Em matéria da Carta Capital, erros típicos do PIG

Em artigo no site da Revista Fórum, o jornalista Kerison Lopes critica a matéria “O êxodo das cordas”, publicada na Carta Capital. Ele diz que a reportagem comete falhas graves ao abordar a contrat

Por Kerison Lopes

 

A jornalista Ana Paula Sousa, editora de cultura da Carta Capital, comete erros graves em reportagem publicada na última edição da revista. A matéria “O êxodo das cordas”, publicada em 11/04/2008, que mereceu quatro páginas, fala da presença de músicos estrangeiros recém-contratados pela Orquestra Sinfônica do Estado de Minas Gerais.

  

Em tom emocional, a jornalista conta a realidade de músicos eruditos que imigraram do Leste Europeu para tocarem em Minas, em escrita minuciosa e com a conhecida qualidade de texto, peculiar da autora e do periódico. Os aspectos positivos param por aí. Na prática, foi uma matéria que deixa várias pulgas atrás da orelha, como se diz aqui nas Gerais.

  

A formação da tal Orquestra daria uma longa matéria à parte (aliás, publiquei junto com o jornalista Pedro Venceslau uma reportagem sobre o tema na última edição impressa da revista Fórum). Na essência, o objetivo seria aplicar o projeto do governador Aécio Neves (PSDB) moldado para a música erudita. Seguindo a lógica do alardeado “choque de gestão”, a intenção era transformar a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, que é pública e tem 30 anos, em uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), nos moldes do que foi feito com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

  

Apesar de todo o esforço e propaganda, sob o comando da secretaria de cultura, nem tudo saiu como o programado no script. A Associação dos Músicos da Orquestra Sinfônica (Amos-MG) não concordou com a mudança, principalmente com a proposta de abandonarem a carreira do Estado, conquistada através de concurso público, e passarem a ser celetistas (regidos pela CLT). Depois de dois anos de negociações, tiveram como último recurso recorrer pelas vias judiciais.

  

Até agora, os músicos foram vitoriosos e o Tribunal de Justiça concedeu liminar favorável à Ação Popular movida pela Associação, não só mantendo-os como funcionários públicos, mas também “assegurando a manutenção do nome da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais vinculada ao Estado. Com isso, todo o processo iniciado bem como a permanência de seus músicos instrumentistas a ela vinculados”, como diz a sentença. Assim, 41 músicos, a maioria, permaneceram na Orquestra pública.

  

Com a inesperada decisão judicial, o maestro Fábio Mechetti foi obrigado a fazer audições para contratação de novos músicos, inclusive estrangeiros, para completar o quadro com os que aceitaram migrar para a OSCIP.

  

Talvez devesse começar por aí a matéria de Carta Capital, mas ela nem citou este “irrelevante” detalhe. Quanto às audições, poderia abrir um capítulo à parte, pois em processo no Tribunal de Justiça, de nº 024.07.565.316-2, foi concedida uma liminar em favor da Associação de Músicos que determinava “…suspensa a eficácia da audição realizada para contratação de músicos… e para que cessem as inscrições e procedimentos relativos a audições…”.

  

Esta liminar foi descumprida em 16/12/2007, quando de fato foi realizada audição nas dependências da Fundação de Educação Artística, tendo o ICOS, na pessoa de Diomar Silveira, sido autuado pelo Oficial de Justiça.

  

Voltando à matéria da Carta Capital, não houve o cuidado mínimo de apuração, pois as ações judiciais foram todas omitidas pela jornalista, que contou empolgada do sucesso das audições. Ao contrário das maravilhas que Ana Paula conta, o que se viu em audições realizadas pela OSCIP foram cenas dignas de uma comédia, com jurado fugindo pela janela para se esconder do oficial de justiça que levava a proibição para realizar a seleção.

  

A própria nova Orquestra, tão elogiada na matéria, teve um início que mistura tragédia e comédia, digna de uma falcatrua. A artimanha encontrada pela área cultural do governo mineiro para burlar a decisão judicial foi incluir às pressas um “E”, a inicial de Estado, criando assim a nova “Orquestra Sinfônica do Estado de Minas Gerais”, nome que vem sendo usando até hoje. Naquele momento, a Justiça não aceitou o jeitinho encontrado e aplicou uma multa de 50 mil reais para os responsáveis, entendendo que houve um descumprimento de ordem judicial.

  

As sucessivas omissões poderiam ser fruto de displicência, não fosse o fato da jornalista ter realizado uma entrevista com um membro da Associação dos Músicos, quando ouviu atentamente todo o caso e combinou de um futura conversa, que até hoje não aconteceu.

  

Mesmo se não quisesse, tratar das questões polêmicas já citadas, a jornalista poderia aproveitar para ouvir o outro lado se defender de uma acusação grave que o maestro Fábio Mechetti faz na matéria: a de que em Minas não existem bons músicos de cordas e por isso foi buscar fora do país. Podia ouvir o próprio músico que entrevistou, pois como violoncelista ele teria a oportunidade de defender o seu trabalho e de seus colegas e contar que não foi excluído de qualquer Orquestra por qualidade musical e sim pela opção em permanecer na carreira do estado e numa Orquestra pública.

  

Aliás, quanto a comparar músico brasileiro e os que têm vindo para cá oriundos do Leste Europeu, Ana Paula poderia fazer um pequeno exercício de memória, ou consultar os seus próprios arquivos sobre o tema. Em matéria em que assinou, intitulada “Desafinação geral”, publicada no site da Carta Capital em 14/03/2008, a jornalista conta como foram as contratações na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, quando montada em março de 1997, como no trecho a seguir:

  

 “A reformulação incluiu testes de seleção para os integrantes da orquestra e a 'importação' de instrumentistas. De acordo com a dissertação de mestrado do oboísta Arcádio Minczuk, defendida na Unesp, essa operação “ficou conhecida, entre os integrantes da orquestra, como buscaresto, trocadilho com o nome da capital romena Bucareste, combinado com a necessidade de completar o restante do quadro da orquestra”. Enquanto isso, antigos músicos, de reconhecida competência, pegaram o boné e foram embora”, denunciava a repórter, na matéria publicada há apenas um mês, que falava sobre o processo de reestruturação da OSESP, molde que serve de inspiração para a criação da OSEMG.

 

 

É só conversar com cada músico que permaneceu na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, ou com qualquer referência musical mineira, para se ouvir críticas severas aos músicos importados, ou “buscaresto”. Mas a matéria ficou só com a fonte oficial, novamente o maestro Fábio Mechetti. Tenho uma enorme curiosidade de saber de Ana Paula as diferenças de cada processo – o mineiro e o paulista -, que a levou a enxergar com olhos tão diferentes dois fatos tão semelhantes.

 

 

Publicado no site da Revista Fórum (17/04/2008)