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Socialismo é saída para crise, diz Renato Rabelo

Renato Rabelo“Esta crise não pode ser resolvida de forma efetiva nos marcos do sistema capitalista. A verdade se impõe: o tempo vai confirmando que a saída de fundo é o socialismo”. A declaração foi dada nesta manhã pelo presidente do PCdoB, Renato Rabelo, durante abertura do 10º Encontro de Partidos Comunistas e Operários, que acontece até domingo (23) no Novotel, centro de São Paulo. O Vermelho reproduz, a seguir, a íntegra da apresentação feita pelo dirigente brasileiro.

Rabelo: PCdoB apóia luta dos povos
Em reduzido tempo histórico, o liberalismo – então vitorioso nos anos da década de 1990, quando euforicamente proclamava sua vida eterna –, provoca hoje com o desenvolvimento de suas políticas, um grande desastre para a humanidade. Os paradigmas neoliberais, tão absolutos nesse período, se estilhaçaram confrontados com o curso da vida.

O mundo está sendo sacudido com a eclosão de uma crise econômica e financeira de vasta magnitude. O capitalismo passa por uma das mais graves crises de sua prolongada história.

A magna crise – que tem na potência imperialista hegemônica seu epicentro – compreende todo o sistema em escala planetária, envolve os planos financeiros e produtivos; e, por sua profundidade e extensão, poderá trazer pesados prejuízos aos trabalhadores e povos de todo o mundo, e também forte impacto para os países que buscam o desenvolvimento soberano. Pela sua dimensão, poderá sacudir ainda mais a atual ordem mundial hegemonizada pelos Estados Unidos.

Crise financeira e econômica do capitalismo, global e sistêmica
Nosso Partido vem assinalando em seus últimos Congressos – e em Seminários com participação ampla, nacional e internacional – que as crises financeiras e econômicas recorrentes nas décadas de 1980 e 1990 demonstravam os limites históricos do capitalismo, tendo sido determinadas por processos contraditórios que exprimiam um caráter estrutural, derivadas dos fundamentos do sistema.

A presente crise, que contém o efeito cumulativo das demais, atingiu maior magnitude. E não é um fenômeno passageiro, agravando mais profundamente o caráter estrutural do capitalismo. Este se torna cada vez mais impotente para democratizar a sociedade (universalizar saúde e educação de qualidade, ampliar direitos dos trabalhadores);  defender a soberania e impulsionar o desenvolvimento nacional; seguir a rota do progresso social (elevar a qualidade de vida da maioria da nação). Por isso, esta crise não pode ser resolvida de forma efetiva nos marcos do sistema capitalista. A verdade se impõe: o tempo vai confirmando que– a saída de fundo é o socialismo.

O curso dessa crise assinala uma tendência de agravamento que se estenderá pelos próximos anos, com o estabelecimento já agora de um quadro recessivo nos países capitalistas desenvolvidos e da multiplicação de falências, atingindo intensamente as esferas da produção.  E nos países da chamada periferia, apresenta queda dos níveis da atividade econômica e fuga de capitais com a possibilidade de volta das crises cambiais, agravando a vulnerabilidade externa. O cortejo dessa crise já começa a elevar rapidamente os índices de desemprego nos Estados Unidos e na Europa, podendo alcançar ritmos negativos inéditos desde a 2ª Guerra Mundial. E também irradiar graves efeitos sociais por todo o Globo.

É insofismável o fracasso do reinante modelo neoliberal, sistematizado, apregoado e imposto, principalmente, desde o propalado Consenso de Washington – que mais promoveu a desregulamentação financeira, a livre circulação de capitais e de mercadorias, as privatizações de empresas públicas, a especulação institucionalizada e a subtração dos direitos dos trabalhadores.

Todavia, diante do desastre, agora é justificável para o poder dominante a intervenção pronta dos Estados capitalistas, utilizando trilhões de dólares, na tentativa de salvar o sistema na sua fase aguda, transferindo gigantesco volume de riqueza pública e elevando o déficit estatal, para proteger o grande capital e a oligarquia financeira.

