Mais Marias contra a violência
Em seu artigo semanal para o Jornal Pequeno(São Luís) o deputado federal Flávio Dino destaca a iniciativa da Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão, que aproveitou a última Semana da Mulher para lançar a cartilha “Lei Maria da Pen
Publicado 17/04/2008 12:21 | Editado 04/03/2020 16:48
Em 1983, a biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia escapou da morte por duas vezes em duas semanas. Na primeira, levou um tiro nas costas e ficou paraplégica; na segunda, quase foi eletrocutada enquanto tomava banho. Seu agressor morava debaixo do mesmo teto – o marido. As duas tentativas de homicídio levaram Maria a tomar coragem para se separar, após um histórico de agressões e ameaças. Ela denunciou o ex-marido à polícia e as investigações começaram no mesmo ano, mas foi preciso lutar por duas décadas para que ele finalmente fosse preso, em 2002.
Hoje, aos 62 anos, Maria dá nome ao mais importante instrumento de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil – a Lei Maria da Penha, sancionada pelo presidente Lula em 7 de agosto de 2006. Uma lei que só virou realidade pela insistência das mulheres na busca por Justiça.
O caminho foi longo até o término do processo na Justiça. Em 1998, Maria decidiu apelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciando que, passados 15 anos da agressão, ainda não havia nenhuma decisão final pelos tribunais nacionais e o agressor continuava em liberdade. Foi a primeira vez que a OEA examinou uma denúncia de crime por violência doméstica.
A OEA responsabilizou o Estado brasileiro por negligência. A denúncia acabou revelando ao mundo que havia um padrão sistemático de omissão no país em relação às agressões contra a mulher.
Mesmo com a Lei Maria da Penha em vigor há quase dois anos, milhares de mulheres continuam sendo agredidas e até mesmo assassinadas pelos companheiros, dentro das próprias casas, sem que estes sofram punição. Segundo pesquisa DataSenado de 2007, divulgada pelo Portal da Violência contra a Mulher,15 em cada 100 entrevistadas já sofreram algum tipo de violência. Um levantamento realizado junto à Central de Atendimento das Casas Abrigo no Brasil, que recebem esse tipo de vítima, apontou que somente em julho de 2007 foram realizadas 20.385 ligações para o serviço, 94% relacionadas à violência doméstica. Os índices são ainda maiores, uma vez que apenas 40% das vítimas registram ocorrência na polícia. E isso mesmo já existindo no país mais de 380 Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher.
É esse silêncio, tanto das autoridades quanto das mulheres agredidas, que precisamos superar, daí a inovação da Lei Maria da Penha, que além de estipular penas de prisão para os agressores, introduz uma nova forma de tratar esse tipo de violência, que envolve ações articuladas da União com os governos estaduais, municipais e também com o Poder Judiciário.
Daí o acerto e a importância de iniciativas como a da Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão, que aproveitou a última Semana da Mulher para lançar a cartilha “Lei Maria da Penha – o que toda mulher deve saber”. Ela explica o conteúdo da lei em linguagem simples e acessível, informando as mulheres sobre seus atuais direitos à proteção e também como ter acesso aos mecanismos de defesa contra os agressores.
A cartilha começa agora a ser distribuída à sociedade civil organizada e instituições como prefeituras, delegacias, igrejas e Conselhos Tutelares.
Na comarca da Raposa, por exemplo, a juíza Marilse Carvalho Medeiros distribui as cartilhas em palestras sobre a Lei Maria da Penha nas colônias de pescadores e escolas do município, que registra, segundo ela, muitos casos de violência contra a mulher. O corregedor-geral da Justiça, desembargador Jamil Gedeon, comprometeu-se a promover ações do gênero em todas as comarcas do Maranhão, para que as pessoas saibam que têm direitos nesse tipo de situação.
Ao mesmo tempo, ele vem construindo uma proposta de unificação das representações relativas à Lei Maria da Penha. A nova lei estabeleceu condutas em favor da vítima que se iniciam na delegacia, onde é formalizada a denúncia e identificada a intensidade dos fatos, e depois são encaminhadas ao Ministério Público e à Justiça, onde o magistrado determina as providências necessárias para a proteção da mulher. A idéia é unificar os procedimentos em todo o estado no que tange ao atendimento, encaminhamento e tomada de medidas de proteção à mulher vítima de violência, para que sejam tratados com prioridade pelos juízes.
Vivemos, assim, um momento positivo na luta pela consolidação dos direitos da mulher: o país tem uma lei específica para punir a violência doméstica e familiar, o Judiciário se engaja nas campanhas de divulgação e adoção de práticas formais que ampliem cada vez mais a aplicação dessa lei e a comunidade está sendo chamada a usufruir dela. É preciso manter acesa a chama da indignação, transformando-a em permanente mobilização de milhões de Marias contra a violência.