A grande questão: que foi o New Deal? e tem a ver com hoje?

O articulista Rupert Cornwell procura comparar didaticamente a crise atual com a Grande Depressão dos anos 30 nos Estados Unidos. Arrisca a conclusão de que “um novo New Deal é garantido” – seja com Barack Obama ou John McCain. No final, pergunta: “E

Por que perguntamos isto agora?



A convulsão econômico-financeira em curso tem sigo crescentemente vinculada com a crise que começou com a quebra (crash) de Wall Street em 1929, pavimentando o terreno para a Grande Depressão dos anos 30. O colapso, a mais profunda e prolongada recessão econômica dos tempos modernos, prolongou-se pela maior parte da década.



A resposta de Franklin Delano Roosevelt (ou FDR), que se tornou presidente dos Estados Unidos em 1933, foi o New Deal (“Novo Acordo”, ou “Novo Trato”). Mas a economia americana não se recuperou realmente até a entrada do país na 2ª Guerra Mundial.



O que era o New Deal?



O New Deal é o nome abreviado de uma montanha de programas governamentais introduzidos por Roosevelt entre 1933 e 1938. O termo em si tem origem no discurso de FDR ao aceitar a candidatura na Convenção Democrata de 1932 em Chicago. Ali ele prometeu “um novo acordo para o povo americano”.



As muitas medidas incluíram o apoio à – e a reforma da  – indústria bancária em colapso, uma nova agência reguladora das bolsas, movimentos para sustentar salários e preços, a criação de programas massivos de empregos públicos e – talvez a mais importante de todas – o lançamento da Seguridade Social.



Tomadas em conjunto, as medidas não só constituíram um “novo acordo” para ajudar o homem da rua nos EUA. Elas também iniciaram uma nova era de ativismo governamental, em termos tanto de intervenção como de regulação econômica. Muitos programas do New Deal ainda existem, como parte de uma rede de salvaguardas que nem os direitistas mais laissez faire (termo em francês no original; numa tradição livre, ultraliberais) dos EUA ousariam tocar.



Por que ele foi implantado?



O afundamento econômico dos EUA e outros países no início dos anos 30 seria quase impossível de se imaginar hoje. Uma recessão de algum tempo seria inevitável depois do estouro da bolsa especulativa na quebra de 1929 (causada por uma excessiva elevação dos preços das ações, e não dos imóveis, como em 2000-2006).



Mas os tempos de maus negócios foram muito piorados por uma guerra comercial internacional do tipo olho-por-olho, iniciada pelo infame Smoot-Hawley Act de 1930, elevando as tarifas de importação americanas, e pelo fracasso do Federal Reserve, o banco central dos EUA, em bombear dinheiro no sistema para prevenir o pânico e a fuga dos bancos. Quando FDR tomou posse, a taxa de desemprego nos EUA estava em torno de 25%, o setor agrícola estava em ruínas e a produtividade industrial era 33% menor que antes do crash. Era preciso tomar medidas drásticas para restaurar a confiança, numa escala que só o governo poderia proporcionar.



Há semelhanças políticas com 2008?



Nos Estados Unidos elas abundam. Então, como agora, uma longa era de domínio republicano estava chegando ao fim.  Mesmo que John McCain abocanhe a vitória em novembro, isso não alterará o fato de que o movimento conservador que assumiu os controles com a eleição de Ronald Reagan em 1980 perdeu sua força.



Em 1932, a esmagadora derrota de Herbert Hoover por Roosevelt também sinalizou o fim de um longo período de ascendência republicana. Hoje os astros também se alinham a favor dos democratas (embora saber se o país está pronto para Barack Obama seja uma questão completamente distinta).



George W. Bush foi sarcasticamente apelidado “George Herbert Hoover Bush”. A América está pendendo para a esquerda, e a governança volta a estar na moda. A derrocada em Wall Street cimentou um amplo convencimento de que o capitalismo do livre-mercado precisa de rédeas. Tal como em 1932, o pêndulo de 2008 está oscilando outra vez rumo a maior regulação e intervenção.



E o que dizer de semelhanças econômicas?



