma entrevista à uma emissora de televisão. Para a nossa surpresa, de todos que moramos aqui, agora eu ligo o rádio e ela estava falando em outra rádio. Quer dizer, são três entrevistas a poucas horas das eleições. A eleição é domingo, o primeiro turno, e Cristina resolveu dar entrevistas, apesar de fazer algumas críticas à imprensa, mas também é um estilo do Presidente e da primeira-dama.



E essas rádios e essa televisão, as duas rádios e a televisão, elas tem alguma característica, porque aparentemente a primeira entrevista na rádio que ela deu foi a uma jornalista que é amiga e fã dela, não é isso?
É uma jornalista que é conhecida por ser uma pessoa que admira as mulheres no poder, que acha que deve haver mais espaço para a mulher na política, Mónica Gutiérrez da rádio La Rede e realmente foi isso. No segundo caso, que foi uma entrevista à televisão, ao programa A Dos Voces, que é de dois jornalistas muito conhecidos aqui da Televisão TN, Cristina falou mais de uma hora, uma entrevista na residência presidencial, onde ela mora com o Presidente da República, e falou de vários assuntos, falou de inflação, falou da relação com o Brasil, falou de diferentes assuntos. A entrevista terminou uma e meia da manhã aí no Brasil.



Uma pergunta, qual é a origem desta hostilidade, dessa animosidade os Kirchner e a imprensa argentina? O que é que há entre eles?
Claramente, segundo aqui diferentes setores, não existe nada. Uma curiosidade, eu sou presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros aqui, por casualidade da vida, nós já pedimos entrevista seis vezes à candidata, todos os candidatos deram entrevista, menos a candidata do governo que disse que o pedido estava sendo analisado. Mas isso é uma coisa a parte porque, a imprensa local não tem acesso a eles, a falar com eles desde o início do governo Kirchner. Segundo a candidata da oposição, Elisa Carrió, eles repetem no governo nacional o que foi feito quando Kirchner era governador da província de Santa Cruz, onde ele também terminou com altos índices de popularidade, como aqui agora no governo Nacional da Argentina, Paulo.



Ou seja, eles dispensam a imprensa para ter popularidade? É isso?
(risos) A comunicação deles é do discurso, é do palanque, é de inauguração, quando inauguram obra o Presidente fala, o presidente Kirchner fala quase todos os dias e as televisões mostram ao vivo, ele na Casa Rosada, ele em alguma inauguração de obra. Segundo os seus assessores, os poucos que falam com a imprensa, ele prefere essa comunicação direta, ele não gosta muito das perguntas e a primeira-dama e senadora também parece que não.



E a imprensa é especialmente hostil ao governo ou mantém uma linha objetiva e independente?
Olha, depende muito do jornal. Alguns jornais são definidos aqui como jornais de oposição. Por exemplo, o jornal Perfil, por exemplo, que é um jornal que sai aos domingos, é definido como um jornal de oposição. Mas, o governo define o jornal La Nación como um jornal de oposição, como a senadora e primeira-dama Cristina citou ontem em uma entrevista a esse programa A Dos Voces. Ela citou duas vezes o La Nación como um jornal que é crítico demais ao governo e o jornalista que estava entrevistando, Marcelo Bonelli, interrompeu e disse, “não, é um bom jornal”. Sim, mas esse jornal, segundo ela, assim que o Kirschner assumiu o jornal publicou na primeira página que Kirchner só duraria seis meses, porque a Argentina vinha de perder cinco presidentes em duas semanas. E ela disse, segundo ela, isso é péssimo para os investidores. Eles citam muito o jornal La Nación.



