Para a vereadora Aladilce, o PDDU de Salvador não tem legitimidade

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador vem gerando uma série de protestos desde que foi enviado à Câmara de Vereadores pelo prefeito João Henrique com o pedido de votação em regime de urgência. Em entrevista à equipe do Vermelho em S

Vermelho – Qual o objetivo principal de um PDDU?


 


Aladilce Souza – É definir a função social da cidade. O processo foi estabelecido pelo Estatuto das Cidades que determina que municípios com mais de 200 mil habitantes deve ter um PDDU. É um instrumento que visa tentar dar uma diretriz ao desenvolvimento da cidade para evitar o crescimento desordenado da mesma. É uma tentativa de evitar o caos urbano nas cidades maiores, que têm a tendência de crescer de forma desordenada, atendendo aos interesses apenas do capital, da especulação imobiliária.
O objetivo maior do PDDU  é tentar fazer com que a cidade cumpra sua função social de garantir uma qualidade de vida adequada à população, proporcionando o desenvolvimento econômico e o crescimento da cidade, mas preservando seus valores históricos e culturais, sua identidade. É uma tentativa de estabelecer a possibilidade  de convivência no espaço urbano, de maneira a incluir todos os segmentos da população sem distanciamento.


 


Qual a principal diferença do PDDU em relação a outras legislações?


 


Ele não é uma lei apenas. É uma lei que tem essa qualidade diferente, o principal  do PDDU é o processo. Como ele é construído. Também o Estatuto das Cidades define a construção de um plano para a cidade de maneira democrática, ouvindo todos os seguimentos da cidade. O PDDU é mais um instrumento de construção democrática do Estado, que deve planejar a cidade incluindo todos os seus segmentos, todos os interesses, todas as visões.
O Estatuto das Cidades  estabelece ainda os propósitos de construção deste plano. Tem todo um rito que é definido para garantir a participação da cidade. Estabelece, por exemplo, que a proposta da minuta pode ser elaborada pelo Executivo que deve fazer uma grande discussão,  envolvendo diversos segmentos da sociedade, depois mandar para o Conselho de Desenvolvimento Urbano para ser analisado. Inclui ainda um amplo processo de divulgação, com audiências públicas, elaboração de cartilhas com linguagem acessíveis à população para compreensão do Plano. O Legislativo precisa fazer o mesmo processo de discussão com a população, até a votação do projeto. Este processo de construção é necessário para que o plano se torne legítimo.


 


Este processo de construção foi respeitado pelo projeto em discussão na Câmara de Salvador?


 


Este é o grande problema do PDDU de Salvador. Foi o maior problema de 2004 e agora, já na construção do plano pelo Executivo, foi apontado isso pelas entidades urbanistas, sindicais e do movimento comunitário, que já discordaram do processo como foi feito pelo Executivo, com audiências formais. Não houve a divulgação necessária. Só elaboraram  as cartilhas no final do processo, após muita reclamação, mas já no final do processo de discussão do Executivo.
No processo de tramitação do Poder Legislativo, já começou com o prefeito enviando o projeto para a Câmara com o pedido de urgência na votação. Nós discordamos, porque um projeto com essa amplitude, com essa magnitude, tem 384 artigos, e pela densidade e complexidade das questões da cidade, não dá para aprovar em regime de urgência. Uma coisa desta era para ser construída em um ano, um ano e meio. O prefeito deveria começar sua gestão fazendo isso. Esse deveria ser o grande pacto da cidade, que tratasse da questão do transporte, dos serviços públicos, do saneamento, que começasse vendo os grandes problemas do emprego, qual  é a vocação financeira da cidade. Isso requer estudos técnicos, requer contribuição das universidades e até dos moradores de rua. É um processo que não pode em hipótese nenhuma ser definido para tramitar em regime de urgência. A leitura que a gente faz de uma atitude destas é de cercear o debate e de querer impor  determinada visão de cidade, que não se sustenta se passar por um debate.


 


Como a Câmara reagiu a esta atitude do Executivo?


