Cidade da Música – A história de uma obra inacabada
Agora que Cesar Maia passou mais uma vergonha ao ver cancelada a inauguração da Cidade da Música é oportuno resgatar o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a obra. No dia 17 de novembro ela foi encerrada sem um relatório oficial
Publicado 19/12/2008 11:55
No relatório que apresentei, e que foi enviado ao Ministério Público, peço que sejam indiciados por improbidade administrativa o secretário de Obras, Eider Dantas, o secretário da Cultura, Ricardo Macieira e, solidariamente, o prefeito Cesar Maia.
Vamos aos fatos. É fato que a prefeitura gastou R$23 milhões em contratos sem licitação e não provou que havia “inviabilidade de competição”, forma legal de se dispensar a licitação. No caso da contratação sem licitação da empresa francesa Atelier Christian de Portzamparc, o argumento apresentado sobre o notório saber do arquiteto Christian de Portzamparc é insuficiente. Basta lembrarmos que o mesmo arquiteto, que construiu outras obras similares em diversos países, em todos os casos participou de concursos. Ora, porque só aqui isso não foi necessário, quando a arquitetura brasileira é reconhecida mundialmente?
Neste como em outros casos, o melhor método é sempre o concurso, que não somente serve para se buscar alternativas em matéria de plasticidade, mas também procura meios e maneiras de baratear o projeto.
Outro fato incontroverso: a prefeitura violou a Lei 8666 ao não respeitar o artigo 8º que exige que ao se iniciar a obra estejam “previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução”. O objetivo deste artigo é permitir, através de uma previsão inicial, que a fiscalização do gasto com o dinheiro público possa ser mais efetiva, já que uma obra sem previsão de gastos é na verdade uma obra sem limites de gastos.
Sobre esse assunto a prefeitura foi rica em contradições. O então Secretário de Obras, em depoimento à CPI, afirmou que havia uma avaliação inicial que estimava a Cidade da Música em R$500 milhões e prometeu enviar à CPI o documento com esta avaliação. O documento não veio. O que chegou à CPI foi um ofício assinado pelo novo Secretário de Obras, Rodrigo Dantas (Eider Dantas saiu da Secretaria para se candidatar a vereador) desmentindo o seu antecessor.
“Com relação à previsão inicial de custo da obra, cabe informar que se tratou de estimativa preliminar, debatida entre técnicos e consultores envolvidos, baseados em projetos conceituais sem que houvesse gerado à época qualquer expediente interno”, diz o documento enviado por Dantas.
Ou seja, houve apenas uma previsão “informal” (?!). E de quanto era afinal essa previsão “informal”? Quem nos respondeu esta questão foi o Tribunal de Contas do Município (TCM). Em depoimento à CPI, o Diretor de Controle Externo do TCM, Marco Antônio Scovino, afirma que a informação que obteve por parte da prefeitura era a de que a obra custaria R$107 milhões, ou seja, cinco vezes menos do que seu custo atual.
Outro fato: a prefeitura contrariou o artigo 9º da lei 8666. Este artigo é textual ao proibir que o autor do projeto – no caso da Cidade da Música, Christian de Portzamparc – preste quaisquer outros serviços ou execute obras referentes ao projeto do qual foi autor.
Acontece que a CPI descobriu que duas empresas “brasileiras”, a ACDP do Brasil Arquitetura e a ACDP do Brasil Projetos, foram contratadas, também sem licitação, num valor total de R$10.751.464,56, para prestar serviços e executar obras como, por exemplo “(…) a prestação de serviços de consultoria especializada para elaboração do projeto urbanístico e paisagístico, elaboração dos projetos da sala eletroacústica, desenvolvimento conceitual e adaptação dos seus acessos viários ao empreendimento do Hall Sinfônico da Cidade do Rio de Janeiro”.
Advinha o leitor quem é o dono das duas empresas ACDPs? É fácil descobrir. Basta prestar atenção nas letras que formam o nome da empresa: Arquiteto Christian de Portzamparc (ACDP). Esta foi outra flagrante violação da lei, que ensejou novas contradições dos gestores municipais, que não vamos descrever para não tornar muito longo este artigo.
Aliás, o espaço não nos permite citar todas as evidências de falta de cuidado, para usar um termo educado, com o dinheiro público. Vou citar apenas um último: como é possível que se realize um estudo de viabilidade de uma obra que já está em construção? Pois foi o que a prefeitura fez.
O resultado do estudo apontou que a Cidade da Música é inviável economicamente. Ou seja, além dos altos custos da obra, o contribuinte carioca arcará com mais esse prejuízo. Para finalizar, cito o trecho final do meu relatório convidando o leitor que se interessar a ler a íntegra no endereço http://www.robertomonteiro.com.br/materia/novembro/RelatrioCPICidadedaMsica2.pdf
“A construção da Cidade da Música, da forma como foi conduzida pelos gestores municipais, trouxe prejuízo irreparável à cidade. A falta de planejamento e acuidade da prefeitura faz com que o Rio de Janeiro conviva até hoje com uma obra inacabada, que custou mais de cinco vezes o valor previsto inicialmente, que já ultrapassou em mais de quatro anos o prazo inicialmente previsto para sua conclusão, que terá após o seu término imensas dificuldades para sua manutenção mínima e com duvidosas garantias de retorno social em termos de difusão cultural e artística para a população.
Ou seja, além das ilegalidades gritantes pelas quais os responsáveis devem responder perante a justiça, a CPI conclui que a construção da Cidade da Música Roberto Marinho foi uma irresponsabilidade social, política e econômica”.
* Roberto Monteiro é vereador do PCdoB e foi o autor da CPI da Cidade da Música