Opinião:
Do Ambientalismo Selvagem ao Ambientalismo Científico

Nas últimas décadas, com o surgimento das teorias ambientalistas modernas, os marxistas também militantes desta área têm amargado as críticas relativas à experiência ocorrida no chamado socialismo real, no Leste europeu, na China e em outros

* Sérgio Macedo


 


Para ilustrar, o texto da respeitável Doutora Annelise Steigleder, Procuradora do Ministério Público Federal, e professora da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul: “Sem qualquer pretensão de examinar a potencialidade do socialismo, como filosofia, de enfrentar as questões ambientais, pode-se constatar, pela experiência prática dos países que adotaram o regime socialista, que, apesar de todas as diferenças entre as economias ocidentais dominantes pelo mercado e as economias socialistas e suas respectivas ideologias, quando existe a necessidade de tomar-se uma atitude quanto ao mundo natural, suas visões são surpreendentemente semelhantes. Agrega-se, portanto, à questão da titularidade sobre os recursos ambientais o modelo de desenvolvimento adotado e as concepções a respeito do progresso, desenvolvimento e crescimento.



Franco refere que tanto o modelo capitalista como o modelo de acumulação socialista coletivista (este corresponde à concepção e à forma de organização da sociedade, que prevaleceu nos países ex-comunistas) baseava-se: ‘na acumulação material de riqueza, que utilizava o trabalho como principal fator de criação dessa riqueza, e que incorporava elementos naturais e capital como fatores geradores, quando objeto de trabalho, da riqueza material. E davam prioridade, como fim e como meio, à criação da riqueza, entendida como satisfação de necessidades econômicas puramente materiais através de bens e serviços adequados, aferindo o grau ou nível de desenvolvimento pela acumulação de capital que era suscetível de produzir bens materiais e o ritmo de crescimento pelo rendimento econômico medido por critério puramente materiais.’



Desta forma o modelo socialista teria a mesmo lógica de apropriação dos recursos ambientais do modelo fundado no capitalismo: ‘em vez do lucro, a acumulação material de bens; em vez da decisão empresarial, a decisão planificada do Estado; em vez da propriedade privada e dos seus mecanismos (…) a decisão autoritária do Estado (…) E sempre o objetivo de aumentar a produção material a todo o custo e apenas como tal (…) indiferente à qualidade de vida e às necessidades humanas vitais.’



Nesta parte o autor citado por Annelise, Antônio de Sousa Franco, em que pese fazer uma análise mais ou menos correta sobre a forma de acumulação ocorrida em alguns países socialista, e o desprezo que este tiveram que ter pela preservação ambiental, comete dois equívocos importantes: Primeiramente, esqueceu de considerar o autor que estes países, ao contrário do previsto por Marx e os demais intelectuais comunistas, o socialismo surgiu em países atrasados, o que demandou um esforço grandioso, para retirar estas nações do subdesenvolvimento, colocá-los em um patamar de igualdade com os países industrializadas, e prepará-los para enfrentar a ameaça bélica que efetivamente os ameaçava interna e externamente. Por outro lado, os bens produzidos ditos pelo autor como materiais não tinham o caráter de supérfluos, mas tratavam-se de bens materiais essenciais para consumo da população, bens da indústria de base, além da indústria bélica.



O segundo equívoco do autor foi afirmar que o socialismo foi “indiferente à qualidade de vida e às necessidades humanas vitais.”



Não há na história da humanidade regime que mais tenha se preocupado com as necessidades humanas vitais do que o socialismo. Na União Soviética, em Cuba e na China, nos primeiros 5 a 10 anos de regime foram zerados os problemas de analfabetismo, assistência médica, falta de moradia, e desemprego, coisa que ainda hoje ocorre nos países capitalistas mais desenvolvidos do planeta.
Segue-se com a citação da Dra. Annelise Steigleder: “Por conseguinte, percebe-se que os problemas ecológicos não são exclusivos do modo de produção capitalista, e se verificam com intensidade em partes do mundo onde a concepção de propriedade privada era rechaçada. Isso ocorre porque também nestes locais vige o paradigma antropocêntrico-utilitarista, típico da modernidade, satisfação exclusiva de necessidades humanas, mas que, ao final, paradoxalmente, acaba conduzindo para o exaurimento dos recursos naturais e para a miséria.



A degradação ambiental depende, portanto, do progresso de industrialização, e não do sistema econômico dito. Ademais, Marx e Engels adotaram muitas crenças da economia clássica e do pensamento ocidental, na maneira como trataram os recursos ambientais, argumentando que o “valor” de qualquer produto advinha da quantidade de trabalho humano dele despendido. Não havia, portanto, qualquer preocupação com a qualidade ambiental global ou com o esgotamento dos recursos.”



