Cinebiografia de Celso Furtado estréia nos cinemas
A obra de José Mariani, que retrata a vida de Celso Furtado, se utiliza da trajetória do próprio economista para traçar um rico panorama da história política brasileira e latino-americana.
Publicado 30/03/2008 10:21
Na próxima sexta-feira, dia 04, estréia nos cinemas o filme O Longo Amanhecer, que traz a última entrevista concedida pelo paraibano Celso Furtado.
Cinco meses antes de morrer (Furtado morreu em novembro de 2004), e, após diversas tentativas do diretor do filme, José Mariani, o economista paraibano deixou-se filmar na entrevista. A estréia é matéria de destaque na edição deste domingo, 30, do Jornal do Brasil.
Ganhador de menção honrosa no festival É Tudo Verdade, em São Paulo, ano passado, O Longo Amanhecer (título emprestado de um dos últimos livros do autor), já foi exibido em diversos festivais, em circuitos restritos e em encontros acadêmicos, com boa repercussão.
Essa divulgação paulatina da obra fez parte de uma estratégia muito particular, um cuidado de Mariani no lançamento do seu filme, que faz um “trabalho de formiguinha”, segundo suas palavras, acompanhando pessoalmente o lançamento do documentário (“para não ficar perdido entre os vários lançamentos que chegam semanalmente aos cinemas”, diz), e priorizando o Nordeste, área com quem seu homenageado, o economista Celso Furtado, tem toda a ligação: Furtado nasceu em Pombal, na Paraíba, em 1920, e foi o responsável pela criação da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), durante o governo JK, em 1959.
“Foi uma homenagem, para não ficar preso a essa obrigação de lançar primeiro no eixo Rio-São Paulo”, disse Mariani.
Celso Furtado formou-se em direito, mas percebeu que era na economia onde poderia ser mais útil. Intelectual de primeira linha, considerado o maior economista brasileiro do século XX, não se escondeu na academia, unindo suas idéias, reconhecidas internacionalmente, ao lado político, por onde chegou a ser ministro de estado duas vezes: em 1962, no ministério do planejamento de João Goulart; e em 1986, quando foi nomeado pelo presidente José Sarney como Ministro da Cultura. “Nunca imaginei ser o que fui. Queria, na verdade, ser escritor de ficção. Mas percebi que meu forte era captar o essencial da realidade. Era onde podia dar mais: através da análise, do ensaio, entender o Brasil”, diz Furtado, na entrevista quatro meses antes de sua morte, em 2004, que serve de linha guia para o documentário.
A idéia para “O Longo Amanhecer” veio depois do trabalho anterior de Mariani, “Cientistas Brasileiros” (2002), documentário sobre o trabalho de dois físicos, César Lattes e José Leite Lopes, pessoas que despertaram a atenção do diretor por ter “um projeto de nação para o país”. A mesma motivação fez Mariani entrar na vida de Furtado. “Temos alguns filmes recente sobre intelectuais como o do Silvio Tendler (Encontro com Milton Santos), mas esse é o único sobre um economista”.
Um tema que, a priori, pode restringir o público, já que economia não é um assunto comum nos cinemas, nem deve despertar a atenção de boa parte dos cinéfilos, ainda mais por ser declaradamente “um filme de idéias”. E os primeiros minutos de “O Longo Amanhecer”, nome retirado de um dos últimos livros de Furtado, não ajudam: a primeira imagem do filme é a do próprio Furtado, seguida por alguns depoimentos de pessoas, apenas com seus nomes, sem explicar quem são, tornando-se pouco atrativos para os leigos em economia.
Mas superada a fase inicial, “O Longo Amanhecer” torna-se um interesse panorama da economia e da história recente do Brasil, sob a linha do pensamento e das idéias de Furtado, apoiado por seu próprio depoimento, que Mariani percebe como quase um “balanço de vida”, já com o economista dando sinais da sua frágil saúde, e principalmente dos seus companheiros e admiradores, invariavelmente colocando Furtado na posição de mestre.
Não há espaço para visões contrárias, mas essa é a intenção (acertada) do diretor: homenagear o homem que soube conciliar seu radicalismo intelectual com seu jogo de cintura do lado político. “Quem quiser ler sobre outra linha de pensamento, é só ler a (jornalista) Miriam Leitão”, dispara Mariani. Basta então ler o trecho do livro homônimo de Celso Furtado, que inspira o título do filme, lançado durante os anos FHC, no qual diz que “em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”, para entender um pouco do que representava a desilusão em Furtado com o mesmo momento recente até hoje ainda celebrado pela jornalista.
O filme inclui depoimentos de Antônio Barros de Castro (ex-presidente do BNDES), Francisco de Oliveira (doutor em Sociologia pela USP), José Israel Vargas (ex-ministro de Ciência e Tecnologia), João Manuel Cardoso de Melo (economista e um dos fundadores da Unicamp), Maria da Conceição Tavares (renomada economista e ex-deputada federal), Osvaldo Sunkel (economista chileno com várias publicadas) e Ricardo Bielschowsky (economista da Cepal).