Artigo: A Olimpíada e o patriotismo chinês

Nos Jogos Olímpicos de Pequim, cuja abertura ocorreu há pouco mais de um mês, a China conseguiu grande sucesso. Na década de 1930, quando participou pela primeira vez de uma Olimpíada, a China mandou só um atleta. Agora, com 51 medalhas de ouro, ficou

A atmosfera dos Jogos foi muito intensa e calorosa. Sempre que a bandeira chinesa era hasteada, os chineses cantavam com entusiasmo e espontaneidade. É fácil adivinhar que cantavam – e cantam nos Jogos Paraolímpicos – o hino da China.



Se o leitor souber o que diz o hino e sua história e entender o entusiasmo do povo chinês, com certeza terá compreendido um importante motivo do rápido crescimento da China. Diz a letra do hino: “Levante-se povo que não quer ser escravo. Vamos juntos construir uma nova Grande Muralha com nossos corpos. Nossa nação enfrenta grandes perigos. Cada um de nós deve gritar com todas as suas forças. Levantem-se, levantem-se, milhões em um só coração. Enfrentemos o risco do fogo e dos canhões inimigos. Avante, avante”.



Esse hino é muito especial, porque nasceu num momento crítico para o país, ou seja, durante a guerra contra a agressão japonesa.



A China é uma das mais antigas civilizações do mundo e deu grandes contribuições para o progresso da humanidade. Até meados do século 18, era a maior economia do mundo. Mas, como sempre foi pacífica, não estava preparada para enfrentar as agressões militares que sofreu para abrir seus mercados ao Ocidente.



Essas agressões imperialistas externas, aliadas ao seu atrasado sistema feudal, prejudicaram, no século 19 e no início do 20, seu desenvolvimento, dividindo-a e enfraquecendo-a.



Em 1840, houve a Guerra do Ópio, em que imperialistas ingleses obrigaram os chineses a oferecer seda, porcelana e chá em troca de ópio e ceder Hong Kong para a Inglaterra.



Em 1856-1860, tropas anglo-francesas invadiram a China, obrigando o país a legalizar o comércio do ópio, e queimaram Yuanmingyuan, maior parque imperial do mundo.



Em 1900, um exército aliado de oito potências capitalistas invadiu a China e realizou uma parada militar na frente do Palácio Imperial de Pequim, humilhando a dignidade do país. O comandante desse exército liberou os soldados por três dias para saquear a capital chinesa –  entre outras atrocidades, destruíram a maior enciclopédia do mundo, com 79.309 volumes.



Logo em seguida, a China enfrentou a maior ameaça: a invasão japonesa. No dia 7/7/1937, o Japão ampliou a invasão em escala nacional e tentou escravizar o povo chinês. Nesse momento de perigo, nasceu uma canção intitulada “Marcha do Exército de Voluntários”, que estimulou muito os soldados chineses.



Quando a nova China se estabeleceu em 1949, seu povo adotou essa canção como hino nacional, para sempre lembrar dessa história de humilhação e estimular cada cidadão a trabalhar mais duramente, sobretudo na reforma e na abertura. É isso o que os chineses cantavam na Olimpíada.



Estudando sua própria história, os chineses colocaram em prática um antigo ensinamento: “Não andar para a frente significa voltar para trás”. Compreenderam, assim, que, se a China não avançar no seu desenvolvimento, ficará vulnerável a ataques.



Por isso, todos os chineses, inclusive os esportistas, trabalham com grande entusiasmo, formando um modo chinês de patriotismo.



Sim, na China a gente fala também sobre democracia e liberdade, mas sempre pensando com a responsabilidade. A maioria dos chineses sabe que a realização de democracia deve se dar passo a passo.



Atualmente, em todos os municípios da China foram construídas bases de educação de patriotismo, nas quais há estátuas de heróis e testemunhos dos crimes dos imperialistas. Com esse patriotismo, o povo chinês fortalece o amor à pátria, a disciplina no estudo e no trabalho e a coragem para vencer qualquer dificuldade. Quando o premiê Wen Jiabao visitou uma escola atingida pelo último grande terremoto, escreveu no quadro-negro uma frase popular que diz: “Dificuldades e calamidades podem amadurecer e fortalecer uma nação”.



Com esse patriotismo, os chineses se formam, como o hino canta, “milhões em um só coração”. A China é o país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes. Com esse patriotismo, todos têm um só objetivo: construir a China como um país de estudo, um país de inovação e um país de desenvolvimento sustentável.



Uma nação bem organizada, unida e trabalhadora pode fazer milagres. O modo chinês de patriotismo é um dos motivos importantes pelos quais a China avançou tanto nos últimos 30 anos e conseguiu tamanho sucesso nos Jogos Olímpicos de 2008.



* Zhou Shixiu é professor titular de história da Universidade de Hubei (China) e professor visitante da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Luís Antônio Paulino é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp-Marília.



Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo