Geísa Mattos – Quem vai ler tanta notícia?

A socióloga e jornalista Geísa Mattos discute sobre o futuro do jornalismo e sobre as informações que teremos disponíveis no futuro.

Em uma música composta ainda em 1967, Caetano Veloso, diante do sol nas bancas de revista, enchia-se de “alegria e preguiça” e perguntava-se: “quem lê tanta notícia?”. Como na canção Alegria, Alegria, as notícias hoje são parte do grande redemoinho do entretenimento. As novas tecnologias colocam em nossas mãos muito mais notícias do que Caetano podia imaginar ao ver as bancas de revista da década de 1960. A tendência para os próximos anos é que este volume de informação cresça ainda mais, chegando através dos celulares e da TV Digital. Mas o que dizem tantas notícias?


 


Passamos os olhos nas mais de 100 chamadas que um único site de notícias oferece e elas estão dispostas de maneira que parece confirmar a tese do filósofo Jean Baudrillard: tudo é espetáculo. Notícias sobre celebridades, saúde e beleza estão sempre em destaque, mas dificilmente encontramos um olhar diferenciado sobre o nosso cotidiano, algo que nos faça refletir e virar do avesso o nosso olhar sobre o mundo.


 


O Jornalismo é parte indissociável de uma cultura. Temos as tecnologias mais avançadas para colocar a informação ao nosso dispor. Mas as notícias em destaque nos meios de comunicação refletem o individualismo, o consumismo, a busca incessante pela beleza e juventude – valores essenciais do capitalismo moderno, o mesmo que, como disse Marx, ameaça destruir tudo o que somos. Em busca de segurança em um mundo tão instável, a mídia se torna um grande manual de auto-ajuda, pretendendo ensinar aos leitores como ganhar dinheiro, como ficar em forma, como ser mais jovem, como manter o emprego. E todos compram(os) tudo isso.


 


Os números mostram que o jornalismo impresso no Brasil cresceu recentemente em termos da quantidade de leitores. Após viver uma crise no início deste século, entre 2005 e 2006, o público dos jornais diários aumentou 6,5%, ganhando cerca de sete milhões de novos leitores, segundo a Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Em parte, o fenômeno se deve aos chamados “jornais populares”, que priorizam justamente o entretenimento e as notícias policiais nas suas páginas.


 


Teremos telas digitais em todos os lugares, em todos os espaços de nossas vidas nos próximos anos. Porém, a discussão importante é a mesma: que conteúdos estarão nas mídias do futuro? Como as empresas de comunicação irão atrair novos leitores/telespectadores e manter os atuais? Teremos ainda mais “auto-ajuda”, mais “celebridades”, mais violência?


 


À medida que os sistemas de comunicação ganham novos leitores e novas mídias, mais paradoxalmente nos afastamos do ideal de um espaço público capaz de produzir debates críticos. É certo que eles existem, mas ainda se realizam em círculos restritos na Internet e nos programas de televisão a cabo. A TV Digital, por si só, não vai reverter este quadro, assim como a própria Internet, a despeito de seu imenso potencial, ainda reproduz a lógica das notícias para consumo rápido e fácil. Teremos muito mais informação disponível no futuro bem próximo, mais de qual tipo? Por outro lado, como ampliar o público que se interessa por debates críticos, se a maioria da população foi educada pela própria mídia para se acostumar ao “jornalismo-espetáculo” (ou ao espetáculo, muito mais que ao jornalismo)?


 


A Universidade, como espaço que ainda produz reflexão na nossa sociedade, tem um papel importante neste momento. Esta discussão deve ser feita não só nos cursos de Jornalismo e Publicidade. Educadores, sociólogos, psicólogos, profissionais das áreas de Direito e Saúde devem participar e ampliar para toda a sociedade o debate sobre as novas tecnologias de comunicação e o conseqüente impacto que um volume de informação incomensurável terá sobre nossas vidas.


 


 


Geísa Mattos é doutora em Sociologia (UFC), jornalista e professora do Curso de Jornalismo (Unifor) e de Publicidade (Faculdade Católica do Ceará)