E o Clarín?
O Clarín é um jornal que mantém o equilíbrio. Por exemplo, hoje as manchetes dos jornais hoje, quinta-feira, o Clarín diz “Cristina prometeu mudar o modo de medir a inflação”, porque a inflação está sendo acusada aqui de ser manipulada, maquiada. E o jornal La Nación, por exemplo, diz que, é uma informação muito importante, que faltam autoridades das mesas eleitorais. 92% dos eleitores convocados para acompanhar as eleições na mesa, domingo, 92% rejeitaram a convocação. Isso é inédito na Argentina. O El Cronista, outro jornal, que é um jornal econômico, diz que para as empresas a inflação real é duas vezes maior do que diz o governo, essa é uma outra manchete, dentro das linhas dos jornais, o Página/12 seria hoje o jornal simpatizante do Governo.



Mas o Página/12 é diário?
É diário, sai todos os dias. O Clarín e o La Nación também saem todos os dias.



Uma pergunta, e essa questão da inflação. Quem tem razão? É manipulada ou não?
Olha, é difícil saber, porque, a denúncia de que é manipulada partiu dos próprios empregados do Indec (Instituto Nacional de Estadística y Censos), que é como o IBGE daqui da Argentina. Os principais, os empregados que estavam à frente do Indec, diretor, vice… Todos foram ou demitidos, ou afastados e no lugar deles entraram outras pessoas escolhidas pelo Governo que, segundo Cristina, todos são concursados. E existe um personagem, que ficou muito famoso aqui, chamado Moreno, que ele é uma pessoa do Governo Kirchner que vai às empresas, as empresas vivem se queixando, e diz pessoalmente “você não pode aumentar o preço”, isso sai em matéria aqui quase todos os dias. “Você não pode aumentar o preço”, é uma polícia pessoal, liga para as empresas, tudo isso sai nos jornais aqui, muitos falam em “off”. Então, se você vai ao supermercado, como eu vou, eu percebo que os preços estão aumentando. O governo argumenta que são os preços dos produtos que, se for tomate, é porque não é época de tomate. Então, por isso o tomate passou de dois pesos para dez pesos. Isso é um argumento do governo.



Isso não se resolveria se houvesse o critério, usado nos Estados Unidos, usado no Brasil, que é o critério da Core Inflation, ou seja, aquele cálculo da inflação que menospreza as oscilações sazonais, por exemplo? O que a Cristina Kirchner prometeu fazer, daqui para frente?
A Cristina Kirchner prometeu que vai mandar assim que ela assumir, se ela for eleita, depende do resultado das eleições neste domingo, ela vai mandar uma missão aos Estados Unidos para copiar o modelo americano que seria exatamente como você diz.



É mais fácil vir para o Brasil.
É, ela preferiu os Estados Unidos.



É mais barato vir à Brasília conversar com a equipe do Banco Central. Inclusive é mais bonito, vai para o Rio. O IBGE explica para ela como é que calcula o IPCA.
(risos) E esse cálculo do IPCA no Brasil é muito diferente… O cálculo argentino inclui, por exemplo, eu não sei, mas eu acho que aí não inclui me corrija, por favor, mas aqui inclui escola, consumo de material escolar…



Inclui, sim… sim. O que esse sistema do Core Inflation, o âmago da inflação, faz é… Ele menospreza os efeitos sazonais. Então, por exemplo, o tomate, como você mencionou, a inflação do tomate não é levada em consideração porque quando voltar o tomate… Ou melhor, é menosprezado, é atenuado o papel do aumento sazonal, entendeu?
Que surgiu naquela polêmica do chuchu, não é?



É, eu trabalhei muito sobre o chuchu, quando eu fazia jornalismo econômico e não tinha ainda esse critério de Core Inflation. Mas o que é que dizem as pesquisas? Você sabe que os brasileiros não cobrem eleição, o jornalismo brasileiro cobre pesquisa. 
Aqui também está muito parecido. Está bem parecido.



