Caso Funarte: a crise que derrubou Frateschi e expôs o MinC

O ator Celso Frateschi pediu demissão da presidência da presidência da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Em carta intitulada “O transatlântico fantasma” e divulgada na noite desta segunda-feira (6), ele afirma que não resistirá ao “movimento articulado

Secretário de Cultura de São Paulo na gestão de Marta Suplicy e nas duas administrações do prefeito Celso Daniel em Santo André, Frateschi assumiu a Funarte em abril do ano passado, nomeado pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil para o lugar do também ator Antônio Grassi.


 


Dezoito meses depois, Frateschi caiu atirando. Sua saída parece configurar a primeira crise política da gestão recém-iniciada de Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura. Na carta de demissão de Frateschi, os alvos parecem muitos, mas há um que parece claro: o atual ministro Ferreira, que tem dito, desde que assumiu, que a Funarte “tem problemas” e deverá ser inteiramente redefinida, assim como seus objetivos redimensionados.


 


“A frase é corretíssima e poderia, com certeza, ser estendida ao Ministério da Cultura”, alfinetou Frateschi logo no início de sua carta. Segundo ele, sua gestão estaria “enxugando gelo” na instituição, que enfrentava desprestígio e falta de recursos — e ainda assim teria sido acusada de atrasar programas do governo.


 


Falando ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça (7), ainda da sede da Funarte, no Rio de Janeiro, ele reafirmou sua noção de que houve “falta de consideração” da parte da cúpula do Ministério da Cultura. “Se você perde a confiança no seu funcionário, você o demite. Na hora que perde a confiança no seu chefe, você se demite.”


 


“Claramente, no momento em que 15 funcionários da Funarte fazem uma carta mentirosa, que eu desmontei ponto por ponto, e o Minc dá eco a essa carta sem falar comigo, presidente Celso Frateschi, isso significa que há uma desconsideração”, afirmou o demissionário.


 


Problemas


 


A gestão de Frateschi na Funarte, iniciada em 2007, recebeu as seguintes acusações: primeiro, há alguns dias, o jornal O Globo divulgou que o projeto do grupo Ágora, da mulher de Frateschi (a coreógrafa Sylvia Moreira), teria obtido aprovação em tempo recorde de apenas seis dias, a despeito dos problemas com trâmites legais dentro da fundação.


 


Frateschi rebateu a acusação dizendo que a Petrobras tinha demonstrado interesse no projeto do Ágora desde julho de 2007, e que era um projeto que dava seqüência a outro, daí a urgência. Sua análise rápida teria sido fruto de intervenção legal do apoiador, não da cúpula da fundação.


 


A segunda acusação veio da Asserte (associação de servidores da fundação), que acusou a Funarte de ter “atuação pífia” e ser “mera repassadora de verbas”, de conduzir editais “mal elaborados, confusos e mal redigidos”, com “exigências absurdas e vários equívocos”, entre outras. Frateschi argumentou que a fundação mantém o maior programa de bolsas da história do ministério, que está reformando teatros, adquirindo salas e instaurando editais.


 


O ministro Juca Ferreira considerou que Frateschi foi vitimado por um “conflito radical” que estabeleceu com os funcionários da Funarte, e que o dirigente era “autoritário”. Mas o defendeu da acusação de irregularidade. “Foi uma injustiça terem divulgado aquilo como uma forma de privilégio. Nós demos preferência a projetos que já tinham patrocínio assegurado, e o da mulher dele entrou nessa leva”.


 


O ministro afirmou que vai nomear um presidente-interino para a Funarte e que, em 20 dias, já terá anunciado o substituto. “Não quero brigar com o Frateschi. Ele estabeleceu uma crise. Os funcionários não agüentaram a gestão dele”. Em carta, Frateschi insinua que houve uma conspiração contra sua pessoa. “Uma legião de lobistas perdeu o emprego e isso os perturba.”


 


Leia abaixo a íntegra da carta de Frateschi:


 


 



O TRANSATLÂNTICO FANTASMA


 


Digo não!


