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Saramago: como confiei 'Ensaio sobre a Cegueira' a Meirelles

A história da adaptação de Ensaio sobre a Cegueira ao cinema passou por altos e baixos desde que Fernando Meirelles, aí pelo ano de 1997, perguntou a Luiz Schwarcz, meu editor brasileiro, se eu estaria interessado em ceder os respectivos direi

Entretanto, no escritório da minha agente literária em Bad Homburg, Frankfurt, começaram a chover, e choveram durante anos, cartas, correios eletrônicos, chamadas telefônicas, mensagens de toda a espécie de produtores de outros países, em particular dos Estados Unidos, com a mesma pergunta. A todos mandei dar a resposta conhecida: não.


 


Soberba minha? Não era questão de soberba, simplesmente não tinha a certeza, nem sequer a esperança, de que o livro fosse tratado com respeito naquelas paragens. E os anos passaram.


 


Um dia, acompanhados pela minha agente, apareceram-me em Lanzarote, vindos diretamente de Toronto, dois canadianos que pretendiam fazer o filme, Niv Fichman, o produtor, e Don McKellar, o roteirista. Eram gente nova, nenhum deles me fazia recordar o Cecil B. de Mille, e, depois de uma conversa franca, sem portas falsas nem reservas mentais, entreguei-lhes o trabalho.


 


Faltava saber quem seria o diretor. Outros anos tiveram de passar até ao dia em que me foi perguntado o que pensava eu de Fernando Meirelles. Completamente esquecido do que havia sucedido naquele já longínquo ano de 1997, respondi que pensava bem. Tinha visto e gostado da Cidade de Deus e do Jardineiro Fiel, mas continuava sem associar o nome deste diretor à pessoa do outro…


 


Finalmente, o resultado de tudo isto já está aqui. Traz o título de Blindness (Cegueira), com o qual se espera facilitar a sua relação com o livro no circuito internacional. Não vi qualquer motivo para discutir a escolha.


 


Hoje, em Lisboa, foi a apresentação deste Ensaio sobre a Cegueira em imagens e sons. A platéia estava bem servida de jornalistas que espero dêem boa conta do recado. Amanhã será a pré-estréia.


 


Conversamos sobre estes episódios já históricos e, em dado momento, Pilar, a mais prática e objetiva de todas as subjetividades que conheço, lançou uma idéia: “No meu entender, o livro antecipou os efeitos da crise que estamos a sofrer. As pessoas, desesperadas, correndo por Wall Street, de banco em banco antes que o dinheiro se acabe, não são outras que as que se movem, cegas, sem rumo, no romance e agora no filme. A diferença é que não têm uma mulher do médico que as guie, que as proteja”.


 


Reparando bem, a andaluza é capaz de ter razão.