Carajás: governo do Pará indenizará vítimas do massacre de 1996
Um grupo de 19 sobreviventes e familiares de vítimas do massacre de Eldorado do Carajás será recebido, na tarde desta quinta-feira (17), pela governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), que fará a entrega simbólica de indenizações. Pagas a mando da Justiç
Publicado 17/04/2008 11:51
O governo do Estado pagará um total de R$ 1,2 milhão a esses 19 sobreviventes e familiares em precatórios que variam de R$ 30 mil a R$ 90 mil, cumprindo decisão judicial de 2005 a título de indenização por danos morais e materiais.
A determinação da Justiça também obriga o Estado a pagar, entre outros benefícios, pensões especiais vitalícias e tratamento médico aos sobreviventes. Os valores das indenizações foram determinados conforme a gravidade dos casos e discutidos entre o advogado das vítimas, Walmir Brelaz, e a equipe de governo que negociou o pagamento dos precatórios.
Segundo o advogado, dos 75 feridos sobreviventes do massacre, 50 foram localizados e, desses, 20 já recebem pensões especiais vitalícias do Estado. Outras 30 esperam aprovação de projetos de lei para garantir o benefício.
Pesadelos
Com 36 anos na época, Antonio Alves de Oliveira estava na linha de frente do grupo de sem terra que bloqueava a rodovia PA-150 no dia em que ocorreu o conflito. Foi atingido por três balas, uma no calcanhar direito, outra no joelho direito e outra na coxa. À época, era enfermeiro do trabalho e tem histórico no MST: ''Eu nasci, cresci e vou morrer no movimento'', disse. ''Nós buscamos na Justiça o pagamento dessas indenizações e sei que esse dinheiro não vai nos fazer esquecer nunca daquele dia. Sonho com isso até hoje e nossos filhos também se envolvem, porque passam a sofrer junto com a gente.''
Hoje, aos 48 anos, Antonio diz ainda sofrer com as seqüelas físicas provocadas pelos tiros. Desde 1999, recebe um salário mínimo como pensão, dinheiro que, segundo ele, é insuficiente para manter-se. ''Não posso andar direito, como não posso andar tenho problema na coluna, porque as balas ainda estão alojadas no meu corpo'', afirmou.
José Carlos Moreira tinha apenas 17 anos quando testemunhou o conflito na ''Curva do S''. Estava ao lado dos pais, que integravam o MST. Durante os disparos, recebeu um tiro na cabeça. Até hoje a bala continua alojada no crânio. A pensão que recebe do Estado é a única fonte de renda. ''Por causa dela (bala) tenho problemas de memória e eu não tenho acompanhamento de especialista para amenizar o problema'', destacou ele, que mora no assentamento ''17 de Abril'', onde aconteceu o confronto há 12 anos.
Como José Carlos, outros sobreviventes afirmam que, apesar de a Justiça determinar o pagamento, o ato não vai amenizar o trauma psicológico das vítimas. As viúvas e órfãos foram, de acordo com a Coordenação Estadual do MST, os maiores prejudicados: ''Eu vejo tudo isso como uma desumanidade. Não é porque o Estado vai fazer o pagamento dos precatórios que vamos ficar felizes para o resto da vida. Ainda tenho pesadelos até hoje e os meus filhos, infelizmente, compartilham comigo esse sofrimento. O trauma psicológico nunca vai passar'', destacou.
As vítimas do massacre também alegam que o atendimento médico prestado pela rede pública da saúde na cidade é precário. Júlia Pereira da Silva perdeu o marido, sete meses após o conflito, em conseqüência dos ferimentos. Ela também foi baleada na clavícula durante o confronto entre os sem-terra e a polícia militar. ''As duas médicas que atendem no ''17 de Abril'' tratam mal os pacientes'', declarou.
Para Josimar Pereira de Freitas, 45, somente depois de alguns anos após o conflito com os PMs é que se deu conta do viés político que envolveu o episódio. Pai de cinco filhos, ele levou um tiro na perna durante o confronto e teve fratura exposta. ''Os atos da governadora tem sido de grande solidariedade, mas não apagam a memória e o sofrimento'', comentou.
Manifesto
Cerca de 600 integrantes do vão participar nesta quinta-feira (17), em Belém, de uma marcha pelas ruas da cidade para marcar os 12 anos do massacre de Eldorado do Carajás. A Coordenação Estadual do MST garante que as manifestações serão pacíficas, mas ''contundentes''.
O grupo, que está acampado numa praça no centro de Belém, seguirá rumo ao Ministério Público Federal para protocolar documento, cobrando uma ''ação rigorosa'' do MPF em relação às declarações da imprensa, empresários e entidades patronais que acusam o movimento de ser ''criminoso''.
''A Constituição garante que qualquer movimento faça as suas reivindicações. Apoiamos o Movimento dos Garimpeiros, em Parauapebas (Sudeste do Pará) e é uma inverdade dizer que eles ocuparam a ferrovia da Vale'', declarou Ulisses Manaças, coordenador estadual do MST, referindo-se à declaração do presidente da Vale, Roger Agnelli, que condenou o movimento e os seus integrantes, os quais classificou de ''criminosos''.