 


Aceitei assumir a presidência da Funarte por acreditar na possibilidade de contribuir na construção de políticas públicas para a área cultural. Não vim para essa missão participar de brigas intestinas, pois acredito que o país espera e precisa de respostas concretas para estimular o nosso desenvolvimento cultural. Digo isso tendo como foco muito mais o conjunto de nossos cidadãos do que a nossa comunidade artística. Portanto, o movimento articulado de alguns funcionários e de alguns setores do Ministério da Cultura para desestabilizar minha gestão na presidência da Funarte não encontrará nenhuma resistência de minha parte.


 


Fui convocado pelo ex-ministro Gilberto Gil para colaborar com o governo Lula, o que muito me honra e enobrece. Já havia sido secretário de cultura duas vezes em Santo André, junto com Celso Daniel, e em São Paulo, com Marta Suplicy. Experiências das quais tenho muito orgulho de ter participado.


 


Sou um artista e vim para a Funarte com o mesmo propósito de me envolver num projeto coletivo de construção de políticas de cultura que rompesse, da mesma forma que o governo Lula rompeu, com os limites sociais e regionais de atenção e atendimento governamental. Durante esse ano e meio de trabalho, procuramos mudar alguns conceitos apontados e acordados com o ministério:


 


1) Descentralizar as atividades da Funarte, deixando de lado a sua característica histórica de um “cariocacentrismo” radical. O antigo Secretário da Cultura Aloysio Magalhães dizia que a Funarte era um grande transatlântico encalhado na Rua Araújo de Porto Alegre. Deram-me a tarefa de pensar as atividades da instituição em escala nacional, como deve ser, e fazer zarpar o “transatlântico encalhado” por muitas décadas.


 


2) Institucionalizar nossos programas, tirando-os da fragilidade dos mecanismos esquizofrênicos da Lei Rouanet.


 


3) Reinventar institucionalmente a Funarte.


 


4) Responder aos desafios colocados por nossa produção artística nacional, dentro de conceitos definidos pela gestão Gilberto Gil.


 


5) Implantar políticas estruturantes em nível nacional para todas as áreas artísticas.


 


Avançamos muito, apesar da conjuntura às vezes adversa, tanto no Ministério da Cultura quanto na própria Funarte. No Ministério, vivemos um tempo bastante comprometido pela greve, e depois enfrentamos a troca do ministro. Já na Funarte, além da conjuntura, temos problemas estruturais como o seu desenho administrativo extremamente presidencialista, o histórico da instituição truncado pelo governo Collor e desde então comprometida em sua missão institucional.


 


O “transatlântico” encalhado “que Aloysio Magalhães definia, em razão do longo tempo empacado no Rio de Janeiro, deteriorou talvez definitivamente, com o abandono e fragilidade da quase totalidade de seus “marinheiros”. Como num navio fantasma, parte de sua tripulação, também quase fantasma, vive de assombrar o novo e de expulsá-lo de seus domínios. A carcaça carcomida dessa embarcação serviu durante muitos anos de alimento aos ratos da burocracia e do corporativismo. Gordos, esperam a sua aposentadoria. Que tenham um bom apetite.


 


Neste final de semana, fui alvo de dois ataques destes piratas do caribe. Primeiro uma carta da ASSERTE (Associação dos Servidores da Funarte), que terá em seguida uma resposta detalhada para recuperar a verdade e defender aqueles inúmeros funcionários da Funarte que tentam heroicamente desencalhar essa instituição. Funcionários esses que são “representados” por uma associação que os ataca no que eles têm de mais sagrado, que é a missão de servir ao público.


 


O outro ataque veio pelo jornal O Globo e utilizou um repórter muito bem formado na arte de dizer meias verdades, de iludir o entrevistado, de se negar a estudar documentos que venham desmontar a sua tese mentirosa.


 


Que se sustenta em apenas partes de uma documentação editada e conseguida criminosamente. Que entrevista para um tema e usa as respostas para outro.