Nos Estados Unidos você nem sabe que tem pesquisa antes da Eleição, aqui não. Aqui o jornalismo só cobre a pesquisa, não cobre a Eleição. Se um candidato morrer a manchete do dia seguinte será qual é o impacto disso na próxima pesquisa.
(risos) É mais fácil. As pesquisas aqui indicam, no domingo foram divulgadas onze pesquisas de opinião. Dez delas indicaram que Cristina venceria no primeiro turno das Eleições neste domingo, com mais de 40% dos votos. Só uma disse que não, que ela tem 34% e que, com esse percentual, ela iria para o segundo turno. Na Argentina é diferente do Brasil, ela precisa ter mais de 40% dos votos e uma distância de mais de 10% do segundo colocado ou 45%, mais 45% dos votos. A segunda colocada, que é a Elisa Carrió, ela tem, mais ou menos, 16%. Então a Cristina, se as pesquisas estiverem corretas, Cristina seria eleita em primeiro turno.



Então, isso significa que os candidatos conservadores, os candidatos de direita não vão para o segundo turno? Tipo o Lavagna, tipo o… 
López Murphy.



López Murphy.
Não, não vão e é uma coisa muito surpreendente. Há quarenta dias ninguém esperava, há trinta dias, ninguém esperava, se as pesquisas estiverem certas, que fossem duas mulheres para o segundo turno. E sim as expectativas eram que os candidatos Cristina e Lavagna, que é o ex-ministro da economia do Presidente Kirchner. E, na verdade, até agora o que sinaliza é que será a Cristina, depois Carrió, depois um pouco abaixo o Lavagna, depois Rodríguez Sáa e bem abaixo, que vem caindo é o Ricardo López Murphy que é o ministro da economia do De la Rúa, o ex-presidente De la Rúa.



O Rodríguez Sáa é um peronista dissidente, é isso? Que foi presidente?
Ele é irmão do que foi presidente. Ele é peronista também. Ele está tentando pegar os votos do peronismo… e ele vem crescendo nas pesquisas por isso, do peronismo tradicional. Daqueles que não querem muitas mudanças, o Kirchner mudou bastante o peronismo e ele ganha os votos dos que não querem, enfim, mudanças no peronismo. Mas, Paulo, o que é impressionante aqui é a apatia do eleitorado argentino, que é famoso por sua politização, sua participação política. É uma coisa inédita na Argentina, o que está acontecendo hoje.



Aparentemente é uma população, um povo tão politizado, tão partidarizado. Será que é porque haveria, digamos assim, uma permanência, não haveria muita emoção na passagem do Nestor para a Cristina?
Exatamente, tem exatamente isso. Um ponto é a continuidade, as pessoas hoje votam pela continuidade. As pesquisas, desculpe citar (risos) dizem que, a maioria vota nela por causa dele. As pessoas queriam que ele continuasse. Porque ele é visto como uma pessoa que protege os argentinos, é atuante, a economia cresceu quase 50% em quatro anos, depois daquela bancarrota, aquela queda de 20%, o emprego caiu de mais ou menos 30% para 7%, a pobreza caiu quase a metade. Alguns opositores questionam esses dados, mas a gente que está aqui vê, o consumo aumentou muito.



Basta ir a Buenos Aires. Agora, existe de fato alguma diferença entre ela e o marido ou não? Ou eles são exatamente a mesma pessoa política?
Dizem que quando Kirchner assumiu foi ficando claro que era um governo com duas cabeças. A dela e a dele. Algumas coisas aconteceram, por exemplo, quando se decidiu pagar toda a dívida com o Fundo Monetário Internacional. Dizem que foi uma decisão principalmente dela. Eles pensam juntos, eles atuam juntos, mas hoje o que se diz é que o Governo vai ser dela com ele tentando reorganizar os partidos políticos na Argentina, que estão bastante fragmentados. Ela tem uma personalidade muito forte e deixa isso muito claro nas entrevistas que deu, nos discursos, nos pequenos detalhes, nos lugares públicos, por exemplo, nos palanques, as pessoas gritam “presidente, presidente” e ela para o povo e diz, “não, eu sou presidenta”. Ela tem um estilo de se impor a todo o tempo e por isso as pessoas dizem aqui que não têm dúvida que o Governo vai ser dela, mas com ele muito perto dela.