Arquivo Nirez completa 50 anos

Celebrando cinco décadas, o Arquivo Nirez prepara uma vasta programação, com novidades como melhorias na biblioteca e lançamento de site

Em tempos de velocidade, fragmentação, instantaneidade e excesso de informação, a memória desperta preocupação, enseja reflexões e pede cuidados. Ao mesmo tempo, há quem a ela dedique a vida, com o entusiasmo e a espontaneidade do feliz encontro entre trabalho e vocação. Em Fortaleza, um dos grandes exemplos de cidadãos que se descobriram autênticos guardiões de momentos concretizados em sons, imagens, objetos atende simplesmente por Nirez. Apelido de infância que cedo suplantou o nome, Miguel Ângelo de Azevedo, e se tornou, para tantos quantos se acostumaram a freqüentar seu arquivo, sinônimo de memória, conhecimento, dedicação.


 


 


Pois bem: o Arquivo Nirez está celebrando, em 2008, seu cinqüentenário. Marca nunca imaginada quando das primeiras aquisições de discos por seu idealizador, ainda em idos de 1954, no que se poderia chamar ´pré-história´ do arquivo. ´Quando eu comecei a comprar disco, não tinha idéia de museu, de coleção, de nada. Comprava pra meu deleite, como qualquer pessoa faz. Mas quando chegou em 1958, eu tinha muito, mas muito disco, tinha fita, som… Escrevia pra jornal artigos sobre música. Aí fundei o Museu Fonográfico do Ceará´, conta Nirez, solícito como sempre, bem-humorado e nem um pouco cerimonioso ao falar de seu acervo, em pleno Jubileu de Ouro. ´Era só música. Depois comecei a abarcar outros campos, fotografia, rótulos. Aí mudei pra Museu Cearense da Comunicação, já com discos, fotos, revistas, livros, rótulos, peças como gramofones, vitrolas, máquinas fotográficas, máquinas de escrever… Quando houve um problema com a Prefeitura, em 1981, achei que tava muito parecido com coisa pública, e mudei pra Arquivo Nirez, sempre no mesmo lugar, na João Bosco, 560, desde antes de abrirem essa rua´.


 


 


O ´problema´ a que Nirez se refere ilustra como, nos 50 anos contados desde o início do museu fonográfico, a relação do pesquisador com o Poder Público foi modificada. Até os anos 90, o arquivo, aberto ao público e fonte de referências para estudantes, professores e demais interessados, nunca recebera, segundo Nirez, nenhuma espécie de auxílio estatal. ´Só tinham era me atrapalhado a vida. De 80 pra 81 a Prefeitura açodou um riacho aqui, aterrou com lixo, fez uma rua, e encheu minha casa d´água. Um fotógrafo tinha acabado de me doar negativos de todos os momentos do governo César Cals. Botei no chão e estragou tudo, os negativos com a água´, relembra, ainda lamentando.


 


 


Hoje, o quadro é bem diferente. Depois de receber apoio da Secretaria de Cultura do Governo do Estado em meados dos anos 90, para a montagem de um estúdio, e de garantir já nesta década a digitalização de todo o seu acervo de discos, patrocinada pela Petrobrás, Nirez conta hoje com aprovação em nada menos que cinco editais – um do Estado e quatro da Prefeitura de Fortaleza – para iniciativas relacionadas aos 50 anos do arquivo.


 


 


De catálogo a website


 


 


De acordo com a musicista e produtora cultural Myreika Falcão, responsável com um grupo de ´amigos do Arquivo Nirez´ pela elaboração de projetos e pela concepção de todas as atividades relativas ao cinqüentenário do acervo (incluindo Pedro Álvares, Andréa Vasconcelos e Daniele Parente), os projetos aprovados em editais públicos representam um verdadeiro alento, viabilizando uma comemoração à altura da data e de seu significado. ´Convivendo com o Nirez, todo dia eu aprendo uma coisa nova. O acervo guarda muitas surpresas, e todo dia ele faz novas aquisições´, relata. ´Eu brinco com ele que eu tinha que ter um gravador, pra gravar tudo que ele fala. Porque tudo que ele fala é uma aula. Não tem lugar melhor no mundo pra estar do que lá. Eles nos acolhem bem, e a gente aprende muito´.


