Dengue: É necessário investir na prevenção

A epidemia de dengue hemorrágica no Ceará está só começando. O infectologista Ivo Castelo Branco alerta que, de cada 63 casos de dengue clássica confirmados no Estado este ano, um é de dengue hemorrágica. ´A tendência é que esses números cresçam até o fim

Ivo Castelo Branco é professor do Comitê Nacional de Dengue do Ministério da Saúde e pesquisador em dengue pela OMS e defende que a dengue clássica seja conduzida pelos serviços primários.



Um documento foi elaborado, sob sua coordenação, prevendo medidas contra a dengue. Por que as propostas não foram adotadas?


O documento existe há três anos, mas faltou vontade política para implantá-lo. Ele foi elaborado por técnicos do governo estadual e municipal baseados nos cursos que ministro para profissionais no Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará (UFC). O documento contém estratégias que seriam tomadas se, hipoteticamente ocorresse uma epidemia em sua região de trabalho, baseados na sua realidade. Como saíram muitas idéias estas sugestões foram disponibilizadas a dirigentes e governantes de todos os municípios de onde estes profissionais eram oriundos. A Prefeitura de Fortaleza lançou o seu plano, com televisão e pompas, na época do Juraci Magalhães. Acredito que este documento deva estar em algum arquivo da Prefeitura. O documento do Estado está na Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) com sugestões que poderiam ser adaptadas as condições de cada região.


 


A epidemia de dengue hemorrágica vai piorar?


Estamos tendo a cada 63 casos de dengue clássica, um caso de febre hemorrágica da dengue (FHD). No ano passado, eram 85 casos de dengue clássica para um de FHD. O problema é que só estamos começando os casos de FHD de 2008. Se houver a evolução dos anos anteriores, os casos de dengue hemorrágica vão continuar aumentando até a chuvas pararem.


 


Como deve ser o atendimento dos pacientes com dengue?


Em todo lugar do mundo o atendimento de dengue deve ser centrado no primário. Isto porque, de cada 100 casos de dengue, 70 poderiam ser resolvidos com um atendimento primário num posto de saúde; 25 com atendimento secundário, nos quais seria necessária a realização de exames; e apenas 5 necessitariam de atendimento terciário, com internação imediata. Infelizmente, nossa estrutura de saúde agora é que esta mudando neste sentido, mas ainda necessita melhorar, pois, com a epidemia, tem que funcionar 24 horas, domingos e feriados.


 


Se os casos de dengue clássica podem ser tratados em postos, porque a população corre aos hospitais?


Nos surtos a população corre para as emergências, tanto nos serviços públicos como nos privados, seja porque o primário não existe ou não confia nele. Acontece que não há UTI para todo mundo e essa superlotação faz com que muitos casos que poderiam ter sido evitados com o atendimento primário evoluam para um quadro mais grave por falta de um bom atendimento. O dengue clássico deve ser conduzido pelos serviços primários e a população orientada para isto, deixando os serviços mais complexos para os doentes graves.


 


Como diagnosticar um caso de dengue, se é clássica ou hemorrágica?


O grande segredo da dengue é que, quando alguém pega a doença, não se sabe se ela vai evoluir para a forma hemorrágica. Todos os pacientes se queixam inicialmente de febre súbita, dor de cabeça, muita dor nas juntas, um quadro infecioso muito parecido com o de outras doenças. A diferença da dengue hemorrágica para o tipo clássico aparece entre o terceiro e o sexto dia, quando a febre baixa e o paciente tende a ficar melhor. Porém, se, em vez disso, ele começar a sentir sintomas como muita dor na barriga, desmaios, vômitos, suadeira fria, pressão baixa, falta de ar e tosse constante, é grande a chance de ser dengue hemorrágica. Se eu atender bem o paciente nessa fase, antes de ele começar a ter hemorragia, consigo dar um bom tratamento e reduzo a letalidade a menos de 1%.


 


Na sua opinião que ações devem ser tomadas agora para evitar nova epidemia de dengue em 2009 e nos próximos anos?


O envolvimento de todos os seguimentos da sociedade para evitar que hajam focos de proliferação do mosquito. Da mesma forma que cada um de nós não permite que hajam ratos, baratas, formigas, etc em nossos domicílios e não ficamos esperando por outras instância para resolver estes assuntos, devemos também não permitir que haja Aedes aegypti. Os governos devem continuar dando diretrizes para controle no vetor, independente de haver casos ou não, chuvas ou não, sem solução de continuidade por pelo menos dez anos, para pensarmos em controle da doença. As estratégias devem ser baseadas nas características de cada região pois medidas que possam ser efetivas na Aldeota nem sempre podem ser na Serrinha ou o contrário. Não dá para se estabelecer uma única estratégia. Portanto, devemos trabalhar com indicadores por bairros e regiões semelhantes, nunca por médias de cidades.


 


Fonte: Diário do Nordeste