Nesse contexto de desespero salvacionista do sistema, é elucidativo o episódio da recente presença de Alan Greenspan – presidente do FED (Banco Central americano) durante mais de uma década – na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Perante os deputados, na apresentação dos motivos da crise, ele afirmou que nesses últimos 40 anos pensava que seu modelo estava certo. Mas, hoje, em face da catástrofe advinda, reconhece que sua visão de mundo, sua ideologia não estavam certas. Este fato eloqüente é um sinal que explicita a situação de profunda crise ideológica vivida pelo capitalismo.

A lógica senil da ideologia capitalista dominante  prega a austeridade do gasto público,  impõe o arrocho salarial e a contenção do trabalho vivo,mas,ao contrário, o Estado capitalista tem  todo direito de realizar escandalosa gastança, nunca vista,  para livrar do abismo os grandes capitalistas. Tais procedimentos são uma agressão redobrada aos trabalhadores, não resolverão os graves problemas sociais criados pela crise.  Ao contrário, poderão provocar pesado retrocesso. Em verdade, na atual quadra histórica, o capitalismo é incapaz de ser reformado num sentido do progresso social.

As causas objetivas da crise vigente, intrínsecas ao próprio curso da acumulação do capital, têm suas particularidades na presente etapa. Pela avaliação do PCdoB, a aplicação das políticas neoliberais desatou imensa financeirização, alcançando volume inimaginável de capital fictício, que passou a atuar intensamente sobre a esfera da produção. A fim de satisfazer suas exigências de lucros geométricos, os capitalistas esperam sua realização através dos papéis do mercado futuro e na especulação institucionalizada, através da multiplicidade de títulos e derivativos com base nas dívidas crescentes privadas e públicas, geradas na forma de créditos. Desse modo, se distancia a necessária correspondência entre capital produtivo e capital financeiro, tornando o sistema extremamente vulnerável. Em suma, evidencia-se uma situação de superprodução relativa e de sobre-acumulação de capitais – fenômenos fundamentais das crises capitalistas.

A situação do mundo se agrava com a crise atual
A presente crise irrompe num quadro mundial em que o começo do século XXI é vincado por ampla e intensa ofensiva do imperialismo norte-americano, com uma política externa unilateral, expansionista e militarista – guerra “preventiva” da Doutrina Bush –, provocando uma situação de grande instabilidade e incertezas, num mundo mais discrepante e desigual. Essa extensa e violenta investida contra os povos e as nações soberanas – para manter a hegemonia unipolar dos Estados Unidos da América – se choca contra os interesses de povos e países no mundo. Devido a isso, é gerado um contra movimento, que se desenvolve em várias formas de resistência e de pólos opostos contra-hegemônicos.

Igualmente, o começo deste século é marcado por uma contínua imposição dominante das políticas neoliberais de interesse dos Estados capitalistas monopolistas – cuja praça central é Nova Iorque –, contrariando os interesses dos trabalhadores, dos povos e de países que lutam por um desenvolvimento nacional soberano. Tal imposição tem gerado um vasto anseio de mudanças que se transformou, principalmente na América Latina, em ascendente movimento democrático, progressista, popular, antiimperialista.

Em resumo, a realidade mundial é caracterizada, por um lado pela ofensiva imperialista e dominância neoliberal e, por outro,  pela resistência crescente dos povos e nações em vários níveis e do surgimento entre os países em vias de desenvolvimento de pólos e blocos contra-hegemônicos com rápida ascensão econômica da China;  e recuperação da Rússia e de outros pólos dinâmicos na chamada periferia. Também nessa situação global, se destacam importantes fracassos da ofensiva do imperialismo norte-americano nas suas guerras de ocupação e domínio. Essas tendências globais já vêm conformando um processo contraditório que indicam a existência de um mundo em transição, que expressam no conjunto um quadro mundial de declínio relativo da hegemonia unipolar dos EUA.

