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Como Hollywood dribla o antiamericanismo global

A política externa do presidente Bush parece ter desencadeado uma intensa e irreversível explosão de antiamericanismo em todo o mundo, em que a linha que separa o ódio dos líderes americanos e a cultura vem ficando cada vez mais apagada. Contudo Hollyw

O valor arrecadado nas bilheterias internacionais representa 60% das receitas totais, 40% mais do que há três anos. As vendas de vídeos são o setor que cresce mais rapidamente em Tinseltown (nome com que Hollywood também é conhecido), sem incluir os milhões que compram cópias piratas. Ao mesmo tempo, os programas da TV americana atraem um número recorde de compradores estrangeiros, apesar de as taxas de licença terem aumentado drasticamente em muitos mercados.


 


O que acontece? Uma parte da resposta repousa na liberalização do mercado. E a outra parte tem a ver com um marketing mais globalmente direcionado. Os grandes estúdios aumentaram suas divisões no exterior e firmaram parcerias com estúdios estrangeiros.


 


A Warner Bros., por exemplo, recentemente assinou um contrato de US$ 2 bilhões com a maior empresa imobiliária de Abu Dabi, a Aldar, para a construção de um estúdio, para produzir filmes e videogames dirigidos para o mundo árabe, onde 60% da população tem menos de 25 anos e está sedenta de entretenimento.


 


O que inspira também a filmar no exterior são os gastos menores com despesas trabalhistas e regulamentação. Grandes estúdios de Hollywood construíram produtoras na China para atender melhor o interesse crescente em cinema nesse país. Os custos de produção de Hollywood caíram 4% em 2005, enquanto despesas com marketing saltaram 5,2%.


 


A indústria cinematográfica sempre acolheu com agrado o talento internacional, de Marlene Dietrich a Sean Connery. Mas, à medida que Hollywood promove seus produtos agressivamente no exterior, os executivos consideram o talento internacional ainda mais crucial na promoção de seus filmes no estrangeiro.


 


Em O Reino, Jamie Foxx contracenou com o ator palestino Ashraf Barhom, que interpreta um valente policial da Arábia Saudita. O Último Samurai, estrelado por Tom Cruise e o ator japonês Ken Watanabe, teve grande sucesso no Japão. A atriz brasileira Alice Braga contracenou com Will Smith em Eu Sou a Lenda.


 


São temas como religião (Cruzada), terrorismo (Munique), vírus mortais (Eu Sou a Lenda), e negócios com petróleo (Syriana). Em resumo, o pensamento em Hollywood é cada vez mais abrangente, tendo em mente nada menos do que o mundo.


 


Separação


 


Mas isso não explica suficientemente por que Hollywood desfruta de sucesso sem precedentes no exterior numa era de antiamericanismo galopante. A explicação comum para essa contradição tem sido a de que as pessoas fazem distinção entre cultura americana e a política externa dos Estados Unidos; que a corrente mais forte de antiamericanismo se limita mais a intelectuais e fanáticos religiosos.


 


Contudo, nos últimos anos na Europa e Ásia, tenho encontrado cidadãos comuns criticando sem rodeios os Estados Unidos. Não só a sua política, mas os valores “hipócritas”, uma cultura popular oca, e a descrença com eleitores que reelegeram Bush.


 


Uma pesquisa da Pew Global Attitudes Project apóia essa evidência, ao concluir que as opiniões favoráveis sobre o povo americano entre os indonésios caiu de 56% em 2002 para 46% em 2005, o que aconteceu também na Grã-Bretanha, Polônia, Canadá, Alemanha, França, Rússia, Jordânia, Turquia e Paquistão. Com certeza a política externa de Bush e sua reeleição ampliaram o desprezo pelos Estados Unidos – e isso torna o crescimento de Hollywood no exterior algo ainda mais curioso.