 


Ou seja, um pequeno aprendiz de Goebles, que acredita que a mentira soberana passa por verdade. Esse jornalista sequer iria me entrevistar. E só o fez de “mentirinha”, pois, pelo que tudo indica, a matéria já estava editada na véspera de nosso contato. O repórter se negou totalmente a consultar os documentos que revelam de forma cabal as mentiras de sua matéria e mostram a regularidade dos trâmites legais dos processos dentro da Funarte. Também não levou em consideração as informações prestadas pela Petrobrás que atestavam o interesse da estatal pelo projeto desde agosto de 2007, uma vez que se tratava de um projeto de continuidade. O repórter mistura, de forma deliberada, os procedimentos para confundir o leitor e passar a idéia de irregularidade. Soma, apenas quando lhe interessa, de forma capciosa, os tempos de tramitação dos processos dentro da Funarte com os tempos em outras instâncias do Ministério.


 


A verdade é que a Funarte regularizou o trâmite dos processos da Lei Rouanet. Atualmente o processo leva no máximo 21 dias para ser analisado pela Funarte e isso fere toda uma indústria de atravessadores que “facilitavam” as aprovações que eram de seu interesse. Uma legião de lobistas perdeu o emprego e isso os perturba. A profissão dos que “acompanhavam” os processos não tem mais nenhuma necessidade de existir. E isso aconteceu porque mexemos num nicho que resistia desde a implantação da Lei Rouanet, que era o setor de análise dos Pronac. Ampliamos o número de pareceristas, treinamos e dinamizamos a gestão, e hoje não existem mais dificuldades, fazendo com que as “facilitações” percam o sentido de existir. Isso também perturba.


 


Procurei, durante todo esse período, cumprir com a missão que me foi confiada. Mas não tenho mais instrumentos, nem meios, nem vontade de tentar seguir nessa viagem estagnada, nessa cidade maravilhosa onde o olhar para o nosso país parece limitar-se aos braços do Cristo Redentor. Declino da presidência da Funarte, evidentemente não pela matéria de O Globo, pois na minha longa vida pública, já enfrentei outros processos difamatórios que se mostraram vazios como esse que está em curso. Saio porque se caracterizou uma articulação espúria que eu não tenho o menor interesse de enfrentar. Aceitei essa presidência para trabalhar positivamente e avançar na implantação de mecanismos republicanos de fomento e financiamento. Para federalizar as nossas ações e trabalhar com o conjunto dos entes federativos na construção do Sistema Nacional de Cultura. Para ajudar implantar o Programa Mais Cultura que é realmente o que interessa e não para perder o meu tempo em querelas de vaidades pessoais.


 


Agradeço carinhosamente aos inúmeros funcionários da Funarte que se empenharam nessa nossa missão e espero que sobrevivam a essa legião de gasparzinhos que habitam o belo e vistoso Palácio Capanema.


 


No meu primeiro dia de trabalho na Funarte, durante o almoço com Pedro Braz e Sergio Sá Leitão, fui abordado pelo jornalista Ancelmo Gois também do Jornal O Globo. A sua única pergunta foi se eu seria o paulista que teria vindo tomar a Funarte. Surpreso com a grosseria, demorei dois segundos para responder, o que foi suficiente para ele emendar: “Pois fique sabendo que, para mim, paulista bom é paulista morto”. Virou as costas e foi embora. Felizmente o Rio de Janeiro não se traduz no preconceito dessa figura.


 


Que esses descansem em paz!


 


Toda a minha formação tem como ponto de referência o Teatro. Foi pelo teatro que entrei em contato com grandes mestres da humanidade. Foi pelo teatro que fui preso ainda menor de idade pela ditadura. Estudando grandes textos entendi a dialética da grandeza e da pequenez da alma humana. Foi o teatro que me levou às minhas experiências exitosas em Santo André e São Paulo. E finalmente, é o teatro que me clarividencia situações nebulosas como essa, não pelo discurso, mas pelo ato.


 


Eu resolvi agir sim!


 


Da Redação, com informações do O Estado de S. Paulo