''Heróis'' da Copa de 58 terão plano de aposentadoria
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pediu na quinta-feira (26/06) ao ministro do Esporte, Orlando Silva, para elaborar uma proposta ao Congresso Nacional de criação de uma aposentadoria para os campeões da Copa do Mundo da Fifa, que n
Publicado 29/06/2008 17:38
O Ministério do Esporte promoveu na sexta-feira (27) a primeira reunião com os representantes dos atletas para elaborar a proposta junto com o Ministério do Planejamento. Para o presidente, o Estado fará uma reparação aos campeões da primeira Copa do Mundo. “Eu acho que um país de 190 milhões de habitantes não deve permitir que os poucos que conseguiram enaltecer a alma da nossa gente não mereçam reconhecimento do Estado brasileiro”.
Alguns jogadores, segundo o presidente não têm “uma condição financeira digna” de sobrevivência. “Esse reconhecimento da parte do governo brasileiro é uma coisa maravilhosa”, afirmou o jogador Mazzola.
A cerimônia contou com a presença de 11 jogadores da Seleção Brasileira de 58, que receberam do presidente Lula a medalha Heróis de 58 e uma camisa da Seleção Brasileira, com o nome de cada um deles. São eles: Zagalo, Pelé, De Sordi, Djalma Santos, Bellini, Zito, Mazzola, Pepe, Moacir, Dino Sani e Orlando Peçanha.
Auto-estima
Durante a cerimônia, o ministro Orlando Silva leu a crônica “Complexo de Vira-Lata” de Nelson Rodrigues, publicada na revista Manchete Esportiva, no dia 31 de maio de 1958, semanas antes da conquista da primeira Copa do Mundo pela Seleção Brasileira.
No seu discurso, o ministro disse que a conquista da primeira taça do mundo do futebol elevou a auto-estima dos brasileiros. “Essa crônica de Nelson Rodrigues permitiu mostrar naquele momento a importância que tinha a seleção nacional para nossa auto-estima e para a construção da nossa identidade enquanto país. A vitória que os senhores nos ofereceram, a conquista da Copa do Mundo de 1958, é um marco que repercute até hoje na confiança e altivez de nosso país”.
O Ministério do Esporte em parceria com a Casa Civil da Presidência da República também organizou a exposição fotográfica Heróis de 58 – As chuteiras da Pátria, aberta pelo presidente após a condecoração dos jogadores. Lula abriu a exposição e fotografou o jogador Bellini que repetiu o gesto, que inventou na conquista do título em 58, de levantar a taça com as duas mãos.
Abaixo a íntegra da crônica de Nelson Rodrigues:
“Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: – ''O Brasil não vai nem se classificar!''. E, aqui, eu pergunto: – não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eis a verdade, amigos: – desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse ''arrancou'' como poderia dizer: – ''extraiu'' de nós o título como se fosse um dente.
E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: – é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: – o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: – se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.
Mas vejamos: – o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, ''não''. Mas eis a verdade: – eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: – sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: – não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: – qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: – temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de ''complexo de vira-latas''. Estou a imaginar o espanto do leitor: – ''O que vem a ser isso?''. Eu explico.
Por ''complexo de vira-latas'' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos ''os maiores'' é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: – e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: – porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: – o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: – para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.”
Fonte: Ministério do Esporte
Leia também:
Aldo Rebelo: O Brasil, a Suécia e a Copa de 58
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=39318