 


Além disso, filmes com temas totalmente americanos também têm bom desempenho nas salas de cinema pelo mundo. Homem-Aranha 3 foi o maior sucesso internacional na história, tendo arrecadado US$ 375 milhões. A receita contabilizada por Os Simpsons – O Filme, que representa a “família da América” chegou a um valor bruto de quase US$ 333 milhões, o dobro do arrecadado em casa.


 


Os produtos de Hollywood de maior sucesso no exterior tendem a ser aqueles com muitos efeitos especiais (como Titanic, Harry Potter, Piratas do Caribe, Jurassic Park), de animação e magia digitais (como Shrek, O Rei Leão e Os Incríveis). Ironicamente, esses trabalhos parecem vender mais do que os que são mais críticos aos Estados Unidos, como Fahrenheit 11/9, Syriana e Beleza Americana.


 


Para Moo Hon Mei, diretor de Marketing da 20th Century Fox na Malásia, essa tendência não foi interrompida no Sudeste Asiático com o decorrer dos anos “e não há sinais de mudança para breve”.  De qualquer maneira, os espectadores de filmes de Hollywood são induzidos a ignorar que estão investindo num produto americano. A indústria põe toda a ênfase no excepcional dinamismo americano, a confiança e tranqüilidade em relação à sua supremacia criativa e tecnológica.


 


Mudanças pelo cinemas nacionais


 


E as pessoas gostam do que vêem e isso se reflete não só nas cifras, mas na reação oficial e seu impacto. Em dezembro, a China proibiu, por pelo menos três meses, a exibição de obras americanas, cujo sucesso parece ter influenciado a decisão. A Coréia do Sul estabeleceu uma cota para exibição de filmes produzidos localmente, 146 por ano, que deve cair à metade como parte de um acordo comercial bilateral com os Estados Unidos, ainda não ratificado.


 


Em março, Javad Shangari, assessor cultural do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, acusou Hollywood de ser “parte de um ampla guerra psicológica dos Estados Unidos contra a cultura iraniana” – numa reação ao filme 300, considerado antipersa.


 


Na Malásia, foi proibida a exibição de A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, para proteger “sensibilidades” muçulmanas. Porém, versões pirateadas logo começaram a ser vendidas em Kuala Lumpur. As esquinas na China estão repletas de camelôs vendendo filmes pirateados de Hollywood, que os jovens iranianos também adoram.


 


O retrato dos Estados Unidos como antro de iniqüidade, feito por Hollywood, pode alimentar ainda mais algumas idéias equivocadas. Na pesquisa realizada pelo Pew Project mais de 60% dos libaneses descreveram os americanos como pessoas gananciosas, imorais e violentas, mas o Líbano é um dos mercados mais aquecidos de Hollywood no Oriente Médio.


 


O fato de ser um sucesso nesses lugares sinaliza, no mínimo, uma fascinação pela “depravação” americana e, mais provavelmente, uma brecha entre o que as pessoas dizem e o que elas realmente pensam sobre o país. Uma jovem da Malásia deixou clara a complexidade do seu relacionamento com os Estados Unidos ao manifestar sua afinidade com Hollywood, dizendo que os filmes lhe permitiam “imaginar-se fazendo coisas que não podiam ser praticadas nem eram aceitas em seu país”.


 


Mas a indústria não se especializou somente no 'pecado' e o público não faz fila simplesmente para ver isso. “Hollywood permite às pessoas no exterior conhecerem a sociedade americana e especialmente a opulência, moda, padrões de consumo, etc., que interessam a elas, não importam suas convicções contra o país”, disse Paul Hollander, editor da coleção de ensaios Compreendendo o Antiamericanismo.


 


O escritor Edward Said lamenta o poder dos Estados Unidos nesse aspecto, ou seja, o poder ideológico. “Todas as culturas tendem a fazer representações das culturas estrangeiras para dominá-las ou de alguma maneira controlá-las. Mas nem todas as culturas fazem representações de culturas estrangeiras e, de fato, as dominam e controlam.”