Paulo Nogueira Batista Jr: Recessão mundial?

O último artigo que publiquei nesta coluna, há 15 dias, terminava assim: “É provável que grande parte do sistema financeiro acabe nas mãos do Estado”. Desde então, os países no epicentro da crise deram passos largos nessa direção. Os europeus foram mai

As intervenções anunciadas na Europa e nos EUA nos últimos dias marcam uma mudança radical de atitude dos governos. Elas variam de país para país, mas apresentam três elementos centrais: a) a nacionalização de bancos ou o investimento do Estado em ações preferenciais de instituições financeiras; b) a ampliação drástica das garantias governamentais aos passivos do sistema financeiro (depósitos, linhas interbancárias etc.); e c) provisão ainda maior de liquidez aos mercados pelos bancos centrais (por exemplo, as linhas de “swap” entre o Federal Reserve, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão, o Banco da Inglaterra e o Banco Nacional da Suíça, que vinham sendo sucessivamente ampliadas, agora não têm mais qualquer limite e serão fornecidas conforme a demanda). Essa nova onda de medidas talvez marque o ponto de inflexão no de- senrolar da crise. Com grande relutância, os governos dos países desenvolvidos resolveram tomar medidas extremas para domar a crise e evitar o colapso do sistema financeiro.



Mas é cedo para cantar vitória, como ficou evidente pelo comportamento dos mercados ontem (15). O estrago provocado pelo surto especulativo dos últimos anos ainda demorará a ser digerido. É provável que os problemas no sistema financeiro venham a exigir medidas adicionais por parte dos governos.



A economia real já começou a ser fortemente afetada pela “débâcle” financeira. A maioria dos indicadores está apontando para baixo. A presidente da Reserva Federal de San Francisco, Janet Yellen, observou que praticamente todos os principais setores da economia dos EUA foram atingidos pelo choque financeiro e previu que o PIB sofrerá uma contração no último trimestre do ano. A União Européia e o Japão também correm o risco de recessão.



O perigo é que a recessão, ou uma desaceleração acentuada das principais economias, tende a provocar um apodrecimento adicional da carteira das instituições financeiras, realimentando a fragilidade dos bancos e de outros intermediários.



A principal fonte de crescimento da economia mundial – a essa altura praticamente a única – são os países em desenvolvimento. As últimas projeções do FMI ainda indicam crescimento expressivo desses países em 2009.



Lamentavelmente, a crise se espalhou para a periferia do sistema internacional. Diversos países, inclusive alguns que têm fundamentos macroeconômicos bastante fortes, vêm sofrendo as repercussões da desordem financeira nos Estados Unidos e na Europa. Alguns governos estão iniciando negociações aqui no FMI, em busca de apoio financeiro para fazer face a situações emergenciais.



Em aliança com outras cadeiras da diretoria do FMI, a cadeira brasileira vem fazendo o possível para que a instituição responda com flexibilidade às demandas dos países-membros em dificuldade. Isso significa, por um lado, utilizar de maneira ágil os instrumentos existentes e, por outro, criar uma nova linha de liquidez que permita desembolsos volumosos e rápidos, com condicionalidade limitada. Garantir o crescimento econômico dos países em desenvolvimento talvez seja a única forma de evitar uma recessão mundial.



* Paulo Nogueira Batista Jr é economista e diretor-executivo do FMI



Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo