Patativa do Assaré: A triste partida

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Setembro passou, com oitubro e novembro


Já tamo em dezembro.


Meu Deus, que é de nós?


Assim fala o pobre do seco Nordeste,


Com medo da peste,


Da fome feroz.


 


A treze do mês ele fez a experiença,


Perdeu sua crença


Nas pedra de sá.


Mas nôta experiença com gosto se agarra,


Pensando na barra


Do alegre Natá.


 


Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,


O só, bem vermeio,


Nasceu munto além.


Na copa da mata, buzina a cigarra,


Ninguém vê a barra,


Pois barra não tem.


 


Sem chuva na terra descamba janêro,


Depois, feverêro,


E o mêrmo verão


Entonce o rocêro, pensando consigo,


Diz: isso é castigo!


Não chove mais não!


 


Apela pra maço, que é o mês preferido


Do Santo querido,


Senhô São José.


Mas nada de chuva! ta tudo sem jeito,


Lhe foge do peito


O resto da fé.


 


Agora pensando segui ôtra tria,


Chamando a famia


Começa a dizê:


Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,


Nós vamo a São Palo


Vivê ou morrê.


 


Nòs vamo a São Palo, que a coisa tá feia;


Por terras aleia


Nós vamo vagá.


Se o nosso destino não fô tão mesquinho,


Pro mêrmo cantinho


Nós torna a vortá.


 


E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,


Inté mêrmo o galo


Vendêro também,


Pois logo aparece feliz fazendêro,


Por pôco dinhêro


Lhe compra o que tem.


 


Em riba do carro se junta a famia;


Chegou o triste dia,


Já vai viajá.


A seca terrive, que tudo devora,


Lhe bota pra fora


Da terra natá.


 


O carro já corre no topo da serra.


Oiando pra terra,


Seu berço, seu lá,


Aquele nortista, partido de pena,


De longe inda acena:


Adeus, Ceará!


 


No dia seguinte, já tudo enfadado,


E o carro embalado,


Veloz a corrê,


Tão triste, o coitado, falando saudoso,


Um fio choroso


Escrama, a dizê:


 


– De pena e sodade, papai, sei que morro!


Meu pobre cachorro,


Quem dá de comê?


Já ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?


Com fome, sem trato,


Mimi vai morrê!


 


E a linda pequena, tremendo de medo:


– Mamãe, meus brinquedo!


Meu pé fulô!


Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!


E a minha boneca


Também lá ficou.


 


E assim vão dexando, com choro e gemido,


Do berço querido


O céu lindo e azu.


Os pai, pesaroso, nos fio pensando,


E o carro rodando


Na estrada do Su.


 


Chegaro em São Paulo – sem cobre, quebrado.


O pobre, acanhado,


Percura um patrão.


Só vê cara estranha, da mais feia gente,


Tudo é diferante


Do caro torrão.


 


Trabaia dois ano, três ano e mais ano,


E sempre no prano


De um dia inda vim.


Mas nunca ele pode, só veve devendo,


E assim vai sofrendo


Tormento sem fim.


 


Se arguma notícia das banda do Norte


Tem ele por sorte


O gosto de uvi,


Lhe bate no peito sodade de móio,


E as água dos óio


Começa a caí.


 


Do mundo afastado, sofrendo desprezo,


Ali veve preso,


Devendo ao patrão.


O tempo rolando, vai dia vem dia,


E aquela famia


Não vorta mais não!


 


Distante da terra tão seca mas boa,


Exposto à garoa,


À lama e ao paú,


Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,


Vivê como escravo


Nas terra do su.