Para Conceição Tavares, crise chegará ao auge em 2010
Sem cair em previsões catastrofistas, a economista e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria da Conceição Tavares, estima que, em 2010, o mundo viverá o auge da crise financeira. Por má coincidência, ano eleitoral no Brasil.
Publicado 30/10/2008 11:38
“Quando trocarmos de governo, devemos estar vivendo o auge da crise. Não é agora, é em 2010”, diz Conceição. Espera que a gestão do presidente Lula não seja politicamente afetada, pois reconhece “que há realmente um avanço” no país.
Filiada ao PT, a professora participou na última terça-feira (28) de um seminário sobre a crise mundial na visão da esquerda, organizado pelo ex-deputado federal Vivaldo Barbosa, no Salão Nobre da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Na mesa de debates, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa e o economista Reinaldo Gonçalves. A platéia de cerca de 40 ouvintes reunia representantes do PSB, PSOL, PDT e PCdoB.
“Keynesianos de boca”
Na visão da economista, quem leva a pior, no momento, é o Leste Europeu. “Eles é que estão levando porrada. O pau canta dos dois lados (no Ocidente e na Rússia)”. E faz uma radiografia dos convertidos, repentinamente, ao keynesianismo (de John Maynard Keynes, economista britânico, defensor do papel regulatório do Estado).
“Entre os que estão corrigindo, os que têm poder pra corrigir a situação, não houve uma troca de cabeças… Agora, eles são keynesianos de boca, e não só de boca, de interesse”, afirma.
Conceição vê barreiras para “uma reformulação, uma refundação do capitalismo”. Nesse debate, sente-se obrigada a rever uma antiga resistência ao presidente da França, Nicolas Sarkozy.
“Paradoxalmente, o mais à direita, que é o (Nicolas) Sarkozy, prega isso. Quando Sarkozy ganhou as eleições, eu odiava o Sarkozy. Um fascistão! Mas a verdade é que ele está nessa (de defender uma refundação). O que não é tão espantoso porque os partidos de centro defendem a intervenção do Estado. Em relação à crise (de 30), quem entrou com o Estado? Os nazistas e os fascistas. Não há tanta contradição. Os fascistas autoritários não têm nada contra o Estado intervencionista”, diz.
Segundo a professora, a atual crise não é mais complexa porque desregularam o mercado financeiro. Há outros tipos de complexidades na jogatina. “Desregular, eles desregularam no século 19. Não é só por isso. É porque eles inventaram uma porrada de inovações que contaminam tudo. Esses derivativos de crédito, de câmbio…Tudo que se possa imaginar. Como isso contagia o sistema inteiro, nós temos que ser mais cuidadosos. Todos estão metidos”, explicou..
Confira outros trechos da palestra de Maria da Conceição Tavares:
Petrobras e PAC
“A Petrobras não vai parar de investir. Ela pode dizer que não vai investir no pré-sal, de imediato; esperar um pouco pra ver o que vai dar o preço internacional. Mas os programas que já estavam postos não vão parar. O mesmo é a Eletrobras. E, dessa vez, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai ser pra valer, não tem brincadeira. Agora é pau no lombo e superávit primário caindo. Sendo assim, a expectativa é que a gente não passe uma recessão. No ano que vem, uma recessão é praticamente impossível. Basta crescer um ponto, um ponto e meio, pra chegar a três, três e meio, que é mais ou menos o que o Fundo Monetário espera de todo mundo. Dos malucos, não, mas eu também não vou levar a sério malucos.”
Projeto para o Brasil
“No meio dessa crise, era bom começarmos a pensar a sério, a sério não mais apenas na conjuntura, mas num projeto pro Brasil que não está nem de longe construído. Nem pela esquerda, que dirá pela centro-esquerda. Porque se nós não tivermos alguma… acho que há apenas um consenso, que a direita também aderiu: não se deve matar por fome os pobres. Parece que isso a direita encampou. Não há consenso nenhum sequer sobre o salário mínimo. Porque vem com o papo do déficit da previdência. Não há nenhum consenso sobre as reformas.”
Reformas neoliberais
“Fracassou o neoliberalismo, sim. Mas as reformas que estão em pauta são todas neoliberais. Essa reforma fiscal que foi enviada ao Congresso é uma reforma neoliberal. Já assinei manifesto, eu e todo mundo que é medianamente interessado no assunto. Porque ela é neoliberal. Ninguém aqui é pelo neoliberalismo, o que significa que ninguém acredita mais que o mercado se auto-regule. Todo mundo agora é a favor da intervenção do Estado, para que o Estado salve. Agora, reformas. Continuam neoliberais. Não ouvi ninguém… Eu não conheço nenhum keynesiano no mundo que tenha proposto reformas neoliberais. E, no entanto, é óbvio que o capitalismo vai ter que se reformar. Não adianta dizer: “Vou refundar.” Não adianta refundar. Já fizemos refundações. Mas não é essa questão. Tem que reformar.”
Fonte: Terra Magazine