Jornada de lutas
Em Brasília, na manhã desta quinta, um outro manifesto será divulgado como parte da Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária do MST, que já chegou a 17 estados do país. Apesar da ampla campanha na mídia para criminalizar o movimento, o MST segue firme e com grande adesão às suas manifestações. Contra a mídia e o latifúndio, e em defesa da reforma agrária, o movimento divulgou a nota “Por que estamos em luta?”.
Veja abaixo a íntegra do documento:
Por que estamos em luta?
A reforma agrária está parada. Cresce a concentração fundiária, os assentamentos não recebem apoio efetivo, aumenta a violência contra os sem-terra e a impunidade dos latifundiários e do agronegócio. O Massacre de Eldorado de Carajás é o principal símbolo do descaso do Estado brasileiro com os trabalhadores rurais, com o povo brasileiro. Depois de 12 anos da chacina que assassinou 19 trabalhadores rurais, no município de Eldorado de Carajás, no Pará, no dia 17 de abril de 1996, pouco mudou para os sem-terra.
150 mil famílias continuam acampadas, as empresas do agronegócio avançam sobre o território brasileiro, conquistando terras que deveriam ser destinadas às trabalhadoras e trabalhadores rurais. O governo tem dado prioridade ao agronegócio. Só o Banco do Brasil emprestou 7 bilhões de dólares para 13 grupos econômicos, enquanto nossos assentamentos não recebem investimento suficiente.
Estamos nesta semana fazendo ocupações de terras, marchas, acampamentos, manifestações e protestos, em sedes de bancos públicos, secretarias e órgãos de governos federal e estaduais, em todas as regiões do país, cobrando assentamentos das famílias acampadas e por investimento nas áreas de assentamento para ampliar a produção e para a construção de habitações rurais.
A Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária do MST, neste mês de abril, denuncia a lentidão da reforma agrária, os efeitos negativos do agronegócio e apresenta propostas para reverter a situação. Precisamos mudar a política econômica vigente, que beneficia as grandes empresas e o capital financeiro, enquanto a população sofre com o desrespeito dos seus direitos sociais, previstos na Constituição, e com a falta de políticas públicas efetivas para enfrentar a desigualdade e a pobreza.
O Brasil está atrasado no processo de democratização da terra e na organização da produção para garantir a sustentabilidade dos pequenos e médios agricultores. Não podemos admitir a perpetuação do latifúndio, símbolo da injustiça no campo, tanto improdutivo como produtivo. A nossa jornada de lutas apresenta propostas de desenvolvimento para o campo brasileiro, defendemos um projeto de geração de emprego, com promoção de educação e saúde. Por isso, nessa jornada exigimos do governo federal:
1- Retomada das desapropriações de terra e assentamento das famílias acampadas por todo o país. Famílias de trabalhadores rurais permanecem anos e anos embaixo da lona preta na luta pela reforma agrária:
– Plano emergencial de assentamento de todas as 150 mil famílias acampadas
– Alteração dos índices de produtividade
– Criar um mecanismo que acelere os trâmites internos para os processos de desapropriação
– Aprovação do projeto de lei que determina que as fazendas que exploram trabalho escravo sejam destinadas para reforma agrária
– Destinar áreas hipotecadas no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal para a reforma agrária
2- Criação de uma linha de crédito específica para assentamentos, que viabilize a produção de alimentos para a população das cidades. O Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) não considera as especificidades das áreas de reforma agrária. A burocracia dificulta que as famílias assentadas tenham acesso ao programa.
O Incra, como instrumento do governo, deve criar uma nova linha de crédito com o objetivo de criar as condições estruturais de produção e de infra-estrutura social, na modalidade de fomento, para estruturar os assentamentos nos primeiros anos, incentivando formas comunitárias de associação. Defendemos também a criação de um novo crédito bancário para estruturação da base produtiva nos assentamentos. O governo deve garantir a aquisição de toda a produção, por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), com preços justos e seguro agrícola.
3- O MST vem desenvolvendo junto com o Incra, em parceria com a Caixa Econômica Federal, um programa de reforma e construção de casas no meio rural e em especial nos assentamentos de reforma agrária. O total da demanda para a habitação rural para 2007 era de 100 mil unidades, de acordo com o grupo de trabalho composto por movimentos sociais. O governo prometeu conceder crédito para a construção de 31 mil unidades até o final do ano passado. Até agora, foram contratadas apenas 8 mil unidades, sendo que somente 2 mil foram destinadas para assentamentos.
Por isso, reivindicamos a contratação de todos os projetos que se encontram na Caixa Econômica Federal até julho de 2008 e o atendimento da demanda de 100 mil habitações rurais para o ano de 2008. Pedimos também a criação de um programa específico de habitação rural, desburocratizado e que atenda as especificidades do meio rural, coordenado pelo Incra em parceria com os movimentos sociais que atuam no campo para atender todas as famílias assentadas.
O Brasil precisa de um novo modelo agrícola, que dê prioridade à agricultura familiar voltada ao mercado interno, aos pobres do país. Com isso, vamos garantir a nossa soberania alimentar e produzir comida para os 80 milhões de brasileiros que não têm acesso suficiente aos alimentos. A reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar é uma premissa fundamental para a construção de um país com justiça social e soberania popular.
Direção Nacional do MST