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Argentina vê crescimento de 2008 ameaçado pela inflação

A economia argentina desafia os analistas econômicos com seus índices asiáticos de expansão – entre 8% e 9% anuais nos últimos cinco anos. Mas convive há mais de um ano com uma persistente (e crescente) inflação. Agora já há sinais de que a inflação está

A inflação oficial, medida pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), é de apenas 1% ao mês. Mas economistas e analistas independentes estimam o índice real entre 2,75% e 3% ao mês. O Indec está sob intervenção desde janeiro de 2007 e suspeita-se que o IPC esteja sendo manipulado.



Do lado da produção, a atividade industrial vem perdendo ritmo este ano. Caiu pela metade em março, quando, devido aos protestos dos agricultores, a indústria de alimentos recuou 10,1%, puxando a média para baixo. É prevista uma reação em abril, mas a perspectiva para o ano não é boa, com a chegada do inverno. Na mesma época em 2007, as empresas foram forçadas a desligar máquinas para economizar energia. Desde então, segundo um levantamento da IES Consultores, a produção de energia elétrica subiu apenas 4,1%; já a gás caiu 1,4%, e a de petróleo baixou 2,5%.



Do lado da demanda, as vendas em shopping centers caíram 3,4% em março, a primeira queda em mais de um ano. Já as vendas nos supermercados estão subindo de 20% a 27% mensais desde outubro.



Porém há outros sinais ainda não captados ou divulgados pelos órgãos oficiais. Um exemplo, segundo o economista Jorge Vasconcelos, da consultoria Fundação Mediterrânea, são os contratos de aluguéis comerciais. Pela lei argentina, aluguéis comerciais têm prazo mínimo de três anos. “Os contratos que estão vencendo este ano são de 2005, quando a inflação era baixíssima. Como a indexação é proibida, ninguém sabe como renovar por mais três anos com a inflação atual”, diz Vasconcelos.



“O descontrole da inflação traz incertezas a empresas e investidores e cria imprevisibilidade nas negociações salariais”, disse o economista Federico Marongio, do Centro de Políticas Públicas para o Crescimento (Cippec). Por ora, o crescimento não está sendo interrompido, diz o economista Miguel Kiguel, da consultoria Econviews. Mas ele alerta que, se não mudar de postura e enfrentar o problema, o governo pode ser vítima de um “efeito boomerang”, em que a inflação se voltará contra o PIB.



Economia e política



O ex-ministro da Economia, Martin Lousteau, demitido na semana passada, sabia que a inflação se tornou um problema grave e queria que o governo controlasse o pouso da economia. Chegou a dizer em público, em discurso num evento de microcrédito na última terça, que o país deveria crescer 5,5% a 6% anuais por dez anos para recuperar a renda per capita – ou seja, menos que os atuais 8% a 9%.



No lugar de Lousteau entrou Carlos Fernández, um economista especializado em contas públicas que acompanha o casal Kirchner desde que eles chegaram ao poder e há apenas um mês havia assumido o comando da Afip, a Receita Federal argentina.



Mas ninguém espera que Fernández tenha um plano para conduzir a economia do país porque, na realidade, desde 2005, a Argentina tem um único ministro: Néstor Kirchner. É ele quem conduz a política econômica, e seu principal operador não é o ministro de turno (quatro já passaram pela pasta), mas sim o Secretário de Comércio, Guillermo Moreno, que recebe ordens diretamente do ex-presidente. Isso começou quando Roberto Lavagna deixou o Ministério e continua até hoje, mesmo depois que Cristina Kirchner assumiu a Presidência, em dezembro.



Assim, para saber o que vai acontecer com a economia argentina, é mais produtivo saber o que Néstor Kirchner está pensando sobre o assunto. Ele sequer admite que o índice de inflação é manipulado e expressou sua opinião sobre o ritmo de expansão na quinta-feira à tarde, poucas horas antes de Cristina demitir Lousteau. “Que não se fale mais em esfriar a economia”, afirmou em alto e bom tom, durante um discurso em Mendoza, em evento do qual participava já como líder do Partido Justicialista (PJ).



O ex-presidente diz que desacelerar a atividade econômica já foi tentado outras vezes e o único resultado foi aumento da miséria e do desemprego, e que a sugestão está partindo de seus inimigos da direita, que querem derrubar a presidenta Cristina.



No entanto, hoje até os economistas que apóiam o modelo econômico de Kirchner, como Roberto Frenkel e Orlando Ferreres, entre outros, alertam que o governo tem de reconhecer o descontrole da inflação e tomar alguma medida, de preferência reduzir os gastos públicos. E não vêem mal nenhum em que o crescimento diminua apenas um ou dois pontos, se isso ajuda a controlar a inflação.



Resposta do ex-presidente: “A inflação se pára controlando, lutando duramente contra aqueles grupos concentradores, os safados e sem-vergonhas que sempre existem e que querem lucrar com o esforço dos argentinos”. E já apontou qual pode ser seu próximo alvo. “Os supermercados na Argentina têm a rentabilidade mais alta de toda a região, de forma que têm que reduzir sua rentabilidade”, disse no discurso em Mendoza.



Controlar, no modelo que Kirchner nem pensa em mudar, significa colocar Guillermo Moreno para perseguir e ameaçar diretamente os empresários que estejam subindo preços ou retendo produ-tos. Dizem (nenhum empresário se atreve a dar o nome nessa história), que Moreno grita, dá murros na mesa e recebeu um deles em sua sala com uma arma em cima da mesa. Até agora, como se vê pelo ritmo da inflação, não funcionou.



Fonte: Valor Econômico