Raça e disputa presidencial nos EUA
Três quartos do público dos Estados Unidos desaprova atualmente a atuação do presidente George W. Bush. Isso considerado, e o fato de que as políticas e os valores de John McCain e sua vice-presidente escolhida, Sarah Palin, são quase idênticos aos de
Publicado 03/11/2008 15:02
O motivo para ele não estar, suspeito, é racismo. Quando consultada nas pesquisas, a maioria dos eleitores brancos mais idosos rejeita Obama de forma esmagadora, ainda que muitos estejam descontentes com Bush. De fato, um terço dos democratas já disse em muitas ocasiões aos entrevistadores que não votará num candidato negro. E uma pesquisa de voto recente, conduzida pela Associated Press/Yahoo News, indicou que sua raça está custando a Obama seis pontos percentuais nas pesquisas.
Na maior parte do tempo, esse racismo é dissimulado, só sugerido por meio de palavras em código. A mídia, particularmente a mídia conservadora e os programas de bate-papo no rádio [nos quais ouvintes se manifestam ao vivo a respeito de uma variedade de temas atuais] cada vez mais populares, são particularmente importantes aqui. Obama é sistematicamente criticado por sua “diversidade” e sua “arrogância”, termos que trazem à mente a imagem do “crioulo arrogante” dos dias da segregação, que na verdade não estão tão distantes assim no passado dos Estados Unidos.
Numa entrevista recente, Bill O´Reilly, o mais popular apresentador de programa de entrevistas de TV na Fox News, o canal de notícias mais assistido nos EUA, tratou Obama de uma forma tão condescendente que alguns espectadores foram lembrados da imagem de um dono de escravos num filme antigo de Hollywood que coloca um jovem negro pretensioso no seu lugar.
Sean Hannity, outro apresentador famoso na Fox News, pertencente a Rupert Murdoch, perguntou reiteradamente em transmissão ao vivo a um entrevistado, Fareed Zakaria — um conhecido colunista da revista semanal Newsweek e que tem seu próprio programa de entrevistas na CNN —, se ele pensava que a América é o maior país na face da Terra. Zakaria, de pele escura, americano naturalizado nascido na Índia, com um Ph.D. de Harvard, se sentiu constrangido em admitir a sua lealdade pela América duas vezes. É difícil imaginar Hannity exigindo tal afirmação pública de lealdade de alguém de pele branca.
Quanto, então, a raça está custando a Obama? O problema é que os institutos de pesquisa não podem mensurar o problema eficazmente. Eles chamam isso de “efeito Bradley”, observado pela primeira vez durante a disputa de 1982, ao cargo de governador na Califórnia, quando Tom Bradley, o então prefeito de Los Angeles, perdeu a disputa para o seu oponente branco, apesar de ter liderado nas pesquisas pré-eleitorais durante toda a campanha.
O conceito por trás do “efeito Bradley” é que eleitores brancos não revelarão os seus preconceitos aos institutos de pesquisa. Eles preferem mentir e dizer que votarão no candidato negro quando, na verdade, não têm nenhuma intenção de fazê-lo.
É claro, muitas pessoas agora dizem que Obama comprovou que o “efeito Bradley” é coisa do passado. Mas suas persistentes dificuldades com eleitores brancos da classe trabalhadora, que nas eleições preliminares do partido democrata se alinharam com Hillary Clinton, indicam que, possivelmente, o “efeito Bradley” continua intacto.
Americanos mais jovens aceitam relacionamentos inter-raciais como parte da paisagem sexual e social normal. A própria velocidade com a qual a sociedade americana tem progredido, porém, tem ameaçado a metade do país, mais idosa e majoritariamente branca, incapaz e indisposta a viver no presente.
O moderado Partido Republicano de Dwight D. Eisenhower e dos Rockefellers foi tomado por um público radical, em que até a bisneta de Eisenhower apóia Obama abertamente. Portanto, confunde a cabeça de muitos não-americanos o fato de um número tão grande de pessoas nesse grande país ainda não ter despertado para a realidade de que mais quatro anos de governo republicano degradarão e arruinarão ainda mais o país.
Em qualquer sociedade civilizada, a ignorância não é ilegal e ser moralista é privilégio inerente de qualquer pessoa. Mas o que alarma é como crenças religiosas e morais particulares têm moldado gradativamente a agenda secular dos Estados Unidos, cujos fundadores conceberam a Constituição especificamente para separar o Estado e a Igreja.
O Partido Republicano radical de hoje representa uma vasta segmento da população que acredita que abortos e casamento no mesmo sexo são imorais. Deus enviou a América ao Iraque, e essa ação de socorro a Wall Street é “socialismo”.
Na convenção do Partido Republicano realizada em agosto, os cantos ensurdecedores de “USA! USA!” e “Drill, baby, drill” [“perfure, garota, perfure”, numa alusão à posição do seu partido, de permitir extração de petróleo em qualquer parte dos EUA] soaram como gritos de desespero, e também como de desafio contra um inimigo que ameaça o direito divino da América de permanecer supremo. Sarah desde então identificou o inimigo, decretando a respeito de Obama: “Este não é um homem que vê a América como você e eu vemos a América”.
Se a avaliação dela contém ou não um tom racista, como acreditam muitos observadores, as pesquisas de voto indicam que muitos americanos concordam.
Sin-ming Shaw foi Professora Visitante de História nas universidades Oxford e Princeton.
Publicado em Project Syndicate/Europe's World, 2008. www.project-syndicate.org