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Eleição de Mujica pode desinflamar crise Uruguai-Argentina

Enquanto o enviado especial de The New York Times à Bahia constata que “exibiu suas credenciais como líder incontestável da América Latina” e “os EUA converteram-se em saco de pancadas durante os três dias da conferência”, a mídia dominante brasileira

Requentada porque o veto uruguaio foi apresentado em outubro e não agora. Mal contada porque ele partiu do presidente uruguaio, Tabaré Vásquez, que entra em seu último ano de mandato com a perspectiva de eleger um sucessor, José Mujica, inclinado a não seguira linha dura de Vásquez em relação à Argentina. O atual presidente chegou a ameaçar com a retirada do Uruguai da Unasul, caso o nome de Kirchner prevalecesse.



A “crise das papeleras”



O atual presidente uruguaio está desde 2005 politicamente rompido com o governo argentino – do presidente Néstor Kirchner e de sua sucessora, e mulher, Cristina Fernández. O pomo da discórdia é a chamada “crise das papeleras”: o governo Vásquez planeja instalar às margens do rio Uruguai uma fábrica de pasta de celulose, com capitais da empresa Botnia, finlandesa; os movimentos ambientalistas da Argentina, que fica do outro lado do rio, com apoio do governo, fecharam a ligação entre os dois países alegando que a indústria seria poluidora. O conflito se arrasta há três anos.



Mujica evidenciou que não concorda com a linha dura de Vásquez no tratamento da crise. Já esteve duas vezes com o casal Kirchner, a última delas em agosto passado, por mais de uma hora e meia. “Deixei claro para eles que meu governo é meu governo, mas que eu estava preocupado. Temos que conversar com todos. Eu queria conversar com quem corta o bacalhau”, expressou, em seu estilo inconfundível.



Mujica, “el Pepe”, como o chamam os uruguaios, tem 74 anos e é um dos líderes históricos do movimento Tupamaro, guerrilha revolucionária e antiditatorial de quatro décadas atrás. Por conta disso, passou dez anos nos cárceres da ditadura, de onde saiu cercado por uma aura de heroísmo por sua atitude face aos torturadores.



“El Pepe” presidente?



Hoje, Mujica é senador – o mais votado da história do país – ex-ministro (Agricultura) do governo Vásquez – cargo que deixou em março, para guardar distância do presidente – e dirigente do MPP (Movimento de Participação Popular, sucessora política dos Tupamaros), principal partido da governista Frente Ampla. É também, desde domingo (14), candidato a presidente da República escolhido pelo Congresso Extraordinário da Frente.



É certo que o caminho para presidência será uma corrida de obstáculos. Em junho, por força da lei urugaia, o nome de “el Pepe” precisará ser submetido às “eleições internas” primárias, entre os militantes da Frente Ampla. No Congresso de domingo, porém, Mujica teve expressiva maioria. Com apoio de seu MPP e do Partido Comunista (quarta maior força da Frente), ele teve o voto de 71,2% dos delegados (1694 em 2.381). Danilo Astori, apoiado por Vásquez, ficou em um modesto terceiro lugar (depois de Marcos Carámbula), com 23,8% e a rejeição de 76,2% dos congressistas. A Frente Ampla também repudiou o veto de Vásquez à legalização do aborto no país, contrariando a maioria dos parlamentares e da opinião pública uruguaia.



Nas pesquisas junto ao conjunto dos eleitores uruguaios, a vantagem não é tão grande, mas também confortável. Uma pesquisa da Ipsos-Mora divulgada na última sexta-feira (12), antes portanto da escolha de Mujica, atribuía à Frente Ampla 40% das intenções de voto, contra 27% para o Partido Nacional, 4% para o Colorado e 1% para o Independente. A mesma pesquisa indagou sobre a intenção de voto no caso de uma eleição entre Mujica e Jorge Larrañaga, provável candidato nacional: “el pepe” venceu por 48% a 41%.



O próximo presidente do Uruguai só tomará posse no início de 2010. Mas estes indicativos deviam levar um jornalismo isento a relativizar o veto uruguaio a Kirchner. É, ao que tudo indica, um veto em fim de mandato.