 


 


O projeto mais adiantado até o momento é o da produção de um catálogo de apresentação e resumo do acervo, ilustrando até 40 peças integrantes da coleção, possibilitado, segundo Myreika, via edital da Secult, e com tiragem prevista de mil exemplares. Outros quatro projetos foram aprovados em editais da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo, da Prefeitura de Fortaleza. Em estágio mais avançado está o que prevê a produção de dez cartões-postais, a serem disponibilizados em uma caixa com a coleção completa e também individualmente, trazendo fotos da capital cearense. ´Cada postal vai trazer uma vista antiga da cidade e o mesmo local, do mesmo ângulo, hoje em dia´, explica Nirez, citando o procedimento já empregado por ele no livro ´Fortaleza – Ontem e Hoje´. ´Vai ser o mesmo título dos postais´.


 


 


Por outros projetos aprovados em editais estão previstas a elaboração de uma instalação e a realização de um seminário. ´A idéia é fazer uma instalação, como uma exposição, com ampliações de 60 imagens de fotos que constam no acervo, do bonde, da catedral…´, detalha Myreika. ´Já o seminário deverá se chamar ´Conversas sobre um Acervo – Comemoração dos 50 Anos do Arquivo Nirez´, reunindo 10 palestrantes, daqui e de fora. A gente quer falar sobre o patrimônio, o que representa o arquivo pra cidade, e pra ele´, acrescenta, citando que esses projetos ainda dependem de futuras reuniões com a equipe da Funcet para definição da verba a ser disponibilizada.


 


 


Biblioteca: história e música


 


 


Por fim, o mais recente projeto aprovado foi para o Edital de Abertura de Acervo, cujo resultado foi divulgado esta semana pela Prefeitura e contemplou a proposta ´Normalização da Biblioteca do Arquivo Nirez´. ´São mais de oito mil livros no acervo, cinco mil deles só sobre história do Ceará e música brasileira. O projeto é pra catalogar esses livros, organizar esse material pro público, inclusive com um computador para pesquisa´, aponta Myreika. ´Vamos fazer também um coquetel de abertura oficial da biblioteca, e estamos aceitando sugestões pro nome´.


 


 


Esse projeto foi apresentado no valor de R$ 18 mil, valor que, conforme ressalta a produtora, pode ser aprovado pelo município no todo ou em parte. Os demais projetos foram orçados em R$ 45 mil (seminário), R$ 12 mil (instalação/exposição), R$ 19 mil (coleção de postais) e R$ 20 mil (catálogo-resumo do arquivo). ´Tudo isso vai fazer parte das comemorações dos 50 anos do acervo, que queremos iniciar a partir do meio do ano, com o seminário e os demais eventos acontecendo no segundo semestre´, estima a produtora.


 


 


Além dessas iniciativas, o acervo deverá estrear na Internet este ano, com direito a consulta direta a parte do material audiovisual. ´Estamos preparando um site do arquivo, com muita coisa sobre a cronologia da música brasileira e também as músicas pra ouvir, em MP3 ou coisa pior´, brinca Nirez, que mostra desenvoltura ao se adaptar bem às novas tecnologias, mas não deixa de fazer suas restrições à qualidade de som do formato comprimido de arquivos musicais. ´Pensamos também em uma nova sede, que aqui tá pequeno pra manter o acervo. Estamos sonhando com esse espaço, mas até agora não tem assim nada em vista não´, afirma o pesquisador, jurando que não sentiria falta de dormir e acordar junto a seu acervo. ´Se for pra outro lugar, eu vou viver lá também. Não tem problema´, ri-se. Para sorte da memória do Ceará e do Brasil.



 


Mais informações:


O Arquivo Nirez fica na rua Prof. João Bosco, 560, no Rodolfo Teófilo. Informações: 3281-6949.


 


 


 


De Fortaleza, Dalwton Moura