Acordo ortográfico: Lula assinará decreto na sede da ABL

Nesta segunda-feira (29), dia em que se completam os cem anos da morte de Machado de Assis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinará o decreto com os prazos para que o Brasil coloque o acordo ortográfico em prática.

As novas regras começarão a valer no dia 1º de janeiro de 2009, mas ainda não em caráter obrigatório. Haverá uma transição de quatro anos. Até 31 de dezembro de 2012, segundo o decreto, as duas formas serão aceitas como corretas nas provas escolares, nos vestibulares, nos concursos públicos e nos meios escritos em geral.



No entanto, o governo recomendará que os documentos oficiais sejam todos redigidos da nova maneira.



Inicialmente, a idéia era que as mudanças se tornassem obrigatórias no início de 2012. O prazo acabou sendo esticado para o começo de 2013 por pressão das editoras de livros.


 



Não havendo alterações na minuta redigida pelo Ministério da Educação, o decreto será particularmente rigoroso com as editoras que abastecem as escolas públicas. Já em 2010, todos os livros comprados pelo governo terão de ser editados segundo o acordo ortográfico.



Lula assinará o documento na ABL (Academia Brasileira de Letras), no centro do Rio.



Novo livro detalha mudanças



As regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, e que entram em vigor no Brasil a partir de janeiro de 2009, vão afetar principalmente o uso dos acentos agudo e circunflexo, do trema e do hífen. Cuidado: segundo elas, você não poderá mais escrever que foi mordido por uma jibóia, e sim por uma jiboia. Aquela sua boa idéia será má ideia, porque é assim, sem o danado do acento agudo, que você deve passar a escrever a palavra. Achou tudo uma feiura? Será que você vai aguentar tanta mudança?



A estreia de algumas normas nesta reportagem que você está lendo não passa de uma brincadeira, portanto, pode ficar tranquilo. Segundo o Ministério da Educação, haverá um prazo de transição até o fim de 2012, em que ambas grafias serão aceitas em todo os oito países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe.



Uma boa ideia, no entanto, é já recorrer ao recém-lançado “Escrevendo pela Nova Ortografia”, guia esmiuçado das regras (leia mais no quadro abaixo), parceria entre a Publifolha e o Instituto Houaiss. A publicação teve coordenação do professor José Carlos de Azeredo, doutor em letras pela Universidade Federal do Rio Janeiro. Para Azeredo, não se pode entender o acordo como uma proposta de simplificação, mas sim de unificação ortográfica.



“A simplificação pode ser decorrente, mas não é seu objetivo”, diz o professor. “Para que fosse possível, foi necessário que o Brasil e Portugal abrissem mão de convicções. O Brasil abriu mão do circunflexo e agudos, em alguns casos, e sobretudo do trema. Portugal, por sua vez, abriu mão do “p” de adoptar e do “c” de direcção.”



Histórico das reformas



Além da íntegra do acordo, o livro traz um histórico das reformas da ortografia portuguesa, desde as primeiras propostas de simplificação feitas pelo foneticista português Gonçalves Viana (1840-1914), em 1904, com o lançamento do livro “Ortografia Nacional”.



“Em Portugal, os livros e revistas tinham uma ortografia influenciada pela etimologia das palavras, e ainda grafavam, por exemplo, “philosophia” em vez de filosofia. Lá, isso foi mudado em 1911, e somente em 1931 a simplificação foi feita no Brasil”, conta Azeredo.



O professor lembra que já em 1945 Portugal adotou mudanças que sequestraram, sem direito a pedido de resgate, o trema de seu vocabulário. Também àquela época caíram o acento agudo de europeia e o acento diferencial de “govêrno” (substantivo) e “governo” (verbo). O Brasil não adotou, então, aquelas novas regras.


 


“Somente em 1971 tivemos a supressão do acento diferencial. Acho que houve um certo discurso nacionalista em 1945 no Brasil, de modo que esferas políticas responsáveis pela decisão não quiseram ratificar”, afirma Azeredo. “O interessante é que, agora, estamos adotando práticas de 1945.”



Para Azeredo, as regras do novo acordo quanto ao uso dos acentos circunflexo e agudo, ou à eliminação do trema, são bem claras. Não será preciso nenhum esforço heroico para colocá-las em prática. Já o hífen, um enjoo para quem precisa seguir regras, continuará a ser o calcanhar de Aquiles -e não mais calcanhar-de-aquiles, a propósito- de qualquer um.



“O acordo diz que, nas palavras em que o falante perdeu a noção de composição, não se usa o hífen, como em paraquedas. É um ponto polêmico, porque a consciência não é clara ou objetiva”, diz o professor. “O que é preciso é ter logo o vocabulário elaborado pela Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras.”



Resistência às alterações



Em Portugal, onde, segundo Azeredo, as mudanças resultam em cerca de 1,5% de alteração no vocabulário, contra 0,5% no Brasil, o acordo encontra resistência. No Brasil, alguns descreem que o país adote as normas em apenas quatro anos. Tampouco que entrem em vigor, de fato, em Portugal.



“Até hoje, passados 37 anos, a reforma de 1971 ainda não foi completamente absorvida. Alguns cardápios oferecem “môlho”. E tem uma loja que grafa “zelo” com acento circunflexo”, diz o professor Pasquale Cipro Neto, colunista da Folha. “Em Portugal, como o Brasil não cumpriu o acordo de 1945, acho que há resistência entre os meios de comunicação e o povo. Tirar o “c” e o “p” mudos? Eles se sentem violentados.”



Fonte: Folha de S. Paulo