Agora, a eclosão desta crise de grandes proporções pode impactar esta transição em curso nas relações de poder do sistema internacional, atingindo mecanismos que sustentam a hegemonia americana – principalmente os relativos à liberalização dos mercados monetários e financeiros mundiais dominados pelo dólar. E na chamada periferia do sistema os novos atores que vão ocupando o papel de potências de influência regional ou mundial – como a República Popular da China –  podem atuar, conforme a posição soberana do governo nacional e dos interesses do seu povo, como contra tendência à devastação oriunda dos países capitalistas centrais, através da construção de parcerias estratégicas entre eles (G-20 numa coalisão de países em desenvolvimento no âmbito da OMC, G-5, os BRICs, IBAS, Cúpulas intercontinentais etc) – ampliando seus mercados internos e intensificando o intercâmbio comercial na busca de uma alternativa própria.

De todo modo, a crise pode acirrar as contradições que levam ao declínio e à decadência da hegemonia unipolar dos EUA, podendo se desenrolar num quadro de grandes conflitos, possibilitando a passagem para uma nova ordem, uma nova época.

No cenário atual as potências capitalistas buscarão formular uma solução favorável a elas. Neste 15 de novembro se realizou em Washington a cúpula internacional, o G-20, que implicitamente reconhece o G-7 como obsoleto. Entretanto, ela é realizada no interregno de governos nos EUA, patrocinado por George Bush, que sai desmoralizado e escorraçado pela maioria do povo dos Estados Unidos. A Declaração Final emitida pela cúpula, na qual está refletida a hegemonia do império, insiste no lugar comum dominante de “reformar” o neoliberalismo.

É nossa opinião, também, que a eleição de Barack Obama reflete uma realidade objetiva de marcadas tendências à mudanças nos EUA, representa a derrota das políticas belicista e genocida, de Bush. Entretanto, o PCdoB, não acalenta ilusões de que é possível mudar o sistema imperialista através do caminho de alternância entre Republicanos e Democratas no Governo.

Do lado dos países em vias de desenvolvimento, o caminho que pode ser trilhado passa por sua unidade em defesa de seus interesses nesses eventos – e, sobretudo, noutros convocados entre eles – para manter um nível ascendente de crescimento de suas economias; reafirmar suas soberanias; e defender o interesse de seus povos e a paz mundial. Os mecanismos de integração soberana na América Latina e Caribe – MERCOSUL, Alba, Pacto Andino, Unasul, Conselho de Defesa sul-americano, Banco do Sul etc. – são iniciativas que podem fortalecer essas regiões no enfrentamento do hegemonismo imperialista e, ao mesmo tempo, reforçar as soberanias de cada país.

O contexto da nova luta pelo socialismo
Os eventos deflagrados pela presente crise abrem uma fase nova na luta ideológica e política entre o capitalismo e o socialismo. Passamos da fase vivida no início da década 1990 – de afirmação da identidade comunista e de defesa dos princípios revolucionários – para a atual de reafirmação da alternativa socialista. A orfandade ideológica do capitalismo torna-se mais evidente no processo de agudização da luta de classes no mundo, como no curso da vigente crise capitalista.

Nos dias de hoje, no âmbito de cada país, como em períodos históricos de saltos transformadores, a união dos trabalhadores e dos povos organizados em movimentos de frentes políticas amplas e fortes bases sociais pode construir poderosa força-motriz das massas, que poderá arrebatar aos setores dominantes capitalistas importantes concessões; barrar as derivas radicais da direita; e abrir caminho para etapas avançadas no rumo revolucionário.

Pela avaliação do PCdoB, o êxito da nova luta pelo socialismo está na correspondência do desenvolvimento e atualização do pensamento avançado, revolucionário, que responda às exigências da nossa época e dos anseios fundamentais dos trabalhadores e das massas populares. A teoria revolucionária para o nosso tempo, vai sendo forjada dos ensinamentos mais positivos retirados das experiências socialistas do século passado, de seus êxitos e seus revezes, da experiência atual dos países socialistas que não sucumbiram à contra-revolução – mas mantiveram suas instituições surgidas da revolução e reafirmaram a perspectiva socialista – e, também, das experiências recentes do processo inicial de luta progressista e revolucionária na América Latina, e em outras frentes de lutas avançadas.

