De volta à música, Gil diz evitar 'a saudade do ministério'

Durante sua passagem por Nova York, na semana passada, quando, acompanhado do filho Bem, se apresentou por três noites no Joe s Pub, Gilberto Gil fez em entrevista ao jornal O Globo, seu balanço da experiência à frente do Ministério da Cultura. E

Gil ainda afirma que, da mesma forma como foi ministro sem sentir nostalgia do palco, volta a ser artista integralmente sem sentir saudade dos salões e dos figurinos de Brasília. Gil também prepara-se para reestrear no Brasil o show de seu novo disco, Banda Larga Cordel — nos dias 18 e 19 próximos, no Vivo Rio —, que, agora, terá cenários de Hélio Eichbauer, figurinos da Osklen e um novo roteiro.


 


O disco novo marca a sua volta à composição, depois de muitos anos sem compor…
Eu tinha abandonado a composição desde que cheguei ao ministério, e este disco tem pelo menos dez canções novas, feitas neste último ano. Voltei a compor, voltei a trabalhar a minha música. E a realização no estúdio, claro. Eu não entrava em estúdio há mais de seis anos, desde o Kaya n’gan daya. Já não gosto muito de estúdio, não sou daqueles que trabalham com tranqüilidade a artesania do som, prefiro o palco. Mas precisava ir para o estúdio porque a primeira forma das canções sempre passa por lá.


 


Esta é sua primeira entrevista de balanço após deixar o governo. Que avaliação o senhor faz da experiência como ministro?
Foi interessante ter aceitado o cargo. Eu me lembro que Caetano (Veloso) ficou temeroso, e Chico (Buarque) dizia uma coisa muito interessante: “Gil no ministério é muito bom pra nós, mas pra ele talvez não seja” Hoje, após seis anos, gostei muito de ter decidido aceitar ser ministro e dar uma contribuição a um governo que, naquele momento, chegava cercado de tantas dúvidas quanto eu.


 


Gostei de ter somado esta experiência à minha vida. Levei para o governo um certo espontaneísmo, uma noção de trabalho em fluxo. Consegui esta compatibilização rara e quase inédita entre a minha participação no governo e o meu trabalho artístico, que continuou, ainda que de forma residual. Foi uma experiência valiosa. O desempenho do ministério foi muito bem aceito, inclusive internacionalmente.


 


E em termos do que o senhor pretendia?
Não entrei para cumprir um programa previamente determinado, e sim para rever o que é cultura observada de um ponto de vista oficial, qual deve ser o papel do ente oficial num universo cultural do Brasil, como seria possível redefinir esse panorama, o que é o mundo no Brasil e o Brasil no mundo, o que é a contemporaneidade cultural, qual o impacto das tecnologias. Essas eram as questões. Não era o cumprimento de metas programáticas previamente determinadas. Eu queria rever o que é cultura, debater cultura.


 


Mas o Ministério da Cultura tem tarefas específicas, como a administração do patrimônio, por exemplo. O senhor ficou satisfeito com a sua gestão neste sentido?
Mas esse é um exemplo da discussão. A visão estabelecida do patrimônio dizia respeito às grandes obras, à arquitetura, aos monumentos, aos sítios históricos. Atualmente, a dimensão do patrimônio imaterial ganhou uma importância muito grande.


 


A Unesco havia promovido a convenção do patrimônio imaterial logo antes da convenção da diversidade cultural, para a qual o nosso ministério trabalhou fortemente. Eu vejo as pessoas dizerem: “Mas o pão de queijo é patrimônio histórico? O samba de roda é patrimônio histórico? A pintura corporal dos índios é patrimônio histórico?”. É isso mesmo, e foi preciso trabalhar a consciência nacional para aceitar isso.


 


Sou orgulhoso de ter dado atenção aos movimentos sociais como produtores culturais e agentes cuturais. O programa Cultura Viva é um avanço. E o programa Cultura e Pensamento, para se pensar a política cultural e publicar ensaios e visões variadas para uma discussão no âmbito nacional. Investimos em música, sobretudo em publicação de livros na Funarte, investimos na área do circo…


 


E o projeto de descentralização cultural, já que o Brasil era muito dependente do eixo Rio-São Paulo?
Acho que sim. Há números comprovando que aumentaram os investimentos em cultura no Nordeste e no Norte. A lei de incentivo fiscal era muito centralizadora no Rio e em São Paulo. Comprei briga por causa disso, sim…


 


E por que sair do governo, se estava tudo dando certo?
Tive problemas de voz. A quantidade muito grande de reuniões, de discursos me prejudicava. E também a rotina de acordar cedo e cumprir horas e horas de trabalho. As pessoas solicitavam a minha agenda e não acreditavam na quantidade de coisas que eu fazia todos os dias. Queria me dedicar muito ao trabalho, e isso afetou muito a minha voz. Tive recomendação médica de parar com esse uso nada musical dela.


 


E, depois de sair, o senhor sente falta desse meio da política, os salões, o outro figurino?
Ah, pois é, tem tudo isso… Outros salões, outros figurinos. E, como eu havia me disposto a entrar nisso sem nostalgia do palco e da vida de artista, também evitei a saudade do ministério quando voltei a ser artista.