Missão Milagre na Venezuela, uma janela na escuridão
Quase metade de um milhão de intervenções cirúrgicas realizadas por oftalmologistas cubanos em vários países da América Latina foram feitas a pacientes venezuelanos
Por Juan Antonio Borrego, enviado especial do Granma Internacional.
Publicado 29/03/2008 13:49
A doutora Katia Robledo jamais suspeitou que incluiria suas memórias de cooperante internacionalista em experiências tão insólitas como as que viveu no centro oftalmológico situado no bairro caraquenho de Pinto Salinas.
“Temos histórias que nos têm feito chorar”, diz enquanto evoca sua conversa com aquela idosa que sofria catarata bilateral que primeiro se negava a viajar a Cuba alegando o risco de que “podiam obrigá-la a cortar cana-de-açúcar” e tempo depois, após ser operada, queria retornar para pedir desculpas por sua confusão e agradecer a Fidel.
“Em Pinto Salinas também vi chorar um idoso por reconhecer seus netos depois de anos de cegueira”, lembra Katia, fundadora da Missão Milagre na Venezuela e atualmente diretora do centro oftalmológico que, em outubro do ano passado completou o primeiro ano em funcionamento e já soma ao redor de 20 mil intervenções cirúrgicas.
Neste momento em que a medicina cubana acaba de festejar o primeiro milhão de operações realizadas por nossos especialistas em vários países da América Latina e do Caribe, vale destacar que quase a metade dessa cifra foi feita a pacientes venezuelanos, resultado que fala por si só do valor do projeto nestes prédios.
A história do milagre
A imagem do primeiro contingente de venezuelanos caminhando ainda em penumbras pelo aeroporto José Martí, em 8 de julho de 2004, lembra o início da Operação Milagre, iniciativa projetada e estimulada por Fidel que, em pouco tempo, espalhou seu impacto por todo nosso cotinente*.
Apenas no último semestre daquele ano foram beneficiados em Cuba mais de 18.800 doentes da nação sul-americana, ritmo que foi notavelmente incrementado em 2005 até chegar ao número de 156.604, em sua maioria com afecções de pterígio e catarata.
Em outubro desse mesmo ano, nasceu o centro oftalmólogico de Barquisimeto, estado de Lara, pioneiro da Missão Milagre em terras venezuelanas e pouco depois começaram a somar-se instalações similares em outros pontos desta geografia, todas com pessoal especializado cubano.
Atualmente funcionam em diferentes estados do país 17 estruturas deste tipo com um total de 31 salas cirúrgicas, três delas móveis, que em boa medida contribuem para facilitar a operacionalidade e reduzir os custos, enquanto o paciente é operado muito mais perto de seu lugar de residência.
Dirigentes cubanos da Missão Milagre confirmam que durante 2007 não se informaram de complicações cirúrgicas, resultado evidente da qualidade de um serviço que cada dia se torna mais confiável e acessível para a população venezuelana, especialmente para os segmentos mais humildes.
“Tão importante quanto operar é captar o paciente, encontrá-lo”, explica a doutora Marisol Noa, que elogia neste sentido o papel dos médicos cubanos na base, “a gente da Bairro Adentro” e a contribuição dos mais de 500 estudantes residentes de oftalmologia “que passaram pelo quirófano, mas também pela pesquisa”.
Não acreditavam em nossas estatísticas
“No início não acreditavam nem sequer em nossas estatísticas — explica a doutora Raysa Hernández, da coordenação na Venezuela —, não podiam entender que apenas num mês os oftalmologistas cubanos fossem capazes de realizar em parceria 6 mil ou 7 mil operações, mas com o tempo a gente percebeu o alcance deste programa”.
Assim pensa também Fidel Raúl Ricardo, um oftalmologista de Holguín, iniciador da Missão Milagre na Venezuela, que diz ter operado mais de 10 mil pacientes em menos de dois anos, o qual segundo ele constitui seu batismo de fogo como especialista.
Como se iniciou na Missão?
No começo éramos 50 oftalmologistas que apoiávamos as ópticas populares e trabalhávamos na pesquisa para enviar pacientes a Cuba, quando se abriu o centro de Lara fui um dos primeiros e, em fevereiro de 2006, me treinei no Pando Ferrer na técnica de incisão canalizada para a operação de catarata. Desde março passado, estou em Caracas.
Quanto custa uma operação de catarata fora da Missão Milagre?
Custa até cinco milhões de bolívares (5 mil bolívares fortes), impossível para uma pessoa dos morros, mas com a vantagem de que é ambulatória; as pessoas são operadas e no dia seguinte perguntam se podem ir trabalhar.
E não lhe parecia essa rotina aborrecível?
Rotina? Este ritmo me permite desenvolver habilidades incríveis, em Cuba jamais tivesse podido operar tantas pessoas em tão pouco tempo, tivesse necessitado 20 ou 30 anos de trabalho. Aqui a gente cresce do ponto de vista profissional, mas, sobretudo, do ponto de vista humano.
*Além de Cuba e Venezuela, a Missão Milagre beneficia populações da Bolívia, Equador, Haiti, Honduras, Panamá, Guatemala, San Vicente e as Granadinas, Guiana, Paraguai, Granada, Nicarágua e Uruguai.