Desta feita é a própria competente promotora quem se equivoca, em parte por desconhecimento profundo da teoria do valor, em parte por não ter intimidade com o pensamento dos referidos pensadores sobre a relação do homem com o planeta.
Veja-se primeiramente quanto à questão de que supostamente os pensadores maiores do marxismo não manifestariam “qualquer preocupação com a qualidade ou com o esgotamento dos recursos” do planeta. Marx em O Capital revelava tal preocupação ao afirmar: “Do ponto de vista de uma formação econômica superior, a propriedade privada de certos indivíduos sobre o globo terrestre parecerá tão absurda quanto a propriedade privada sobre outro indivíduo. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, mesmo todas as sociedades coesas em conjunto não são proprietárias da Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e como boni patres familias devem legá-la melhorada às gerações posteriores”.



Quanto ao fato dos bens ambientais não interferirem no valor das mercadorias, dos produtos esta era uma realidade concreta que foi apenas constatada por Marx na teoria do valor. Não foram os marxistas que construiram esta realidade, mas era o Sistema Capitalista que estava sendo analisado por Marx. Culpar Marx por não considerar os recursos ambientais na teoria do valor é como responsbilizar Oswaldo Cruz pelos efeitos do tripanosoma cruzi, por ele descoberto, sobre o organismo humano.



De qualquer sorte, uma verdade há nas formulações dos ambientalistas modernos. As experiências práticas do socialismo real não tiveram, ou verdade seja dita, não puderam ter a devida preocupação com o meio ambiente que seus princípios filosóficos exigiam. Esta situação ocorreu por diversas razões, a primeira e principal delas já foi abordada, qual seja pelo atraso social em que ocorreram as revoluções socialistas, o que obrigou estes países a se jogarem em planos de desenvolvimentos desesperados para satisfazer as condições mínimas de dignidade de seus povos, e, ao mesmo tempo, defenderem-se das agressões externas, provocadas pelo imperialismo, das quais eram vítimas constantes.



O que não pode ser esquecido é que todos os direitos sociais remotos ou modernos são filhos legítimos do marxismo e dos movimentos sociais que antecederam e sucederam a Revolução de Outubro de 1917.



Os chamados Direitos de Terceira Geração, tais como o Direito do Consumidor e o Direito Ambiental têm seus princípios e fundamentos profundamente enraizados nas conseqüências da Revolução Russa. Suas principais conseqüências que são as Encíclicas do Papa Leão XIII e o Estado do Bem-Estar Social.



A doutrina que inspira o ambientalismo moderno foi formulada a partir do final dos anos 70 início da década de 80, e se fundam principalmente nos seguintes princípios: Princípio da supremacia do poder público sobre o privado, princípio do uso social da propriedade, princípio da transversalidade, princípio da intervenção estatal obrigatória e os princípios da prevenção e da precaução.



A exceção destes dois últimos, da prevenção e da precaução que são eminentemente técnicos, específicos e relativos a questão ambiental, ainda que possam ser empregados para outras esferas da ciência, todos os demais têm suas raízes no marxismo, suas origens ou suas conseqüências.



O Princípio da Supremacia do Poder Público Sobre o Privado, por exemplo. Veja-se o que vigorava no século XVIII? O fim do absolutismo e a ascensão da burguesia, da livre iniciativa e o império das leis de mercado. O estado como regulador da atividade econômica, como provedor das necessidades do cidadão que era forte e poderoso no absolutismo encolheu. O que imperava eram as leis de Mercado e a famosa expressão francesa: laissez faire. A iniciativa privada podia tudo, sem prestar contas a ninguém: Pagava o salário que queria, impunha a jornada de trabalho que pretendia, e poluía a vontade. Tanto que no rio Tamiza e o rio Sena no século XIX não havia um só peixe. Séculos foram marcados por epidemias e pestes.



A propriedade privada era absoluta. Um homem cercava um pedaço de terra e dizia que ela lhe pertencia desde o céu até o inverno. E, ali, tudo podia fazer, sem que ninguém, nem mesmo o Estado ou a polícia podia interferir, inclusive promulgar leis, derrubar arvores, poluir rios e córregos, depositar qualquer tipo de resíduo, emitir todo tipo de efluentes gasosos.



