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Gilson Caroni: entre orgulhecidos e melhor educados

No 3º Congresso Nacional do PSDB, em 23 de novembro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso incorreu em erro formal de português ao afirmar que quer “brasileiros melhor educados, e não brasileiros liderados por gente que despreza a educação, a começ

Thaís Nicoleti, a professora de português ouvida pelo jornal, destacou que “rigorosamente, deve-se usar” mais bem “antes de particípio”. “Porém, essa construção [`melhor educado´] é considerada aceitável, ela está no limite entre a norma padrão e o desvio dela.”



Para Nicoleti, o maior problema seria de natureza política: “Todos sabem falar a sua própria língua. Não se pode usar a fragilidade da educação formal de uma pessoa para atacá-la. Como professora de português, nunca desmereço o discurso de alguém por sua forma de falar. Isso é politicamente incorreto ou no mínimo mesquinho”. Ou seja, o velho o preconceito de classe recorrente.



Um problema irrelevante e que já teria caído nas brumas do esquecimento não tivesse o ombudsman Mário Magalhães o ressuscitado na edição de domingo (16/12) da Folha. Para ele, como nenhum especialista bancou o erro de FHC, “errada, pois, está a Folha, que erra de novo ao não se corrigir”.



Condescendência com desvios



Não sei quais “especialistas”, além de Nicoleti e Pasquale Cipro Neto, a Folha terá consultado para que o ombudsman tenha concordado que “melhor educados” estaria certo. Não sou “especialista”, mas fui escolarizado no tempo em que a gente aprendia português com rigor. Posso afirmar, com o apoio pretérito dos severos padres marianos, que isso está longe da correção.



Claro, quem se dispuser a procurar, há de achar casos de “melhor [seguido de particípio passado]” em textos publicados. E daí? Também achará – às pamparras – casos do uso de “enquanto” significando “na condição de”, “estadia” como mera variação de “estada” e “extrapolar” por “exceder/exagerar”. Uma busca mais atenta garimpará “inclusive” no lugar de “aliás” e, mais freqüentemente, “desapercebido” por “despercebido”.



Muitos desses “pequenos desvios” já figuram em nossos dicionários, cada vez menos normativos e mais complacentes. Ou seja, escrever em letra de forma é o suficiente para validação… Nem por isso deixam de ser sandices.



Não estamos diante de ruptura deliberada e estilística da norma culta por quem a conhece. É erro mesmo de quem a ignora. O mais é condescendência com desvios gramaticais do “andar de cima”.



Erros e escorregões



Assim soa estranha a nota do ombudsman “Folha diz que FHC errou; o erro foi do jornal”. Se a Folha não cedeu aos insistentes apelos do ex-assessor especial da presidência da República, Eduardo Graeff, no “Painel dos Leitores”, e não “corrigiu” a correta corrigenda, ainda que por via tortas, fez muito bem.



Antigamente, os jornais não precisariam consultar “especialistas” em português. Para isso, havia na casa os copidesques e os revisores. Esse pessoal faz uma falta…



Vale lembrar o que disse o senador Arthur Virgilio à época: “Grave é falar em terceiro mandato”. Sem dúvida, mesmo quando não se sabe quem começou a falar no assunto. Mas é da lavra do parlamentar amazonense a seguinte pérola, proferida da tribuna do Senado em 27 de novembro: “Ao longo desse processo, percebi que o PSDB, além de um partido de quadros – é um partido invejavelmente de quadros neste país – tem uma combatividade que a todos nos orgulhece e orgulhece muito especificamente a mim (…)”.



Pois bem, é “orgulhecido” que aprendo coisas importantes na leitura diária dos jornais. Quando o erro é de representantes da elite, temos que estar atentos para o fato de ser a língua dinâmica, viva. Quando o escorregão vem do outro de classe, a língua é ferina e preconceituosa. E não vem um ombudsmam em socorro.