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Rose Marie Muraro: O século 21 e as prefeitas

Neste início de século, já podemos ver como ele é contraditório. Por um lado, o aumento da consciência humana de uma justiça social e ecológica, incluindo a subida paulatina das mulheres ao poder, e, por outro lado, a rápida deterioração do meio ambien

Tudo isso sem nenhuma regulamentação, baseado na lei da competição bruta, que trouxe a desregulamentação econômica e a globalização em favor dos mais fortes. Cada vez mais aceleradamente, fica clara a destruição do meio ambiente em favor também dos mais ricos e o aumento da fome dos mais pobres. Com esse tipo de globalização, todos teremos a perder, ricos e pobres.



Isso me faz agradavelmente surpresa com o fato de que há mulheres candidatas a prefeitas nas 15 maiores capitais do Brasil com peso suficiente para serem eleitas. Esse fato não está aí por acaso, mas porque vem aumentando a consciência de que existe uma diferença entre a forma de governar de mulheres e homens.



Em artigo anterior, citamos uma pesquisa do Banco Mundial (“Engendering Development”, 2000) que constatou a existência de uma correlação significativa entre o aumento de mulheres nos sistemas de poder e a diminuição da corrupção e da violência, o decréscimo das desigualdades socioeconômicas e o crescimento do bem-estar social.



Essa pesquisa foi feita em 121 países, incluindo ricos e menos ricos. A mulher, mais do que o homem, em todos esses países, tende a pensar mais nos interesses comuns do que nos seus próprios, o que a faz não procurar, tanto quanto o homem, privatizar o Estado em seu benefício e em detrimento da população. Assim, os fluxos de dinheiro público chegam com maior intensidade às camadas mais desfavorecidas, fazendo com que, no decorrer das gerações, o país alcance um alto nível de desenvolvimento social e econômico.



Isso aconteceu, por exemplo, em alguns países do norte da Europa (Suécia, Dinamarca, Noruega, Islândia, Finlândia e outros em menor escala). O que já faz uma massa critica para que possamos concluir que o incentivo à candidatura de mulheres para todos os níveis de poder seja fundamental para que consigamos reverter esse processo de autodestruição da espécie, que é muito mais profundo do que podemos imaginar.



Não tanto no que se refere à deterioração ambiental, já bastante publicizada, mas principalmente à não-regulamentação do uso das diversas tecnologias específicas do século 21, como as que citamos, já com emprego acelerado no mundo inteiro e completamente ignoradas pela população de todos os países. Essas ciências poderão acabar com a espécie humana muito mais rapidamente do que as alterações climáticas.



Por exemplo, em muitos países, agrotóxicos e transgênicos estão acabando com as abelhas, mortas por doenças misteriosas, o que pode fazer com que a polinização das plantas, dentro de poucos anos, esteja irremediavelmente comprometida. Quanto à nanotecnologia, já existem mais de 500 produtos patenteados no mundo, inclusive no Brasil, e ninguém sabe ainda qual o dano que esses produtos trazem para o solo e para as pessoas que os utilizam nos alimentos, nos cosméticos, em alguns fármacos e em praticamente tudo o que venha afetar a vida cotidiana em um futuro próximo.



Com a biologia sintética, pode-se construir vida artificial. Já existem firmas nos Estados Unidos que vendem pedaços de DNA construídos em laboratórios (como a Blue Heron e muitas outras, basta ver na internet) para cientistas de universidades ou quem queira comprá-los e acoplá-los a outros pedaços de DNA a fim de construir bactérias, microorganismos e, quem sabe, formas superiores de vida num futuro talvez não muito distante.



Sobre tudo isso ninguém sabe aqui no Brasil e, por isso, nem sequer se cogita da regulamentação dessa ciência. Espero que muitas prefeitas sejam eleitas e, depois, essa massa crítica possa tornar viável a candidatura de uma mulher à Presidência da República, mas que seja sensível a esses problemas tão sofisticados e tão fundamentais a nossa existência. Quem sabe Dilma Rousseff, viável a meu ver, não se interesse por essa pesadíssima missão?



Rose Maria Muraro, formada em física e em economia, é editora, escritora e membro fundadora do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.



Artigo publicado na Folha de S.Paulo