Foi somente com os movimentos sociais dos séculos XIX e XX, que culminaram com a Revolução de Outubro de 1917 que esta situação começou a mudar. A Igreja Católica, através do Papa Leão XIII, fez publicar encíclicas, as quais apelavam aos governos do mundo para tivessem uma maior atenção para com os pobres e os trabalhadores (antes que o comunismo ateu tomasse conta da humanidade). O temor ao avanço do socialismo fez surgir, principalmente na Europa ocidental, o chamado Estado do Bem-Estar Social, que protagonizava um “capitalismo esclarecido”, ou supostamente “menos selvagem”, com a regulação da jornada de trabalho, uso social da propriedade, intervenção do estado sobre excessos praticados pelo particular contra a sociedade.



Portanto, estes princípios do Direito Ambiental não saíram da cabeça dos doutrinadores modernos, foram apenas reformulados por estes. A genese desta doutrina tem sua origem, isto sim nas lutas sociais e nas revoluções socialistas dos séculos XIX e XX, inspiradas no marxismo-leninismo. O princípio da intervenção estatal obrigatória é outra decorrência dos princípios anteriormente enumerados.
O Princípio da Transversalidade, por sua vez, informa segundo os doutrinadores do ambientalismo moderno, que o fenômeno ambiental, por sua natureza intrínseca, deve ser apreciado não apenas por um mas por vários ramos da ciência, sob pena de se ter uma visão viciada, caótica do evento. Assim quando ocorre uma queda de barreira em estrada por erosão, por exemplo, o caso não merece atenção apenas de engenheiros e geólogos, mas também de outras áreas como sociólogos, médicos, psicólogos, antropólogos, a fim de avaliar impactos periféricos do fenômeno. Os teóricos ambientalistas modernos pensam ter descoberto a América ao formular tal princípio, desconhecendo a Lei da Filosofia Materialista, que inspira o Marxismo, pela qual na natureza, no cosmos nada existe isoladamente, tudo se relaciona, portanto fenômeno algum poderá ser analisado pela ótica de um só ramo do conhecimento.



Consequentemente, não se pode dizer que o marxismo não tenha contribuído para a gênese do ambientalismo moderno, muito menos que a experiência prática do socialismo real não tenha sido indiferente à qualidade de vida e às necessidades humanas.



Correta é, todavia a idéia de que as experiências socialistas do passado não tiveram uma preocupação maior com a proteção do meio ambiente, e que esta foi, entre outros, um dos equívocos, justificáveis ou não daquelas experiências.
Para o futuro, correta a posição contida no documento que vem sendo discutido pelo PC do B no Seminário Nacional sobre Meio Ambiente, ocorrido nos dias 10 e 11 de abril do corrente, o qual faz a seguinte proposição: “58. O Brasil necessita se desenvolver, gerar riquezas, emprego para enfrentar os problemas sociais existentes em nossa sociedade. Todavia o desenvolvimento a qualquer preço, sob a alegação de que o País necessita crescer, não conta com o respaldo do PCdoB. Também não conta com o nosso apoio uma defesa do meio ambiente que seja entrave ao desenvolvimento do país.



59. Para o PCdoB a solução estrutural deste problema só virá com a adoção de um novo sistema social, o socialismo renovado. Todavia temos que dar passos para chegar lá. Assim o nosso caminho imediato é o da sustentabilidade democrática, visando aprofundar o processo de mudanças que está em curso no País e o Projeto Nacional de Desenvolvimento que gere emprego, valorize o trabalho, a nossa cultura e preserve o meio ambiente. Para isto torna-se necessário que a questão ambiental seja incorporada ao Projeto Nacional de Desenvolvimento como uma vertente verdadeiramente importante.”



Há de se ter presente e de forma muito consciente, que há uma relação muito clara entre o modo de produção capitalista, que visa o lucro máximo e o custo mínimo, e a crise ambiental que para sua solução exige, além de criatividade, pesados investimentos em tecnologia e pesquisa.



A luta que os comunistas têm pelo caminho na defesa do meio ambiente é árdua e prolongada. Não menos do que outras que viemos enfrentando através de décadas. Podemos dizer que é mais uma frente da mesma luta. A luta pela sociedade socialista que tem por objetivo o desenvolvimento pleno do homem e da humanidade.



Devemos ainda aproveitar as críticas que tem sido feitas às experiências inexitosas do socialismo real para com o meio ambiente para construirmos uma proposta ambientalista marxista para o futuro. Devemos ter claro, também que o que nos diferencia dos outros grupos políticos que caminham nesta luta por melhorias das condições ambientais é que nós temos a oferecer o resultado definitivo para o problema, que é a sociedade socialista.


 


*Advogado, Responsável pela área de Meio Ambiente do CR/RS