 


Aladilce Souza – O pedido de urgência tirou o foco da discussão do plano para se discutir como ele pode tramitar em urgência. O processo de debate foi esvaziado. O projeto passou 65 dias na Comissão de Constituição e Justiça parado sem que ninguém tomasse nenhuma atitude para fazê-lo andar. Agora que o prefeito resolveu que quer aprovar o projeto até o final do ano, o líder do governo na Câmara aplicou o regimento interno da Casa, e pediu para o projeto entrar na pauta a  qualquer momento, mesmo sem terminar o calendário de audiências com a população.
A forma de discutir o projeto sem a população tornou o projeto de PDDU sem legitimidade nenhuma. Esta legislatura está com a responsabilidade de definir as intervenções que marcarão a cidade para sempre. Tem alterações que estão previstas no PDDU, como a questão da edificação na orla marítima, que não é reversível, que será definitiva.


Em reunião, os líderes dos partidos discutiram o aumento do calendário de audiências para envolver segmentos importantes da sociedade, como os urbanistas. Eu propus que, além disso, seja retirado o capítulo 8º, que trata da liberação do gabarito da orla de Salvador. Esta é uma decisão muito importante para ser tomada às pressas. Até o momento, a Prefeitura não apresentou os estudos técnicos que sustentam esta proposta. Inclusive um dos grandes problemas do projeto, é uma denúncia com o Conselho de Desenvolvimento Urbano (Condurb) fez de que o projeto que está na Câmara foi para o Condurb sem essa parte da liberação do gabarito da orla. Então o Conselho não avaliou isso. Depois que saiu do Conturb, foi anexado o capítulo que libera a construção de prédios de até 18 andares na orla para hotéis.


 


Este seria o erro mais grave do projeto de PDDU?


 


Tem outros que também são graves, mas este é o pior. Já tem empresas negociando terrenos na orla de Salvador. Acreditando na aprovação do projeto.  Esta mudança vai influenciar na vida de toda a cidade, pois vai diminuir a ventilação, tem também a questão de reduzir o espaço entre um prédio e outro, o que vai complicar ainda mais a situação.
Tem uma série de questões. A questão econômica, eu acho que é insuficiente o que foi colocado.  A idéia de que a vocação econômica da cidade é o turismo, sem discutir outras alternativas. O plano também não trata adequadamente a questão do transporte, saúde e educação. Falta um tratamento melhor sobre as questões de raça e gênero, falta trazer para o debate das diretrizes do desenvolvimento urbano, a redução das desigualdades,  a diminuição do fosso que existe entre a cidade branca e rica e a cidade negra e pobre.



 


O que seria necessário para mudar o projeto?


 


Estamos com grande expectativa na reação da sociedade civil, que está se mobilizando para pedir a retirada no plano da pauta de votação. Os movimentos sociais estão se posicionando contrários ao projeto. Estamos dando apoio ainda a ações jurídicas contra a Câmara. Estamos questionando a forma como ele foi construído e sua forma de discussão no Legislativo.



 


O que a população pode esperar se este projeto for aprovado com está?


 


Da forma como está o projeto favorece os setores da construção civil e imobiliário, que estão esperando a liberação para construção de prédios de luxo na orla. A população pode esperar a destruição dos últimos espaços de Mata Atlântica em Salvador. O PDDU prevê, por exemplo, a construção de uma via, Norte/Leste, que passa por dentro do local chamado de Vale Encantado, que é a última reserva de Mata Atlântica que a gente tem em Patamares, onde ainda é possível ver animais silvestres como tamanduás e pacas, várias espécies de pássaros, nascentes de rios. Um local que deveria ser intocável, pois precisamos ter áreas verdes em Salvador.  Se isso acontecer a cidade vai perder muito.  A mudança vai  sobrecarregar ainda o transito na orla,  provocar o aquecimento da cidade, desvalorizar os imóveis que não de frente para o mar.
O PDDU tem algumas coisas positivas como a criação das Zonas de Especial Interesse Social (Zeis) que são instrumento de ordenamento da cidade, que permite a legalização fundiária, permite a definição de espaços para a construção de moradias.


 


O que o PCdoB está fazendo para barrar a tramitação do projeto?


 


Aladilce Souza – Nós vamos lutar para que os prejuízos sejam os mínimos possíveis e vamos brigar para aumentar a discussão. A nossa proposta é de que o PDDU saísse da pauta nesse momento e deixasse para depois das eleições. Para que o novo governo estreasse definindo uma metodologia de revisão do PDDU. O ideal é que se jogasse a discussão para um momento em que não fosse contaminado pelo processo eleitoral.
A idéia é fazer um processo amplo de discussão que de fato permita a participação de toda a sociedade na construção de seu projeto de futuro. Se a gente não conseguir isso vamos tentar aumentar ao máximo o prazo para discussão.



 


De Salvador,
Eliane Costa