Os processos políticos de sentido progressista e revolucionário são objetivamente contraditórios, não têm cursos predefinidos, pois os caminhos da luta ascendente de sentido democrático e popular dependerão das condições do período histórico e das peculiaridades de cada país – e estarão sujeitos a etapas e transições que permitam alcançar o objetivo maior do socialismo.

Da rica experiência da construção socialista do século passado se retirou a justa idéia de que não há modelo único de caminho socialista e de que a passagem do capitalismo ao socialismo requer um período de transição – que se inicia com a conquista do poder político nacional pelas classes sociais que formam a maioria da nação, especialmente o proletariado, interessadas nesse trânsito. Essa transição não compreende a socialização total, mas, objetivamente, pode se desenrolar em etapas e com leis próprias. E poderá ser mais ou menos longa conforme o nível de desenvolvimento econômico e social e as particularidades históricas de cada país, e as condições do processo de transformação revolucionária no âmbito mundial.

Na nossa experiência no Brasil, a existência de um Partido Comunista forte – que saiba congregar as forças políticas avançadas e goze de grande influência e prestígio entre os trabalhadores e as camadas populares – é fator decisivo e essencial para prosperar a tática do Partido.Esta tática visa impulsionar o governo Lula no sentido da afirmação da soberania nacional, do processo de democratização, do avanço social e da integração solidária do continente e, assim, aproximar o movimento social da alternativa de transição ao socialismo: objetivo estratégico do PCdoB.

Advogamos a construção de um partido revolucionário grande, renovado, internacionalista, composto de extensa militância, dirigido por quadros comprometidos com a nova luta pelo socialismo deste século, integrados na vida dos trabalhadores e do povo e sintonizados com seus anseios fundamentais.

Nas condições do período histórico vigente – de prevalência ainda no plano geral de defensiva estratégica do movimento revolucionário – ocupa um lugar fundamental no nosso pensamento estratégico e tático a intervenção no curso político concreto, dirigida pelo norte da acumulação de forças no sentido revolucionário, tendo como eixo basilar o crescimento do Partido Comunista, das forças políticas mais avançadas e da elevação da consciência social e do nível de organização do povo.

Esse processo de acumulação de forças se constitui nas condições particulares da nossa experiência no Brasil na inter-relação de tarefas fundamentais e imprescindíveis: 1) articulação da iniciativa de construção de amplas frentes políticas, atuando na esfera institucional, governos e parlamentos, 2) com a intervenção que segue a orientação de dar papel essencial à mobilização e organização das massas trabalhadoras e do povo, fonte principal de crescimento do Partido e força-motriz básica das mudanças, 3) e, ao mesmo tempo, atuação permanente no plano da luta de idéias, com a finalidade de fundamentar e reavivar a perspectiva revolucionária, a alternativa socialista.

Em conclusão, neste momento, o PCdoB eleva mais ainda sua convicção de que é possível a construção de uma sociedade nova, de elevado avanço civilizacional, livre da opressão e exploração capitalista: o socialismo. Valoriza os diferentes esforços de construção de unidade, fóruns e tentativas de agrupamentos de forças da esquerda em todos os Continentes na busca de alternativas ao neoliberalismo e às políticas conservadoras.

Para o nosso Partido, este fórum multilateral internacional dos comunistas e os encontros bilaterais são essenciais para o reforço comum da unidade em torno de nossos interesses de classe e pela construção, considerando os diferentes caminhos, da alternativa socialista. Outrossim, merecem também nosso empenho e participação nos fóruns que reúnam forças progressistas e antiimperialistas em prol da soberania nacional e da defesa dos interesses dos trabalhadores e povos do mundo inteiro.

Nesta ocasião em que a humanidade vive um dos períodos mais complexos e difíceis de sua história – agravado com uma crise sistêmica do capitalismo, que detona outras crises globais produzindo graves ameaças aos povos e países –, o PCdoB apóia resoluntamentea luta dos trabalhadores e dos povos por seus direitos e reforça a importância da unidade dos comunistas e revolucionários e da possibilidade, nestes momentos, de construir frentes amplas com forças políticas progressistas que representam múltiplas camadas sociais atingidas pela crise.


Viva o 10º Encontro de Partidos Comunistas e Operários

Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB