Lula descarta qualquer medida precipitada contra crise
O Brasil está preparado e não deve sofrer muito com a crise no mercado financeiro dos Estados Unidos. Foi o que afirmou nesta quarta-feira (17) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista exclusiva à TV Brasil, levada ao ar no programa 3 a 1
Publicado 18/09/2008 10:00
Leia abaixo o trecho da entrevista no qual Lula discorre a respeito da crise econômica:
Presidente, a situação mundial é de crise, principalmente por causa da situação do mercado financeiro nos Estados Unidos. O Brasil está preparado para enfrentar essa situação sem recessão, sem quebradeira dos bancos? Que providências o governo está tomando?
O governo está preparado e o Brasil está preparado. Obviamente que nós sempre levamos em conta que, tendo recessão nos EUA, vai ter um abalo em todos os países, afinal de contas é a maior economia do mundo. Mas o Brasil nunca esteve tão preparado como está hoje. O Brasil diversificou a sua balança comercial. Nós, que tínhamos uma dependência de quase 30% da balança comercial com os Estados Unidos, hoje temos apenas 15%, embora ela tenha crescido mais de 15% ao ano. Nós diversificamos para a América Latina, para a América do Sul, para a África, para o Oriente Médio, para a Ásia. O Brasil hoje é menos dependente da relação comercial com os Estados Unidos, se bem que ainda é um parceiro muito importante.
O governo tomará medidas para reduzir um possível impacto, como por exemplo, havendo restrição de crédito externo, providenciar mais crédito interno?
Nós não vamos tomar nenhuma medida precipitada. Nós estamos acompanhando isso com lupa. O [presidente do Banco Central, Henrique] Meirelles está viajando para Nova York, tenho conversado com o ministro [da Fazenda] Guido Mantega todo dia. Na medida em que for necessário, nós vamos tomar medidas. Obviamente que, se rarear o crédito internacional e os empresários brasileiros tiverem dificuldade para tomar dinheiro emprestado, nós vamos ter que tomar uma decisão de arrumar mais dinheiro para que o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] possa emprestar. O dado concreto é que nós temos muitos investimentos já contratados, com financiamento garantido e certamente isso não irá sofrer nenhuma conseqüência. Eu queria ressaltar que o Brasil está numa situação privilegiada com relação à crise americana. Não é que a gente não deva ter cuidado. Mas até agora as coisas estão andando bem, os bancos brasileiros não estão metidos no subprime [categoria de hipoteca que gerou a crise no mercado imobiliário], portanto é uma tranqüilidade para o Brasil. Mas se sabe que todo cuidado é pouco.
A economia brasileira está crescendo basicamente puxada pela taxa de investimentos. É até um dado positivo, os investimentos das empresas em máquinas e equipamentos estão crescendo numa velocidade duas vezes e meia maior que a do PIB [Produto Interno Bruto], ou seja, o primeiro efeito dessa crise sobre o Brasil já é visível, que é justamente a escassez de crédito. As empresas brasileiras não vão ter tanto acesso a recursos no exterior como vinham tendo. O BNDES por sua vez está emprestando, tem esse ano uma carteira de R$ 84 bilhões aprovada para emprestar, mas faltam recursos. O senhor considera por exemplo aumentar o capital do BNDES para que ele possa continuar emprestando no mesmo ritmo?
Nós já tomamos a decisão de emprestar mais R$ 15 bilhões para o BNDES e também de pegar o fundo que nós criamos de desenvolvimento com o dinheiro do Fundo de Garantia [por Tempo de Serviço, FGTS] para repassar uma parte para o BNDES fazer os investimentos. Nós estamos cuidando de garantir que as coisas aconteçam e sabemos que empresas grandes como a Petrobras, a Vale do Rio Doce precisam de financiamento externo, mas na hora em que ele rarear nós vamos ter inclusive que mudar as normas do BNDES, que não pode emprestar uma determinada quantidade de dinheiro só para uma empresa, para que ele possa aumentar o volume de dinheiro emprestado. Uma coisa que é importante o povo brasileiro ter clareza é que nós não queremos em hipótese alguma brecar o crescimento da economia. Nós estamos com um mercado interno sólido, ele dá substância à nossa economia e nós queremos que continue fortalecido. Por isso eu acho que o Brasil vai passar por essa sem sofrer as conseqüências que sofreria em outros momentos, quando nós estávamos mais débeis. Dessa vez, sem passar nenhum otimismo exagerado, eu acho que o Brasil está seguro, até porque temos um colchão de US$ 205 bilhões de reserva. E não queremos mexer na nossa reserva por conta disso. O que nós queremos é continuar fazendo a economia crescer, que o povo continue consumindo, continue comprando, porque aí nós vamos dar solidez à nossa economia.
A economia está crescendo a uma taxa de 6% ao ano neste momento. Mas dado esse ciclo de aperto monetário que o Banco Central iniciou em abril, o mercado já espera uma redução do crescimento no ano que vem para algo entre 3% e 4%. Como o senhor está olhando essa possibilidade?
Eu penso que o mercado vai ser surpreendido. Todo mundo sabe que as medidas tomadas pelo Banco Central e as medidas também tomadas pelo Ministério da Fazenda tinham como objetivo reduzir um pouco a demanda, porque ela estava muito aquecida. E nós começamos a ficar preocupados porque na hora em que aumenta a demanda e você não tem a oferta, você pratica uma coisa que eu não quero, que é a inflação. Como nós temos muitos investimentos contratados, alguns em andamento, a nossa expectativa é que num curto prazo essas empresas que estão aumentando a sua capacidade de produção, e que hoje significam aumento de demanda, daqui a um ano estarão colocando o produto na rua, vão passar a ser oferta, e isso pode equilibrar a nossa economia, para que a gente não tenha nenhuma preocupação. Os preços internacionais dos alimentos estão caindo, a inflação já está reduzindo, estamos a uma taxa de 6,3%. O Brasil é o único país do mundo que está dentro da meta ainda, nós vamos perseguir essa meta e vamos manter, porque eu sei o que significa a inflação controlada nesse país.
Então a prioridade é controlar a inflação, não é o crescimento? O crescimento vai ser condicionado ao controle da inflação? Essa é a orientação?
As duas coisas são prioridade. E nós estamos provando que é possível a economia crescer, é possível distribuir renda e é possível controlar a inflação. Estamos provando que é possível exportar, ao mesmo tempo importar, crescendo o mercado interno. Esse é o sucesso da política econômica, é que você não precisa travar. Se você está tomando dois comprimidos, você pode tomar apenas um e meio. Aí nós vamos permitir que haja um ciclo duradouro de crescimento. É com essa hipótese que eu trabalho: o Brasil crescer 10 ou 15 anos a taxas entre 4% e 6%, um crescimento extraordinário. Isso significa aumento da massa salarial, aumento de emprego. De janeiro a agosto nós criamos 1,8 milhão de empregos. Vamos chegar em dezembro com mais de 2 milhões de empregos. Se vocês pegarem a retrospectiva, vão perceber que há muitas décadas o Brasil não tinha uma situação privilegiada como essa que nós estamos vivendo agora.
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Fonte: Agência Brasil