Até onde se pode conceber, a atual convulsão pode resultar numa segunda Grande Depressão. Mas embora a história e as crises econômicas do passado proporcionem lições que podemos ignorar ou não, elas nunca se repetem tal como o foram.



Os tempos atuais são dolorosos, mas não no nível de 1932 (ao menos por enquanto). A economia dos EUA, que cresceu 3,3% no segundo trimestre do ano, tecnicamente ainda não está sequer em recessão. O desemprego encontra-se em 6%, não 25%, e a produtividade industrial caiu 1% em 2007, não 33%.



Nos anos 30, a crise era composta por preços em queda, enquanto o governo tentava equilibrar seus orçamentos com medidas deflacionárias mesmo quando a economia estava se contraindo. Hoje, a deflação não está no horizonte; na verdade, a queda nos preços das commodities e produtos agrícolas tornou-se um alívio e não uma ameaça. O problema não é o de falta de dinheiro na economia como um todo, mas o da relutância dos bancos em emprestar dinheiro exceto para os mais confiáveis tomadores.



Então aprendemos algo com o passado?



Com certeza. Nos anos 30, o Smoot-Hawley Act impôs uma guerra comercial por cima de um período de maus negócios. Apesar do enguiço da Rodada de Doha sobre a liberalização do comércio, e do generalizado criticismo face à globalização, há hoje um escasso risco de um protecionismo tão radical.



Entretanto, Ben Bernanke, o atual presidente do Federal Reserve e ex-professor na Universidade de Princeton, é um estudioso de muitos anos da Grande Depressão. Ele criticou publicamente o comportamento do Fed na época, e não repetirá os mesmos erros. Ao deixar o banco Lehman Brothers vir abaixo, o governo dos EUA sinalizou que o sistema bancário precisa se purgar da toxina das hipotecas de má qualidade. Porém com seus movimentos para injetar liquidez, o banco central sinalizou que não permitirá que o próprio sistema venha abaixo.



Então os EUA podem passar sem um New Deal?



Não necessariamente. Tudo depende da extensão em que a crise atingir o homem da rua. Tudo indica que os EUA, como a Inglaterra, estão resvalando para a recessão. No cenário mais favorável, o crescimento será retomado em algum ponto de 2009.
Nos EUA, isso ocorrerá quando os preços dos imóveis baixarem e se estabilizarem, e os bancos voltarem a ter confiança em emprestar o dinheiro que agora estão acumulando para se protegerem da tempestade. Neste caso, com os mercados de crédito voltando ao normal, o mau tempo terá durado relativamente pouco.



Porém se a recessão perdurar, o clamor por programas do estilo New Deal vai crescer. Na verdade alguns já estão reivindicando que o governo use a oportunidade para estimular os gastos na arruinada infraestrutura pública dos EUA – rodovias, pontes, ferrovias e por aí vai – para criar novos empregos e bombear outra vez energia nos negócios.



O que McCain e Obama estão dizendo?



Inevitavelmente, eles discordam sobre a crise. Para John McCain, a bagunça foi causada pelos gulosos e descontrolados bancos e companhias hipotecárias. Para Obama e os democratas, a crise é uma ata de acusação contra toda uma filosofia econômica republicana que só olhou para os ricos e cegamente insistiu que o mercado faria o melhor.



Porém eles concordam em uma coisa: a necessidade de mais regulação, para não deixar que as coisas se repitam. Neste sentido pelo menos, qualquer que seja a gravidade dos tempos ruins, um novo New Deal é garantido.



Então estamos numa outra Grande Depressão?



Sim…



• Os bancos podem ter dinheiro, mas quem os fará emprestá-lo?



• A globalização financeira garante que a crise se alastrará, façam o que fizerem os países.



• Esta bolha passou 20 anos se gestando, duas vezes mais que a que estourou em 1929.



Não…



• A crise na economia real não é nem de perto tão severa. Os EUA ainda estão crescendo.



• Os reguladores aprenderam suas lições e não farão os mesmos erros dos anos 30.



• A economia mundial está menos centrada nos EUA, o que reduz o risco de contágio.



Fonte: The Independent