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Economistas norte-americanos reavaliam livre comércio

Muitos norte-americanos médios há muito suspeitam do livre comércio, tachando-o de destruidor de empregos bem remunerados. Os economistas americanos, no entanto, sempre contaram uma história diferente.

Para eles, o livre comércio vem sendo o bem absoluto, a força que leva o país a livrar-se de setores improdutivos, a focar-se no que faz melhor e a criar postos de trabalho de maior capacitação, cujos salários são melhores do que os dos empregos perdidos. O apoio do mundo acadêmico ao livre comércio é um grande motivo para os presidentes do país, sejam democratas ou republicanos, há anos levarem adiante a agenda do livre comércio. Os especialistas que consultam sempre lhes dizem que é o melhor caminho para um padrão de vida cada vez melhor.



Algo grave, porém, ocorre dentro da “igreja” do livre comércio: dúvidas começam a se insinuar. Não se trata de um repúdio drástico e generalizado. Economistas, contudo, começam a perceber que suas idéias não são suficientes para explicar a perturbadora estagnação de renda que grande parte da classe média vive. Também temem uma reação protecionista, a menos que mais esforços sejam feitos para ajudar os que estão perdendo.



“Antes havia só extremistas, com argumentos extravagantes contra o comércio”, comenta Gary C. Hufbauer, membro sênior do centro de pesquisas Peterson Institute of International Economics. “Agora, há questões mais amplas sendo levantadas, que não teriam sido colocadas há 10 ou 15 anos.”



Portanto, o próximo presidente poderia vir a consultar-se sobre comércio com especialistas que se sentem bem menos confiantes em relação a antigas certezas do que há apenas alguns anos.



De Alan S. Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) e membro do Conselho de Assessores Econômicos do governo de Bill Clinton, a Matthew J. Slaughter, economista internacional que integrou o mesmo órgão no governo de George W. Bush, muitos na profissão reavaliam o impacto da globalização. Eles vêm estudando o crescimento dos empregos de baixos salários no exterior e vendo como as telecomunicações de alta velocidade permitem a realização de mais atividades a partir de outros países. Agora, temem que esses fatores possam ser mais ameaçadores do que imaginavam de início.



Receios


 


Ninguém sugere que o comércio, no geral, seja ruim para os EUA. Segundo estimativas do Peterson Institute e outros, a liberalização dos investimentos e do comércio nas últimas décadas agregou entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão à renda anual dos EUA.



Cresce o receio, contudo, de que os ganhos do livre comércio estejam sendo direcionados para um pequeno grupo, no topo da pirâmide social. Para a vasta maioria dos americanos, destaca Slaughter, praticamente não houve aumento de renda nos últimos anos.



E não são apenas os trabalhadores de menor capacitação os que sofrem. A remuneração, ajustada pela inflação, caiu em todas as categorias de formação educacional, a não ser entre os 4% que possuem doutorado ou outros títulos similares. Tais números, argumenta o economista, sugerem que a parcela dos americanos que não está incluída nesses ganhos com o comércio pode ser muito grande.



“[É] uma mudança muito importante em relação às gerações anteriores e deveria dar o que pensar às pessoas que dizem saber o que está acontecendo”, afirma.



Ajuste desordenado


 


Blinder alerta que o sofrimento pode estar só começando. Ele estima que, no fim das contas, até 40 milhões de empregos na área de serviços nos EUA poderiam enfrentar a concorrência de trabalhadores da Índia e de outros países de mão-de-obra barata. Isso é mais de 25% dos 140 milhões com empregos nos EUA atualmente. Vários dos novos postos vulneráveis serão em áreas de mão-de-obra capacitada, como contabilidade e análises – empregos que as empresas dos EUA terão condições de transferir ao exterior em números cada vez maiores. “Será um processo de ajuste desordenado, com um monte de vítimas ao longo do caminho”, diz Blinder.



O barulho do debate acadêmico já mostra efeitos na campanha presidencial. Em entrevista ao “Financial Times”, no fim de 2007, Hillary Clinton concordou com o argumento do economista Paul A. Samuelson de que as noções tradicionais de “vantagem relativa”, segundo as quais um país ou empresa foca no que é mais competitivo, podem não ser mais válidas.



“A questão de a disseminação da tecnologia da informação e da globalização estarem fortalecendo ou esvaziando a classe média pode ser o assunto econômico mais importante de nossa era”, escreveu Gene Sperling, principal assessor econômico de Hillary, recentemente.



Austan D. Goolsbee, da Universidade de Chicago, assessor de Barack Obama, não está convencido de que o livre comércio é o culpado pela compressão da renda. Mas diz que muitos trabalhadores dos EUA não estão recebendo sua parte nos ganhos gerados pelos mercados abertos e teme um retrocesso político a menos que algo seja feito.



O que fazer? Blinder argumenta a favor de profundas melhorias no seguro-desemprego e uma grande reformulação do programa de Assistência a Ajustes de Comércio (TAA, na sigla em inglês), que recicla trabalhadores que perdem empregos como resultado de aumento nas importações ou transferência de trabalhos ao exterior, mas cujo desempenho deixa a desejar.



Ampliar o treinamento profissional e o seguro-salário, que compensariam parcialmente trabalhadores deslocados a novos empregos com salários menores, também aparece em suas propostas. Tanto Hillary como Obama – e até o senador republicano John McCain – mostram idéias similares.



Não é suficiente, argumenta Slaughter. O economista vê necessidade de alguma forma de redistribuição de renda para dividir os ganhos do livre comércio com mais trabalhadores. Em artigo polêmico, que Slaughter ajudou a escrever para a influente publicação “Foreign Affairs”, o economista propôs um “new deal para a globalização”, remetendo ao pacote de medidas profundas instaurado após a Grande Depressão dos EUA, no qual defende a eliminação do imposto na fonte dos trabalhadores que ganhem menos do que a renda média nacional. Até agora, não arregimentou apoiadores. Mas, é mais um sinal de como se deslocou o debate sobre comércio.



Fonte: Valor Econômico