Irmãos Aniceto são estrelas em documentário
Mestres da cultura, reconhecidos ou não oficialmente, serão protagonistas em projeto de documentário
Publicado 17/12/2008 10:27 | Editado 04/03/2020 16:35
O terreiro da casa de Raimundo Aniceto, na Rua Marcos Macedo, 301, bairro do Seminário, será transformado num grande auditório ao ar livre. Na noite do próximo domingo, será inaugurado o projeto Cinema no Terreiro, com a exibição do documentário sobre a Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, que tem o sugestivo título de “A Casca Avoa e o Miolo Fica”.
Idealizado pelo músico e pesquisador Calé Alencar, o projeto contempla exibições periódicas da produção audiovisual brasileira tendo como cenário o terreiro da casa de mestres da cultura popular ou sedes (formais ou até mesmo informais) de associações/entidades artísticas onde as mais variadas manifestações formadoras da matriz cultural brasileira sejam cultivadas.
Na conversa descontraída com a reportagem, Raimundo Aniceto, chefe da banda, diz que desta vez “ou vai, ou racha, ou arranco o rabo. Nós vamos fazer uma festa de arromba com cerveja e refrigerante”.
Assim, terreiros de mestres (reconhecidos ou não oficialmente) e espaços onde a cultura tradicional acontece tal qual o baião-de-dois nas cozinhas comuns de outrora, nas quais “onde come um, comem doze”, serão também como uma grande roda de confraternização entre amigos, vizinhos, comadres e compadres, onde os que sempre dão o tom da festa, desta vez vão sentar tendo a oportunidade de se enxergar como artistas, apreciando-se através da mais rica de todas as artes, a sétima. E o público também pode e deve chegar junto, aumentando a roda e engrossando o caldo: dessa vez, na grande roda, é só levar a cadeira e sentar diante do telão.
“Eu nunca pensei em ser artista”, diz Aniceto. Apesar da fama que o levou a apresentações em Portugal e na França, Raimundo, com 75 anos de idade, não abandona a enxada. Todos os dias, ele vai para roça. Com as últimas chuvas caídas na região, ele plantou sementes de jerimum. Só não vai para a roça quando está viajando, ou na segunda-feira, porque é dia de vender farinha na feira-livre que funciona do Crato.
Resgate de memória
“A Casca Avoa e o Miolo Fica” é mais um curta documental idealizado pela jornalista Aurora Miranda Leão, empenhada em resgatar, da forma mais espontânea possível, os passos da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto e de seu produtor musical, Calé Alencar. O curta, parceria do site Aurora de Cinema com o Núcleo de Produção Digital e a Escola de Audiovisual de Fortaleza, por meio da Rede Olhar Brasil, iniciativa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. Registra preciosos momentos do convívio entre os músicos, destacando aspectos inusitados e singulares da trajetória do cantor/compositor Calé Alencar como produtor dos Aniceto em suas andanças pelo Ceará e por Minas Gerais.
Quando pensou em criar o Cinema no Terreiro, Calé Alencar idealizou um projeto de inclusão cultural capaz de contribuir com a difusão da crescente produção audiovisual brasileira e, sobretudo, como um instrumento fundamental para elevar a auto-estima e a consciência de cidadania dos inúmeros brincantes, artesãos, batuqueiros, fazedores e guardiães dos aspectos mais preciosos da “enorme e multifária formação histórico-sócio-cultural”. Mas a idéia é agregadora, segundo explica, buscando referendar traços comuns e evidenciar sintonias às vezes adormecidas no denso caldeirão cultural contemporâneo, e assim todas as vertentes abordadas pela cinematografia nacional são bem-vindas e farão parte da programação do projeto Cinema no Terreiro.
Segundo seu idealizador, o projeto pretende “sobretudo, enfatizar o cinema como alternativa viável e prazerosa nas comunidades onde não existem salas de exibição, dando prioridade e ênfase às questões da cultura popular tradicional, a partir da escolha do local onde os filmes serão exibidos, criando uma relação da atividade cinematográfica com os terreiros onde a cultura cresce fácil e fértil como árvores no quintal”.
LANÇAMENTO
Protagonistas são primeiro público
A idéia de lançar o documentário no cenário onde foi gerado tem um ingrediente pra lá de especial: no domingo, o terreiro de Mestre Raimundo será regado com generosas rodadas de cajuína (a tradicional bebida de caju criada por Rodolfo Teófilo, o baiano que afirmava “sou cearense porque quero”), além de priorizar o reconhecimento da importância dos Irmãos Aniceto como grandes artistas da cultura popular, como enfatiza Calé Alencar: “Antes de o filme ser exibido e enviado para festivais, queremos que os Irmãos Aniceto conheçam em primeira mão o registro dessa caminhada por vários lugares do Ceará e do Brasil, comemorando dez anos de nossa amizade e sintonia musical”.
Aurora Miranda Leão, diretora do documentário, também está muito feliz com a idéia: “Serão nossos votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo aos mestres que tanto admiramos, levando o filme ao próprio cenário onde aprendemos a cultuar o gosto por suas incríveis performances, e nos fizemos amigos de muitas parcerias”.
“A Casca Avoa e o Miolo Fica” foi finalizado em novembro, como resultado da parceria entre o site www.auroradecinema.com.br e o Complexo Vila das Artes, por meio do Núcleo de Produção Audiovisual (NPD) e Escola de Audiovisual, realizadores na Capital cearense da bem sucedida iniciativa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, com o projeto Rede Olhar Brasil, do qual também é parceiro o Banco do Nordeste.
Graças às parcerias foi possível concretizar mais um curta-metragem cearense, o qual deverá entrar 2009 percorrendo o circuito de festivais de cinema — a esta altura já com convite para lançamento no próximo Festival Guarnicê de Cinema, que acontece em junho, em São Luís do Maranhão.
Para o lançamento do documentário, o projeto Cinema no Terreiro conta, no Crato, com apoio da Universidade Regional do Cariri (Urca), por meio do Instituto para as ações artísticas e culturais da Universidade (Imago), e do produtor e realizador Jackson Bantim.
FESTA
''Ou vai, ou racha, ou arranco o rabo. Nós vamos fazer uma festa de arromba com cerveja e refrigerante''.
Raimundo Aniceto
Chefe da Banda Cabaçal