Messias Pontes: Quem ama se eterniza

Neste último artigo de 2007, gostaria de fazer uma pequena análise do primeiro ano do segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas ficará para o próximo, já que não posso deixar de falar um pouco sobre o cardeal Aloísio Lorscheider, indubi

Ontem completaram 30 anos da partida de outro grande homem: Charles Chaplin. E tem uma máxima de Chaplin que cabe bem em dom Aloísio: “As pessoas não deixam de viver quando morrem, mas sim quando deixam de amar”. Como dom Aloísio era o protótipo do amor, ele viverá eternamente. Ele é como uma grande idéia que não morre nunca. O ideal de amor e justiça não morre, portanto, quem ama se eterniza.


 


 



Dom Aloísio amou intensamente e foi intensamente amado. Amado pelas pessoas de bem, pelo povo humilde, pelos trabalhadores, notadamente os do campo que ele defendeu com todo ardor na sua luta pela reforma agrária, que infelizmente caminha a passos de tartaruga manca; ele foi amado pelos defensores da paz, da democracia e da justiça social. Para ele, a exemplo de dom Hélder Câmara, sem justiça social não pode haver democracia. 


 


 



Mas foi também intensamente odiado. Odiado pela elite branca conservadora que insiste em manter criminosamente a exploração dos trabalhadores para conservar os seus mesquinhos privilégios, pelos entreguistas e traidores da Pátria, pelos latifundiários que exploram desumanamente os camponeses e renegam a função social da propriedade, pelos hipócritas que se dizem cristãos mas não respeitam os mais elementares princípios dos direitos humano, e pelos corruptos de todos os matizes que ele tanto combateu. Ele foi odiado principalmente pelos militares golpistas de 1º de abril de 1964 e que instalaram o terror a partir de 13 de dezembro de 1968, com o famigerado AI-5.


 


 



Se dependesse dessa gente, dom Aloísio teria partido há muito tempo. Aliás atentaram contra a sua vida, perseguiram-no, ameaçaram-no e criaram um clima de terror na vã tentativa de fazê-lo calar. Chegaram inclusive a matar dois cães-de-guarda da sua casa e a invadi-la armados e encapuzados. Mesmo assim dom Aloísio nunca deixou de denunciar, aqui e lá fora, as prisões ilegais, os seqüestros, as atrozes torturas praticadas nos porões da ditadura militar e o assassinato dos que se opunham ao regime de terror em nosso País.


 


 



Os políticos corruptos também o odiavam, já que ele não dava trégua aos que esbanjavam dinheiro para corromper as consciências em troca de voto. Dizia dom Aloísio que aquele que gasta muito em eleição, ou roubou ou vai roubar. Ele aconselhava até os mais pobres a receberem, mas jamais votar em político corrupto. “Vote com a sua consciência”, dizia ele. Essa luta tem prosseguimento no Ceará comandada por dom Edmilson da Cruz, Bispo Emérito de Limoeiro do Norte, tendo sido que foi seu auxiliar na Arquidiocese de Fortaleza.


 


 



Juntamente com o seu primo dom Ivo Lorscheiter, dom Hélder Câmara, dom Paulo Evaristo Arns, dom Antonio Fragoso, dom José Maria Pires (dom Pelé), o nosso dom Edmilson da Cruz e muitos outros prelados e democratas brasileiros, dom Aloísio jogou papel muito importante na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, que acabou vindo em agosto de 1979, apesar de anistiar também os torturadores. Mesmo assim continuou lutando pelo fim da ditadura militar até que ela desse seu último suspiro em 15 de março de 1985, com a posse de um presidente da República civil, no caso José Sarney, que assumiu em função da morte de Tancredo Neves.


 


 



Eu, particularmente, devo muito a dom Aloísio. Quando fui seqüestrado pelo Exército, em 1974, ele deu todo apoio e conforto à minha família, e tudo fez para que fosse dado o meu paradeiro. Muitas vezes tentou se comunicar com o Papa Paulo VI, mas os agentes da ditadura interrompiam a sua ligação telefônica. Até com seu primo Ivo Lorscheiter, presidente da CNBB, ele não conseguia falar por telefone, e este teve de mandar um emissário a Roma para dar ciência ao Papa do meu seqüestro e de outros democratas.


 


 



Quando deixei o Instituto Penal Paulo Sarasate no final de agosto de 1974, fui por ele recebido em sua residência, a seu convite, oportunidade em que conversamos por mais de duas horas, embora tivesse muita gente esperando para falar com ele, tendo inclusive marcado com antecedência. Ele queria saber detalhes das prisões e torturas para relatar ao papa Paulo VI, já que viajaria para Roma pouco tempo depois. 


 


 



Os que passaram pelas masmorras da ditadura militar e saíram vivos, devem muito da sua liberdade à determinação e luta de dom Aloísio. A ele, pela sua prova de amor, a nossa eterna gratidão.
 
 


 


Messias Pontes é jornalista